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Tudo muito limpo é o melhor para as crianças?

Do site DIFUNDIR

Quando a chupeta de uma criança cai da boca (mesmo sabendo que as chupetas não são recomendadas), no chão, ela é confiscada e desinfetada por pais ansiosos. Certo? Em alguns casos sim... Em outros não...

por Márcia Wirth

17/08/2017

Muitos pais se preocupam com os germes e a sujeira que entram na boca de uma criança. Mas muitos também ouviram, nos últimos anos, a "hipótese da higiene", que afirma que alguma exposição a germes e microorganismos, na primeira infância, é realmente boa porque ajuda a desenvolver o sistema imunológico. Um estudo sueco de 2013, por exemplo, mostrou que crianças cujos pais apenas sugavam suas chupetas para limpá-las apresentavam menor risco de desenvolver eczema.

“Quando falamos sobre a hipótese da higiene, as teorias que abordam os possíveis problemas que podem estar associados ao crescimento menos exposto aos germes e à sujeira, estamos basicamente falando sobre crescer dentro de casa. Estamos falando de viver em um mundo de superfícies relativamente limpas e controladas, onde mesmo as crianças pequenas, que estão constantemente pegando coisas e colocando-as na boca, não entrarão em contato com uma grande variedade de exposições”, afirma o pediatra e homeopata Moises Chencinski (CRM-SP 36.349).

O ambiente protegido é o lugar em que as crianças crescem. Um estudo de 2016, publicado no The New England Journal of Medicine, comparou os perfis imunológicos das crianças Amish, crescendo em pequenas fazendas familiares únicas e crianças Hutterite, que são semelhantes, geneticamente, mas crescem em grandes fazendas industrializadas. Os Amish, vivendo em um ambiente descrito como "rico em micróbios", ou, alternativamente, cheios de poeira, tinham taxas de asma surpreendentemente baixas.

Jack Gilbert, autor do estudo é co-autor, com Rob Knight e Sandra Blakeslee, de um livro sobre o tema chamado "Sujeira boa: a vantagem dos germes para o sistema imunológico no desenvolvimento do seu filho".

Durante o último século e meio, segundo Gilbert, desde a compreensão de que os micróbios causam doenças, os seres humanos tentaram o máximo possível afastar seus corpos do mundo microbiano de bactérias, vírus e fungos. “E funcionou! Não há dúvida de que o aumento da higiene salvou muitos da doença e da morte. Separar escrupulosamente as crianças dos micróbios que podem ser encontrados em água impura, por exemplo, ou do leite não pasteurizado tem um papel importante na redução da mortalidade infantil, permitindo que milhões de crianças vivam e prosperem”, diz Chencinski, que é membro do Departamento de Pediatria Ambulatorial e Cuidados Primários da Sociedade de Pediatria de São Paulo.

Ambientes extremamente limpos

Mas também podemos perguntar, nos últimos anos, se as crianças que estão completamente isoladas dos micróbios podem crescer com algumas consequências negativas em decorrência dos ambientes extremamente limpos em que vivem.

“Essa separação realmente começa mesmo antes de o bebê ser levado para o ambiente doméstico limpo. Todos os mamíferos nascem fortemente inoculados com bactérias do canal de parto materno. Para os bebês amamentados, o período de aleitamento materno é geralmente um período de exposição ambiental menor, mas de uma exposição materna intensa, e depois, após o desmame, os bebês entram em um período de interação muito maior com os micróbios ao redor deles. O fim do período de amamentação é o início de uma exploração ambiental muito intensiva. Isso acontece com todos os mamíferos, incluindo os bebês humanos, que lambem e colocam na boca tudo o que acham pelo caminho”, afirma o pediatra.

Os hábitos humanos modernos podem interferir nesta exposição precoce aos micróbios. Os bebês podem nascer por cesariana, sem exposição ao canal vaginal da mãe e suas bactérias; eles podem ser alimentados com fórmulas em vez de amamentados; podem dormir longe de sua mãe; podem ser tratados com antibióticos para uma infecção ou outra. A Academia Americana de Pediatria recomenda o aleitamento materno para o primeiro ano de vida (nós, no Brasil, seguindo as orientações da OMS, até 2 anos ou mais) e recomenda que as crianças durmam no mesmo ambiente que seus pais, mas em superfícies seguras e separadas para reduzir o risco de mortes relacionadas ao sono.

Em um estudo publicado em 2016, os cientistas perfilaram o desenvolvimento microbiano de um grupo de bebês nos Estados Unidos, examinando as formas como as suas populações bacterianas foram afetadas pelo modo de nascimento, pela fórmula alimentar versus a amamentação e pela exposição antibiótica. 

À medida que as casas se tornam mais fechadas e mais subdivididas, os espaços são cada vez mais separados por áreas de uso, e a velocidade que o ar exterior substitui o ar interno diminuiu. “O que acontece é que reduzimos a exposição às bactérias ambientais externas, então nos tornamos a principal fonte de bactérias; nossa pele, nossa boca, derramamos bactérias pela casa, que se torna altamente humanizada, a maioria das bactérias em uma casa virão dos humanos. Depois de muitos anos, você encontra bactérias altamente orais perto da pia, bactérias fecais e vaginais, perto do banheiro, e bactérias da pele, no resto da casa”, explica Chencinski.

Portanto, precisamos estudar as consequências para a saúde do ambiente construído, mesmo o mais moderno e mais \"higiênico\", que é um lugar complicado e, de modo algum, estéril. Costumávamos viver em ambientes muito mais “sujos”. Embora as casas sejam mais limpas, o ambiente construído contém muitos componentes, incluindo produtos químicos e partículas no ar, e não apenas micróbios.

Estudos mostraram que expor uma criança ao mundo é absolutamente crítico. Ao mesmo tempo em que os pais não querem sair e expor o filho a infecções agressivas, também não querem criar um ambiente estéril, onde o sistema imunológico não se desenvolva normalmente, o que os coloca em risco de desenvolver doenças imunes. “E o que aprendemos, é que a exposição precoce aos micróbios pode dar forma não apenas ao sistema imunológico, afetando a probabilidade de a criança desenvolver condições autoimunes, como eczema e asma, mas também ao sistema endócrino e mesmo o ao neurodesenvolvimento. Diferentes bactérias e fungos afetam diferentes doenças de forma diferente e afetam diferentes crianças de forma diferente. Não compreendemos plenamente as interações entre o sistema imunológico, o genoma e todos os outros componentes do corpo”, diz Moises Chencinski.

Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545