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Ai que dor... Amamenta que passa; entenda a mamanalgesia

Do site da Crescer

"A amamentação e as intervenções no leite materno são alternativas não farmacológicas significativamente eficazes para procedimentos dolorosos”, segundo estudo recente

por Dr. Moises Chencinski - colunista

26/09/2022

Um estudo recente (revisão sistemática e metanálise, lembra?), publicado no Breastfeeding Medicine, aborda a ação do sabor e do cheiro do leite materno na redução da dor em recém-nascidos (RN) internados em unidade de terapia intensiva neonatal, onde são expostos uma média de 10 procedimentos por dia.

A avaliação levou em conta as intervenções de amamentação, cheiro do LM ou sabor do LM no controle da dor, frequência cardíaca e saturação de oxigênio e os comparou quando foram utilizados antes, durante ou após os procedimentos. E o estudo conclui que “a amamentação e as intervenções no leite materno são alternativas não farmacológicas significativamente eficazes para procedimentos dolorosos”.

Essa pesquisa só vem confirmar as recomendações já estabelecidas no Brasil pelo Manual de Normas e Procedimentos para Vacinação, do Ministério da Saúde de 2.014 (pg. 50):
Caso a criança esteja em aleitamento materno, oriente a mãe para amamentá-la durante a vacinação, para maior relaxamento da criança e redução da agitação.”

Em 2.021, o Ministério da Saúde emitiu uma Nota Técnica (Nº 39/2011), confirmando essa recomendação do Manual, concluindo que “a amamentação deve ser incentivada durante o procedimento da vacinação, pois as evidências disponíveis apontam que se trata de uma intervenção não farmacológica eficaz na redução da dor e no estresse das crianças.”

Ah, mas isso é só aqui no Brasil...

Só que não (ou #sqn).

Uma das grandes referências científicas mundiais de pesquisa, o Cochrane, publicou uma revisão sistemática (olha ela aí de novo) em 2016, sobre o aleitamento materno (AM) para procedimentos dolorosos em crianças no período neonatal que concluiu que “a amamentação pode ajudar a reduzir a dor durante a vacinação para bebês além do período neonatal”, diminuindo duração de choro e escores de dor durante e após os procedimentos.

O CDC (Centers for Disease Control and Prevention) dos Estados Unidos, em seu Pink Book (ou Livro Rosa, conhecido da classe médica), 14ª edição (2.021), também traz sua recomendação para que as mães de crianças abaixo de 2 anos que estejam em AM sejam encorajadas a amamentar seus filhos antes, durante e após a vacinação. Entre as justificativas para essa ação, estão “ser segurado pela mãe, sentir o contato pele a pele, sugar, distrair-se ingerindo leite materno.”

Um dado muito importante dessa publicação está no fato de, ao contrário da crença de profissionais que se opõem a esse procedimento, “potenciais eventos adversos como engasgos ou cuspir não foram relatados.”

Mas por que amamentar durante o procedimento e não só antes ou depois?

Um estudo publicado no PubMed esse ano pesquisou se o intervalo entre a amamentação e a punção no calcanhar (para exames) afeta a percepção da dor em RN divididos em 3 grupos – procedimento logo após a amamentação, 1 hora depois e 2 horas depois – e concluiu que quanto mais curto for esse período, maior a diminuição da sensação dolorosa.

Existem algumas controvérsias a respeito da possibilidade de só o cheiro do LM favorecer esse processo. Um dos estudos mostra que “intervenções olfativas e gustativas do leite materno podem estabilizar as respostas comportamentais à dor durante procedimentos de punção de calcanhar em neonatos”. Já outro conclui que “o odor do leite materno não é eficaz para o controle da dor em recém-nascidos”.


Tá tudo muito bom. Tá tudo muito bem. Mas quando eu quis amamentar na hora da vacina a enfermeira não deixou...

E vamos de estudos novamente? Esse foi feito no Brasil, publicado na Revista de Enfermagem, e, apesar de uma amostra pequena, abre uma possível realidade que precisa ser mais estudada.

Apesar do conhecimento sobre os estudos e sobre o Manual de Procedimentos, a associação da amamentação com dor para o RN, o medo de engasgo, regurgitação durante a vacina oral e a percepção pessoal da profissional foram considerados “crenças restritivas das técnicas de enfermagem” que “se sobrepuseram à evidência, levando a agir de modo a desencorajar ou impedir a mãe de amamentar durante a vacinação”. E a recomendação desse estudo para ajuste dessas situações foi de um “treinamento formal para alinhamento de práticas atuais baseadas em evidências”.

Essa é uma situação muito mais comum do que o desejável e que precisa ser corrigida o quanto antes, tanto para informar adequadamente os profissionais envolvidos quanto para desmistificar as crenças que interferem na ciência.

Segundo o Unicef, dados de 177 países, incluindo o Brasil, entre 2019 e 2021, época da pandemia da COVID-19, indicam que a taxa de vacinação infantil sofreu a maior queda dos últimos 30 anos. Sabemos que a dor e outros possíveis efeitos colaterais das vacinas são alguns dos fatores que influenciam na não vacinação e não realização de exames de sangue importantes na puericultura e no acompanhamento da saúde infantil.

O livro “Amamentação na Era Moderna: vencendo desafios”, do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade de Pediatria de São Paulo, tem um capítulo inteiro dedicado à mamanalgesia (amamentação no manejo da dor na vacinação) e conclui que “o Ministério da Saúde e a OMS recomendam, caso a criança esteja em aleitamento materno que, desde 5 minutos antes até o final da aplicação das vacinas, a mãe amamente seu filho, se possível associado ao contato pele a pele, tanto no SUS quanto em clínicas particulares de vacinação”.

Assim, além de todos os benefícios já conhecidos do aleitamento materno, amamentar antes, durante e após a vacinação e outros procedimentos dolorosos para o lactente, associado, se possível, ao contato pele-a-pele, é um direito da dupla mãe-bebê e uma recomendação que não podem e não devem ser obstruídos por nenhum profissional de saúde materno-infantil.

Um direito se exerce sempre que for desejado.
Se julgar importante, não deixe de lutar por esse.

Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545