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Crescer e aprender

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No início de novembro, momento em que o ano letivo caminha para sua finalização, recebi em meu consultório muitos pais angustiados pela constatação de que seu filho ou filha não estava aprendendo a ler e escrever tal qual as outras crianças - da escola, do clube, da família.

Existem muitos obstáculos que podem atravancar esta aprendizagem, e psicodiagnósticos são realizados diariamente na tentativa de localizar a “pedra do caminho”. Mas existe um inimigo que, embora esteja presente em diversos enredos, quase nunca é lembrado e considerado.  Um inimigo forte e poderoso quando está atuando, mas que pode ser facilmente derrotado. Sabe qual é o nome dele? Falta de autonomia!

Autonomia é a capacidade que a criança adquire, progressivamente, de se conduzir e tomar decisões por si própria, levando em conta as regras, os valores, a perspectiva pessoal e a do outro. Isso significa que uma criança que caminha rumo à autonomia aumenta gradativamente sua capacidade de se cuidar: se lavar, se pentear ou vestir o casaco quando o dia esfria.  Ou seja, ser autônomo significa fortalecer a competência para agir sobre o mundo.

Mas uma criança não se torna autônoma sem que os adultos - pais, educadores e cuidadores - abram espaço para que este movimento aconteça. Na medida em que as crianças crescem, os adultos devem transformar a maneira de mediar a relação delas com o mundo, possibilitando que assumam algumas rédeas de sua vida, pouco a pouco.  

Vocês sabiam que até mesmo para aprender a ler e escrever é necessária uma boa dose de autonomia já construída? Muito mais do que treinar certas habilidades como memória, coordenação motora e noções de lateralidade, fazer parte do universo letrado exige atenção, curiosidade e capacidade de estabelecer relações. Aprender dá trabalho!

Mas se nas idades anteriores à formalização do processo de alfabetização e letramento a criança pôde experimentar atitudes e ações mais autônomas, é muito possível que, no momento propício – usualmente marcado pela entrada no Ensino Fundamental - ela consiga se dedicar a uma única tarefa, com foco e persistência, tal qual demanda a aprendizagem da leitura e da escrita.

Mas então, como abrir espaço para que a criança se torne cada vez mais autônoma?

Em primeiro lugar, devemos reconhecer na criança um ser ativo e pensante, atento às informações sociais, capaz de realizar uma série de escolhas e de construir conhecimentos de maneira atuante. Partindo deste olhar para a infância, podemos repensar a rotina de forma que a criança assuma, aos poucos e cada vez mais, tarefas e escolhas referentes aos cuidados consigo.

Por exemplo, que tal separar três conjuntos de roupas adequadas ao clima daquele dia para que a criança escolha um para vestir? Crianças de três anos já podem ter essa responsabilidade e com certeza se beneficiarão da possibilidade de protagonizar decisões sobre si, mesmo que dentro de um universo restrito (três opções), definido pelo adulto.

Ajudar a criança a entender o porquê de uma decisão também é um treino de autonomia bem importante! Vamos supor que todas as roupas oferecidas naquele dia incluam casacos: convidar a criança a perceber que se trata de um dia frio, que outras pessoas também estão protegidas, que, ao abrir a janela, sentimos uma sensação diferente no corpo, são experiências que podemos proporcionar a fim de, logo mais, não precisarmos separar os três conjuntos de roupas e sim dizer “Hoje você precisa escolher uma roupa de frio”.  

E assim, abrindo uma porta por vez, possibilitamos que a criança construa sentido e significado para suas ações, assumindo progressivamente uma postura ativa e responsável frente aos desafios da vida; do vestir um casaco quando esfria, ao ler e escrever; competência que tanto amplia e fortalece nossa capacidade de agir sobre o mundo.

Incentivando e valorizando crescimento, incentivamos e valorizamos aprendizagens!