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Surdo, eu?

Especialista:

Dados do profissional

Está na hora de desmistificarmos a surdez. Qualquer pessoa que não ouve bem é chamado de surdo. Por quê não chamamos de cego aqueles que necessitam de óculos? A visão e a audição são dois sentidos importantes para nosso dia-a-dia, mas a forma como os deficientes visuais e auditivos são tratados é completamente diferente.

Meus pacientes, aos 70 anos, chegam ao consultório se queixando de não entenderem o que lhes é dito, apesar de "ouvirem bem". Quando digo que a audição "está cansada", eles se recusam a colocar aparelho auditivo porque isto é coisa de velho e, além do mais, eles não estão surdos, só não entendem o que lhes falam!

Eu, chegando aos 40 anos, comecei a ter dificuldades para enxergar de perto. Ao comentar o fato, todos me dizem:
- "Ih! Não adianta, isto é da idade! Chegando aos 40, TEM que pôr óculos!"

Ora, eu não estou cega, só não entendo o que leio! Por quê podemos estar velhos aos 40 anos quando se trata da visão, e não podemos estar velhos aos 70, quando se trata da audição?

Atendo uma criança que tinha dificuldades na fala e problemas de comportamento, mas era boa aluna na escola. O fato de ser boa aluna e o preconceito que temos com a surdez, além da dificuldade em realizarmos exames fidedignos da audição da menina, fez com que a mãe relutasse em admitir que a criança ouvia mal.

Quando, finalmente, a pequena colocou um aparelho auditivo, virou para mãe e pediu para irem comemorar. A mãe, compreensivelmente sem entender o que tinham para comemorar, se espantou ainda mais com a comemoração que a filha solicitou: Ela queria cortar o cabelo bem curto para que todos vissem seu aparelho e percebessem que ela não era mais surda.

Em cima destas observações podemos estabelecer diversos parâmetros entre a visão e a audição, para tentar compreender melhor a audição e a falta que ela faz:

Visão vs. Audição

VISÃO

AUDIÇÃO

Só começamos a enxergar após o nascimento.

Já ouvimos sons a partir do 5º mês de gestação.

Os olhos descansam enquanto dormimos ou, simplesmente, fechamos os olhos.

As orelhas funcionam 24 h/dia. Não usamos despertador para acordar ?

O campo visual é limitado para nossa frente e pouco da região em torno deste foco frontal.

O ouvido capta sons em todas as direções em torno de nosso corpo

Quando superpomos imagens, não conseguimos enxergar, nitidamente, nenhuma.

As orelhas ouvem e distinguem não apenas dois, mas diversos estímulos auditivos superpostos, como notas musicais, instrumentos musicais e a voz do cantor.

É normal aceitarmos que, aos 40 anos, nossa "vista está cansada"

Nunca nos sentimos velhos o suficiente para a audição estar "cansada"

É normal que nossos filhos necessitem usar óculos.

É um drama se nossos filhos necessitam aparelhos auditivos.

Muitos modelos de óculos são chiques, há inclusive modelos de óculos escuros para bebês.

Mesmo sendo da cor da pele, pequenos, os aparelhos auditivos são inaceitáveis.

Os óculos ficam no meio da face, impossível de serem mais aparentes.

Os aparelhos auditivos ficam escondidos dentro da orelha, ou atrás dela.

Todos sabem que não devem olhar para luz forte, principalmente o sol.

A audição não é respeitada em boates, shows, trios-elétricos,etc.

Todos fecham os olhos para coçá-los, e nunca colocam objetos nos olhos.

Ninguém fecha a orelha antes de coçá-la, pelo contrário, introduz-se desde cotonetes até chaves e grampos nos condutos auditivos.

Assim que a visão apresenta qualquer mancha escura ou brilhante, corre-se ao oftalmologista.

O zumbido só é motivo de queixa quando muito persistente ou muito intenso.

Estamos habituados a levar nossos filhos para avaliar se necessitam de óculos antes de entrar na escola

Nem passa pela cabeça dos pais fazer um exame de audição antes de a criança iniciar a alfabetização.

Prevenção e cuidados na perda auditiva

Avaliando estas comparações, podemos ainda observar que os cegos (aqui cegos mesmo, que não se beneficiam com óculos) são motivo de pena, enquanto os deficientes auditivos são motivos de piadas, havendo diversos quadros humorísticos que se baseiam na dificuldade de compreensão das palavras que estas pessoas apresentam. Por quê não gargalhamos quando um humorista, se fazendo de cego, atropela um poste ? 

E, por falar em atropelamentos, a pessoa com surdez tem muito mais chances de ser atropelada que um cego. O cego ouve um carro vindo de qualquer direção, enquanto que o surdo só vê um carro que estiver na frente dele. Se o carro vier por trás, buzinar, e não frear, nosso amigo fatalmente será atropelado. 

Numa época em que falamos tanto em portadores de deficiências físicas e mentais, vamos deixar de ter pena destas pessoas e de ignorar estas deficiências. Vamos prevenir da melhor forma possível e, quando necessário, fazer uso de um bom aparelho auditivo. Apenas um diagnóstico correto, realizado por um médico otorrinolaringologista, pode determinar se é necessário apenas remover cerumen, se há possibilidade de tratamento cirúrgico ou se há necessidade de encaminhamento para um fonoaudiólogo para adaptação de um aparelho auditivo. 


Formas de prevenção e cuidados com a perda auditiva

-Realizar avaliação auditiva em recém-nascidos de risco (aqueles que tiveram infecções durante a gravidez, tiveram problemas no parto, necessitando de internação em UTI, apresentaram icterícia com necessidade de "banho-de-luz", os prematuros, os de baixo peso e os com história familiar de perda auditiva). 

-Realizar avaliação otorrinolaringológica e auditiva em crianças desatentas, hiperativas, sem concentração, com dificuldades de aquisição da fala ou de aprendizado escolar. 

-Consultar um otorrinolaringologista quando a criança respirar pela boca e/ou apresentar infecções de ouvido de repetição. 

-Evitar exposição a ruídos intensos, próximo a caixas de som, danceterias ou com fone de ouvido. Evitar soltar rojões ou ficar próximos a eles. Usar protetor auditivo em trabalhos expostos a ruídos. 

-Procurar um otorrinolaringologista se apresentar zumbido ou se tiver dificuldade para compreender o que é falado.