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A vida é feita de encontros, a amamentação também

Do BLOG da Editora Timo

A vida é feita de encontros, embora haja tanto desencontro pela vida

por Dr. Moises Chencinski - colunista

14/12/2022

Essa é uma frase da música Samba da Bênção, composta por Vinícius de Moraes (19/10/1913 – 09/07/1980) e Baden Powell (06/08/1937 – 26/09/2000), apresentada no “Encontro no Au Bom Gourmet”, em 02/08/1962, regravada por vários intérpretes até os dias de hoje, e que foi até citada na carta encíclica “Todos irmãos” (Fratelli Tutti), sobre a fraternidade e a amizade social,  pelo Papa Francisco (em 2.020).

Essa é uma frase que pode passear por tantas situações no Brasil, o que a torna não só atual, mas potencialmente eterna.

A saúde é feita de encontros, embora haja tanto desencontro pela saúde.

Encontramos várias definições de saúde, mas que tal nos fixarmos na da OMS:

Estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença.” A pandemia escancarou o completo descaso do país com qualquer foco dessa “saúde”.

Bem-estar físico?

- Sofremos com a COVID: Adoecimentos, mortes, COVID longa, síndromes pós-COVID, vacinação insuficiente, inadequada, descuido dos órgãos responsáveis, não utilização adequada de máscaras, distanciamento social, várias ondas de novas variantes, descompromisso com as crianças, gestantes, lactantes e por aí vai.
- Sofremos com doenças: Sarampo (que já estava extinto no Brasil), Influenza, meningite C, dengue, risco de paralisia infantil, ou seja, doenças que podem ser prevenidas por vacinação, higiene e infraestrutura básica (lavar as mãos, evitar proliferação de mosquitos, entre outras ações preventivas, comprovadamente eficazes).

Bem-estar social?

- Sofremos com a fome: 14 milhões de brasileiros a mais, em 2 anos, entre eles crianças, em situação de insegurança alimentar, atingindo a inimaginável marca, para um país que se diz “em desenvolvimento”, de 33 milhões de seres humanos (quase 15% da população) com fome.
- Sofremos com a pobreza: Dados do IBGE - 62,5 milhões de brasileiros vivendo abaixo da linha de pobreza (quase 30% da população total), entre os quais, quase 18 milhões na extrema pobreza (8,5% dos cidadãos), com um aumento, nos últimos 2 anos (desde 2.020) de 22,7% (de 11,6 milhões de pessoas na pobreza) e 48,2% (+5,8 milhões na extrema pobreza. Só para contextualizar: segundo o Banco Mundial (2.021) - situação de pobreza – ganho de até R$ 486,00 por mês; de extrema pobreza - R$ 168 mensais.
- Sofremos com o preconceito: Gênero, cor e idade ainda demonstram ser pouco levados em conta em relação aos cuidados. Na mesma pesquisa o IBGE indica que em 2.021, 46,2% das crianças menores de 14 anos vivem abaixo da linha de pobreza, e entre jovens de 15 a 29 anos essa taxa é de 33,2%. A taxa de pretos e pardos pobres é de 37,7% na comparação com o número total, enquanto entre brancos é de 18,6%. Vale lembrar que 52% da população do país é composta de pretos e pardos. Mais: 62,8% das pessoas que vivem nessa situação vivem em casas chefiadas por mulheres.

Bem-estar mental?

- Sofremos com a depressão: Segundo dados da OPAS (Organização Pan-Americana de Saúde), o Brasil é o país com maior prevalência de depressão na América Latina e o segundo maior das Américas. O Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas não Transmissíveis em tempos de pandemia – Covitel (2.022), detectou um crescimento de 41% no diagnóstico médico da depressão entre o período pré-pandêmico e o primeiro trimestre de 2022, sendo os maiores aumentos verificados entre as mulheres (39,3%), e nas pessoas com maior escolaridade (12 anos ou mais de estudo - 53,8%).


A amamentação é feita de encontros, embora haja tanto desencontro pela amamentação

Lógico que não poderia deixar passar essa oportunidade para abordar o tema.

Amamentar não é simples, não é fácil e está deixando de ser natural. Já escrevi sobre isso. Mas não houve uma época em que nada era necessário e as mulheres amamentavam? Sim isso acontece desde... #seilaeuquando.

Mas, desde #seilaeuquando, o desmame também era uma das consequências mais comuns entre essas mães, sem apoio, sem orientação. E, com o tempo, outras influências foram se acumulando e contribuindo para um aleitamento materno mais restrito.


A amamentação é feita de encontros

Vou tentar ser um pouco mais objetivo (não devo conseguir, me conta depois... rsrs).

O primeiro desses “encontros” seria com um pré-natal programado, respeitoso, informativo, acolhedor (e estou falando apenas da amamentação, mas vale para o pré-natal como um todo).

Depois, “encontrar” uma maternidade que, se não fosse “amiga da amamentação” (IHAC), pelo menos não atrapalhasse (muito ajuda, quem não atrapalha, né?), mas que cumprisse seu papel e onde as expectativas da mãe, futura lactante, não fossem aniquiladas e anestesiadas.

Tecnicamente, o “encontro” de uma equipe que respeitasse a Golden Hour (Hora dourada) com clampeamento oportuno de cordão, contato pele a pele e amamentação na 1ª hora de vida (no Brasil, 62,4%, lembra?); que observasse pelo menos uma mamada completa, do começo ao final, nos dois seios; que examinasse o freio de língua (como é esperado em um exame físico de um recém-nascido); que não oferecesse ou insistisse em substitutos de leite e de seio materno; que não afastasse o bebê de sua mãe, sem uma absoluta urgência.

A amamentação é multifatorial e, assim, requer a possível atuação de uma equipe multidisciplinar. Assim, o próximo passo, após a alta, seria “encontrar” profissionais de saúde materno-infantil capacitados e habilitados nas técnicas do aconselhamento (escuta ativa, empatia, sem julgamentos) e que protejam, apoiem e promovam a possibilidade do aleitamento materno, para as mães informadas que desejarem e puderem amamentar (diga-se de passagem, a imensa maioria).

Outros “encontros” desejáveis são uma boa rede de apoio, licença-maternidade e paternidade dignas, possibilidade de amamentar em público, se assim o desejar, sem constrangimento, locais de trabalho acolhedores com salas de apoio à amamentação, creches e escolinhas que recebam o leite materno extraído, conservem e ofereçam de forma apropriada para as crianças que utilizarem desses serviços.


Embora haja tanto desencontro pela amamentação

Depois dessa descrição resumida e incompleta (eu sei), fica muito claro porque a amamentação não é simples, não é fácil e está deixando de ser natural.

Legislação? Estamos devendo.
Maternidades? Estamos mais para “má-ternidades” que não escutam e não apoiam as mães, nem nas salas de parto, no alojamento conjunto, nem em suas equipes.
Profissionais de saúde materno-infantil? Estamos preparados? Mesmo com a oferta de cursos, de especializações. Não tenho essa visão, em sua maioria.
Redes de apoio? Oi? Estamos mais para “rede de agouro”.
Salas de amamentação em locais de trabalho? Estamos ... prefiro não comentar.

E se esses “encontros” são muito difíceis, podemos somar alguns “desencontros”.

Passamos por uma pandemia com um agigantamento da ação das indústrias de substitutos de leite materno, expandindo seu alcance para gestantes, lactantes e toda a população, através de inteligência artificial e do algoritmo, dois (nem tão novos) vilões (?).

O leite materno é o padrão-ouro da alimentação infantil.
Amamentação é um direito de mãe e bebê.

E, pensando nessas duas frases anteriores, uma frase atribuída a Leonardo da Vinci, para reflexão:

“Aquele que pode ir à nascente de um rio não vai a um jarro d'água”.

Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545