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Crianças e a TV: há um limite?

Da Revista Materlife - nº 84

Quando falamos a respeito da TV, nós estamos resumindo um problema que hoje é muito mais amplo. Podemos associar na mesma situação os computadores, videogames, DVDs, iPods e outros eletroeletrônicos que as crianças acessam com grande facilidade.

Vivemos hoje em um mundo onde diminuímos as distâncias e paradoxalmente afastamos as pessoas. 

Já há algum tempo, a mulher (mãe) iniciou sua busca por um espaço de igualdade no campo profissional, com muito sucesso, estando cada vez mais envolvidas e comprometidas com suas aspirações pessoais, sendo parte importante da renda familiar.

O homem (pai) se mantém na busca de sua hegemonia profissional e ainda mantém uma elevada porcentagem de responsabilidade no sustento da família.

Assim, as crianças (filhos) passaram a ser criadas, em sua maior frequência, pelas avós, pelas babás no período em que não estão nas escolas.

Assim, o "homem-pai" e a "mulher-mãe" só têm contato com suas "crianças-filhos", no período da noite, quando esses deveriam estar se preparando para dormir e aos finais de semana quando teriam o tempo todo disponível para fortalecer o vínculo familiar.

Porém à noite, quando se encontra em casa, após um dia estafante de trabalho, existe o 3º período, normalmente delegado à "mulher-mãe" com o preparo do jantar, os cuidados de banho e alimentação da criança. O "homem-pai", por sua vez, pode dedicar algum tempo à "criança-filho" enquanto a mulher tenta executar suas tarefas com a maior brevidade.

E quando o casal pode conversar, comer com sossego e trocar ideias, ter sua intimidade e sua cumplicidade desenvolvida, contato com amigos, parentes, telefonemas, programas de TV, facebooks, orkuts, etc., etc., etc., senão após essa hora?

É a partir dessa situação que estamos vivendo nessas últimas duas décadas que as "crianças-filhos" precisavam de uma babá que pudesse ajudar esse casal nesse momento, com custo baixo e eficiência. 

Criaram-se, assim, as "babás-eletrônicas" como a TV, os DVDs (levados até em restaurantes para que as crianças assistam hipnotizadas enquanto comem sem que saiam do seu lugar e incomodem o casal ou o resto dos clientes). 

E sempre que existe a necessidade elas podem ser acionadas, a qualquer hora do dia e da noite, em qualquer situação, inclusive diminuindo a carga de pressão que recai sobre os avós, já se tanta paciência assim para esse "serviço" e também para as babás, que não precisam, dessa forma, manter 100% de atenção constante. 

Além do "desvínculo familiar", esse hábito, que se inicia cada vez mais cedo, pode trazer uma série de problemas bio-psico-físico-sociais a essa "criança-filho" a curto, médio e longo prazo.

Assim, é muito importante que se esclareça que o excesso de TV e de "babás-eletrônicas" é uma consequência de todo esse panorama e não sua causa.

Essa é uma explicação mais simples e não abrange toda a complexidade do assunto, mas resume um pouco a situação que a família vivencia nos dias de hoje.

Assistir TV em excesso é prejudicial à criança? Quais os problemas que esse excesso pode causar no desenvolvimento infantil? Alguns distúrbios podem ser desenvolvidos?

Todo o excesso pode ser prejudicial. Assistir TV não foge a essa regra. Problemas na atenção, no aprendizado, sobrepeso podem ser algumas das situações mais comuns. Quando a criança come e não presta atenção no que e no quanto está comendo, são grandes as chances de desequilíbrio alimentar, gerando, não raro, problemas posteriores associados ao apetite. O exemplo dos DVDs levados a restaurantes para que as crianças permaneçam sentadas e comam é cada vez mais comum. Elas estão muito mais ligadas no que estão vendo (o DVD) e podem não demonstrar saciedade, comendo até mais do que deveriam. 

Trabalho publicado em 12/09/2011 no Pediatrics (Jornal oficial da Academia Americana de Pediatria), realizado no Departamento de Psicologia da Universidade de Virginia, Estados Unidos, analisou o impacto imediato de diferentes tipos de programas de televisão em um grupo de crianças na execução de funções, através de testes reconhecidos. A conclusão foi que apenas 9 minutos de exposição a determinados tipos de cartoons apresentam efeitos negativos imediatos na execução de funções em crianças de 4 anos.

Há que se ressaltar nesse estudo que as crianças foram expostas a apenas 9 minutos do programa de TV e, normalmente, cada programa tem duração de 30 minutos e a exposição das crianças à TV é de 90 minutos por dia (10 vezes maior).

Por que eles passam tanto tempo em frente à TV?

Como já foi visto, a mudança na dinâmica da família é uma das principais responsáveis por essa constatação. É mais cômodo, mais fácil, menos trabalhoso, mais prático do que ter que ajustar uma nova rotina, após um dia longo de trabalho, nem sempre tão feliz.

A TV influencia mais hoje as crianças do que há 10 anos atrás?

A TV associada a essa parafernália eletroeletrônica apresenta essa influência. Sabedores dessa nova dinâmica familiar, os anunciantes preparam cada vez mais suas propagandas direcionadas a esse novo grupo de "telespectadores" mais suscetíveis a "comprar as ideias vendidas". Já há grupos que começam a estabelecer certa resistência a essas atitudes tentando limitar a divulgação dessas propagandas direcionadas às crianças em horários onde elas, sabidamente, estariam à frente dos aparelhos de TV.

Proibir de ver TV é a melhor alternativa?

Proibir nunca é o ideal. O melhor seria não termos que chegar a esse ponto. O mais recomendável seria que os pais pudessem se programar melhor para suprir seus filhos do contato, do vínculo e da atenção tão necessárias na fase de formação da criança.

Brincar com eles, contar histórias, desenhar, cantar, dançar são atividades que geram muito mais interesse e desenvolvem muito mais a imaginação, o lúdico e o vínculo familiar dessa criança em desenvolvimento. 

Assim, se os pais compreendessem que a partir do nascimento de seu filho há outras prioridades e se a rotina fosse outra, certamente não seria necessário proibir a TV. O espaço que sobraria para essa atividade seria certamente engolido por outra mais interessante junto à família.

Porém, segundo a Academia Americana de Pediatria, crianças abaixo de 2 anos não deveriam ser expostas à TV e acima disso, até 5 anos, no máximo uma hora ao dia. Vale ressaltar, mais uma vez, que enquanto falamos TVs, estamos também nos referindo aos outro eletroeletrônicos.

Qual seria um roteiro básico para os pais diminuírem o tempo da criança em frente à TV?

Enquanto não estão em casa, os pais poderiam conversar com as avós e as babás estabelecendo uma rotina que não incluísse a TV, pelo menos até os 2 anos e limitasse seu uso após essa idade.

A TV não pode ser uma razão para que as crianças não queiram sair de casa, para que elas se privem do contato social, da atividade física saudável e regular, da alimentação equilibrada e do ambiente de refeições calmo para que o alimento possa ser apreciado e não "engolido".

A escolinha ou berçário podem ser uma opção para quando haja dificuldade de deixar essas crianças com alguém da família ou com babás.

E para as noites da semana e finais de semana, toda e qualquer programação precisa incluir a criança como parte interessada.

Quanto mais nova a criança, maior essa necessidade.

Eventualmente ou quando essas crianças crescem mais, a ponto de poderem ficar sob os cuidados de parentes, algumas programações feitas a dois, homem-mulher (casal não pais), também são importantes.

E deixar um tempo limitado para TV e seus semelhantes é uma possibilidade que pode ser real, simples e gratificante.