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Pediatra: ser ou não ser? Não há questão.

Do site da Crescer

Moises Chencinski reflete sobre a relação do pediatra com a díade mãe-bebê, da importância da escuta ativa desde a gravidez e de como a informação é a maior aliada da futura mãe durante a amamentação e o desmame

por Dr. Moises Chencinski - colunista

13/02/2023

Sou pediatra, formado hááá ... antes de a maioria de vocês que me leem aqui terem nascido. A Janice, minha esposa, já me falou pra eu não dizer isso dessa forma, mas é verdade... fazer o quê? Rsrs.

Tenho certeza da minha escolha. Nunca foi fácil. Ainda não é fácil. A responsabilidade é muito grande e o estudo é constante. Cursos, pesquisas, ciência, em tempos de internet, inteligência artificial, aparecem em uma velocidade inimaginável. E é lógico que não dá para seguir tudo. O que fazer?

Lembro aqui a frase de Nelson Rodrigues, divulgada pela grande dama da dramaturgia nacional, Fernanda Montenegro: “Aprendi a ser o máximo possível de mim mesmo”. Será que aprendi mesmo?

Essa, pelo menos, é a proposta, mesmo sabendo que, em algumas vezes, o meu máximo ainda não consegue ser o bastante (vai virar live...). E isso me leva à utopia. Como assim?

Frase atribuída a Fernando Birri (cineasta argentino), citado por Eduardo Galeano (jornalista e escritor uruguaio):

A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.


Ser pediatra...

Um dos presentes para o pediatra é acompanhar a díade mãe (gestante/lactante) – bebê (feto/lactente), por várias fases das suas vidas, desde a chegada, as passagens e as despedidas. É sobre ser digno de confiança.

Ele é o primeiro médico a receber a criança e, pela utopia, se prepara para atender a mulher, em uma consulta recomendada a partir da 32ª semana de gestação, durante o pré-natal. Para mim, essa consulta deveria acontecer logo após a do obstetra, seguida de mais uma a cada trimestre (1+3 - total de 4). Temos tanto a conversar com a mulher, gestante com seu feto, a parturiente com seu bebê, a lactante com seu lactente... os começos, os “durantes” e os “finalmentes”. INFORMAÇÃO E CIÊNCIA EMPODERAM.

Desfralde e desmame, por exemplo, são duas dessas fases de passagem de uma mãe e suas crias que requerem informação (que pode e deve ser dada pelo pediatra), escuta ativa (do pediatra), empatia (do pediatra), sem julgamento (do pediatra). Mas, que fique claro, para sempre, que os rumos dessas e de outras questões sobre a vida dos filhos será, única e exclusivamente, decisão da mãe.

Amamentar é um direito da mãe e do bebê. E tudo bem se uma mãe não quiser, não puder ou não conseguir amamentar. Ela não é “menos mãe” por conta disso. Não é uma questão de tudo ou nada.

Aleitamento materno desde a sala de parto até dois anos ou mais, exclusivo e em livre-demanda até o sexto mês”. Essa é a recomendação, embasada em evidências científicas, da OMS, do Ministério da Saúde, da Sociedade Brasileira de Pediatria, minha e de muitos pediatras que seguem a ciência. Se existe qualquer estudo sério, isento e embasado que contradiga isso, eu desconheço.


Falando sobre desmame

O desmame começa quando se introduz qualquer outro tipo de líquido ou alimento para um bebê que está em aleitamento materno exclusivo. Então, de acordo com o Guia Alimentar para Crianças Brasileiras menores de 2 anos, do Ministério da Saúde, a partir do sexto mês, ocorre a primeira fase do desmame, para que se faça a introdução alimentar, fundamental para o desenvolvimento e crescimento do bebê.

E até quando amamentar é aceitável?
Ué, até o desmame definitivo, oportuno.

E quando acontece o desmame definitivo, oportuno?
Ué, quando mãe e bebê, na imensa maioria das vezes em comum acordo, optam por seguir outro rumo de nutrição, de proteção contra doença, de vínculo.

Mas o leite materno tem o que oferecer até que idade?
Ué, até o desmame definitivo, oportuno.

Aí você pensa:
- Isso não é cansativo, desgastante, complicado, desafiador?
Sem a menor dúvida. É preciso desromantizar a amamentação e a maternidade.

E continuaria sendo assim, mesmo que:
- Todas as mães tivessem licença-maternidade de 6 meses (pouco). Mas não têm;
- Os seus parceiros tivessem, todos, licença-paternidade de 30 dias (uma vergonha). Mas também não têm;
- Todas tivessem uma rede de apoio para ajudar. Não tem;
- Leis favorecessem a volta ao trabalho (com creches, salas de apoio à amamentação, horários), a amamentação em público (acredita que a lei ainda não foi aprovada?), para todas as mães (não acontece).

E, mesmo admitindo seu cansaço, sua vontade de dormir uma noite inteira sem amamentar, exausta, sobrecarregada, com desafios, depoimentos sinceros de mães nas redes sociais, como, por exemplo esse da Gi Itiê, mostram que, informadas adequadamente, essa é uma escolha que cabe exclusivamente a elas.


Responsabilidade

Quanto a nós, pediatras (e outros profissionais de saúde materno-infantil), estarmos ao lado de todas as mães, do “mame ao desmame”, escutando, acolhendo, apoiando, mas, também, informando, com muito embasamento técnico-científico, muita atualização, muito estudo, sem pressão e sem julgamento, é o que se espera.

Profissionais de saúde materno-infantil, em especial pediatras, que deveriam ser a linha de frente na proteção, apoio e promoção para as mães que querem amamentar, não podem estar despreparados, desaprender, desinformar, desestimular e afirmar que, após um ou dois anos, o leite materno não serve para nada, que não traz benefícios nutricionais, imunológicos (enganaram as lactantes que se vacinaram para COVID?), que uma mãe que amamenta por mais tempo é porque tem problemas de relacionamento em casa, ou é insegura, ou não quer que seu bebê cresça. Onde estão os estudos que comprovam essa teoria da conspiração?

Vale ressaltar que a mídia tem seu papel nessa divulgação. Cabe à sua linha editorial, com critérios de ética, isenção, responsabilidade, compreender quais as consequências de sua participação para a sociedade. Já sentimos, nos últimos anos, os efeitos das “fake news” na saúde e na vida das pessoas. Por que um órgão de imprensa divulgaria esse tipo de desinformação, gerando debates e insegurança em pessoas vulneráveis e em busca de bases para tomar decisões importantes?

O que pode estar por trás dessa corrente de desserviço que insiste em não entender que amamentar e desmamar (entre muitas outras) são decisões, única e exclusivamente, da mãe informada? Machismo estrutural? Desconhecimento? Conflitos de interesses? O que eu não consegui perceber?

São tantas emoções...

P.S.: Esclarecendo o prefixo usado, negritado e em itálico no texto:
Des – Prefixo de negação, separação, ação contrária.

Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545