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Os mil dias da gestação. Exagero?

Do BLOG da Editora Timo

por Dr. Moises Chencinski - colunista

26/06/2023

A questão de “prevenir é melhor que remediar” é, cada dia, mais atual e parece que não vai mudar tão cedo. Uma das principais razões dessa verdade é que se não se previne, em grande parte das vezes, pode não dar nem tempo de remediar. E isso pode ser observado no aumento das taxas de mortalidade (sem contar as sequelas) que tivemos no Brasil e no mundo relacionados, por exemplo, à COVID.

Se:
- Lavássemos as mãos com mais frequência;
- Usássemos máscaras quando em situações da doença respiratória;
- Não tivéssemos perdido tanto tempo utilizando medicamentos comprovadamente ineficazes, achando que era proteção ou até tratamento da doença;
- As suspeitas diagnósticas tivessem sido aceitas de pronto, quando confirmadas, e os cuidados para evitar a disseminação (ficar em casa, usar máscaras) tivessem sido respeitados;
- As vacinas fossem aplicadas dentro da programação estabelecida, e mesmo depois que aprovadas no Brasil, a população não tivesse sido mal influenciada e tivesse acreditado mais na ciência e tivéssemos índices de imunização muito mais significativos, de acordo com a capacidade que nosso sistema de vacinação pelo SUS tem,

Poderíamos ter evitado as 700 mil perdas que o país, mas principalmente, os familiares tiveram, e uma parte significativa dessas vidas poderia ter sido salva, durante esses anos da pandemia.

Mas a pandemia só fez escancarar muitas de nossas “deficiências estruturais” e para que se restabeleça a confiança na Ciência, acima de qualquer crendice, cada vez mais, vejo válida a frase que nem sei quando ouvi ou falei pela primeira vez:
EXPERIÊNCIA PESSOAL NÃO É EVIDÊNCIA CIENTÍFICA.

Posso citar um número de situações, agora relacionadas à gestação, parto e puerpério (para as mães) e para o crescimento e desenvolvimento (para os bebês) em que a PREVENÇÃO até que tem uma visão interessante.

PRÉ-NATAL e PUERICULTURA, apesar de serem ainda disponibilizados para uma taxa ainda insatisfatória da população brasileira, fazem parte desses projetos e de textos que já abordei aqui e em outros canais de comunicação:

- A gestação considerada de 12 meses: os 9 meses acrescentados de 3 meses da chamada EXTEROGESTAÇÃO;
- A IDADE CORRIGIDA de um prematuro, quando se considera que o restante da gestação acontecerá fora do útero e que cada bebê levará o “seu próprio tempo” para atingir seus marcos, de acordo com o tempo de prematuridade. Vale lembrar que a vacinação ainda assim deve acontecer na idade cronológica e não na corrigida.
- Os PRIMEIROS MIL DIAS de vida da criança, que já tem propostas para 2.000, em que se somam a gestação e os dois primeiros anos de vida como cuidados fundamentais para o acompanhamento do desenvolvimento “bio-psico-físico-social” desse bebê.

Outras questões são abordadas em alguns outros programas, mas qual o cuidado de acompanhamento que tem uma possível futura gestante, desde que ela resolve engravidar (o que acontece em pequena faixa da população), passando pela sua gravidez, pelo seu parto, puerpério e mais?

Deixo duas perguntas em aberto para retomar ao final do texto:
- Com quanto tempo de gestação você soube que estava grávida e procurou seu médico para o pré-natal?
- Quanto tempo após o seu parto você teve sua última consulta obstétrica, relacionada à sua gestação?


Pausa para dados assustadores(?)

Não é de hoje que estudos científicos (aqueles que deveriam ser levados mais a sério) mostram realidades que nem sempre são valorizadas, mas que causam impactos na saúde da mulher.

Segundo dados da OMS, uma mulher morre a cada dois minutos no mundo por conta de problemas na gravidez e no parto, entre 2.000 e 2.020, com uma melhoria entre 2.000 e 2.015, mas uma estagnação ou até regressão desde esse ano até hoje.
Sangramento grave, pressão alta, infecções relacionadas à gravidez, complicações de aborto inseguro e condições subjacentes que podem ser agravadas pela gravidez (como HIV/AIDS e malária) são as principais causas de mortes maternas. Tudo isso é amplamente evitável e tratável com acesso a cuidados de saúde respeitosos e de alta qualidade”.

Ainda segundo esse relatório, “aproximadamente um terço das mulheres não faz nem quatro dos oito exames pré-natais recomendados ou recebe cuidados pós-natais essenciais, enquanto cerca de 270 milhões de mulheres não têm acesso a métodos modernos de planejamento familiar. Exercer controle sobre sua saúde reprodutiva – particularmente decisões sobre se e quando ter filhos – é fundamental para garantir que as mulheres possam planejar e espaçar a gravidez e proteger sua saúde”.

O relatório revela que “o mundo deve acelerar significativamente o progresso para atingir as metas globais de redução das mortes maternas, ou então arriscar a vida de mais de 1 milhão de mulheres até 2030”.

Em março desse ano, o Wall Street Journal noticiou que houve um grande aumento da mortalidade materna entre 2.019 e 2.021, passando de 20 mortes por 100.000 nascidos vivos (2.019), para 24 (2.020) e 33 (em 2.021) a maior taxa desde 1.965. A COVID teve um papel fundamental nesse panorama, o que justificou incluir as gestantes, e depois as lactantes, como grupo de risco como prioridade de vacinação. Assim, se imunizaria a mulher (gestante, parturiente, puérpera), levando anticorpos (proteção, não imunização) para os bebês em aleitamento materno e se quebraria o ciclo nessa faixa da população.

Estatísticas mostraram um aumento muito significativo da mortalidade materna na pandemia no Brasil, o que é um gravíssimo problema de saúde pública (evitável) e que agrava a própria morte, com maior orfandade, riscos de problemas ligados ao desenvolvimento físico, cognitivo, social, emocional e até questões econômicas muito importantes.

Pesquisa lançada pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal e parcerias, alguns números também relevantes:
- Taxa de 57,2% de partos por cesárea (recomendação da OMS – 10 a 15%);
- Aumento da taxa de mortalidade materna por COVID – 20,7% em 2.020 para 53,4% em 2.021;
- Mortalidade materna com taxa de 113,6 por 100 mil nascidos vivos (Meta da ODS-3 seria a redução para 30 por 100 mil).
- Nessa mesma taxa: Brancas (123,2), Pardas (101,7), Pretas (194,3) – dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM).

Estudos publicados no CDC, realizados em 36 estados norte-americanos, mostraram que 4 entre 5 mortes de mulheres relacionadas à gestação poderiam ter sido evitadas. 80% (taxa real: 84,2%). E esse número aponta para um grupo que nem sempre é lembrado nos cuidados pós-parto – durante a gravidez, parto e até um ano após o parto. E o que mais chama atenção nessa pesquisa é a distribuição dos óbitos pelos períodos:
- 22% - durante a gravidez
- 13,2% - dia do parto
- 12% - de 1 a 6 dias pós-parto
- 23% - de 7 a 42 dias pós-parto
- 30% - no período pós-parto tardio (43-365 dias pós-parto).

Retomando uma das nossas perguntas:
- Quanto tempo após o seu parto você teve sua última consulta obstétrica, relacionada à sua gestação?

Entre as principais causas de mortes relacionadas à gravidez estavam associados problemas de saúde mental (22,7%), hemorragia (13,7%), problemas cardíacos e coronários (12,8%), infecção (9,2%), embolia trombótica (8,7%) e cardiomiopatia (8,5%), representando mais de 75% delas.

Condições cardíacas e coronárias foram a principal causa subjacente de mortes relacionadas à gravidez entre negros não hispânicos; condições de saúde mental foram a principal causa subjacente de morte entre hispânicos e brancos não hispânicos; e a hemorragia foi a principal causa subjacente de morte entre asiáticos não hispânicos.

Outra pesquisa divulgada sobre as taxas de mortalidade entre 2.018 e 2.021 coloca dois grupos em evidência – em 2.021:
- Mulheres negras - 69,9 mortes por 100.000 nascidos vivos (2,6 vezes maior do que a taxa para mulheres brancas - 26,6).
- Mulheres com 40 anos ou mais – 138,5 mortes por 100.000 nascidos vivos (6,8 vezes maior do que a taxa para mulheres com menos de 25 anos – 20,4).

E esses são números. Frios. Diante de uma realidade fria. Com ações frias. E ainda com resultados frios.


Dos números à ação

Fica claro que nossa atenção à prevenção na saúde da criança e adolescente (puericultura, imunização, ensino escolar, entre outros) e à saúde da mulher (pré-natal, prevenção de câncer de mama e de colo de útero, também entre outros) não só não atinge seus objetivos como tem se demonstrado em queda preocupante na última década, para ser otimista.

A cada dia mais se mostra indispensável uma disposição mais intensificada para todas as fases da vida, mas, especialmente a medidas efetivas, eficazes, mais econômicas e mais abrangentes no que diz respeito à PREVENÇÃO.

É nossa responsabilidade coletiva garantir que toda mãe, em todos os lugares, sobreviva ao parto, para que ela e seus filhos possam prosperar. Mas, uma gestação não começa na fecundação e suas consequências não acabam no parto. Assim, para que uma proposta para essa fase da vida da mulher seja realista e tenha um mínimo de chances de fazer a diferença, ela deveria contemplar:

- Acompanhamento periódico de adolescentes com orientação de vida sexual e reprodutiva, desde a adolescência até a menopausa, com prevenção de DST e informações sobre a importância de “programação” de gestação;
- Diagnóstico precoce da gestação;
- Orientação mais elaborada a respeito de utilização e distribuição até gratuita de ácido fólico (pelo SUS), para mulheres em idade fértil e gestantes, de acordo com a Recomendação Nº 2/13 do Conselho Federal de Medicina (desde 2.013). O ácido fólico é fundamental para a “formação e o fechamento do tubo neural do feto, que ocorre entre os dias 17 e 30 após a concepção, ou seja, de quatro a seis semanas após o primeiro dia do último período menstrual, geralmente antes do diagnóstico clínico da gestação”, devendo, então, ser iniciado “no mínimo, 30 dias antes do dia em que planeja engravidar e mantendo sua ingestão durante os três meses iniciais da gestação”.
- Cuidados pré-natais periódicos com avaliações de acordo com cada fase da gestação;
- Consulta periódica (trimestral desde o diagnóstico da gestação) com o pediatra no pré-natal, anterior à avaliação que é considerada e indicada pela Sociedade Brasileira de Pediatria, a partir da 32ª semana de gestação (recomendação importantíssima que ainda não atinge as taxas desejadas);
- Parto em condições adequadas, seguindo as recomendações se segurança e de indicação, em busca das metas da OMS (10 a 15% de partos por cesariana);
- Consultas de rotina periódicas, desde uma semana até pelo menos um ano após o parto, quando as consultas passam a ser periódicas novamente, de acordo com outras programações de cuidados de saúde da mulher.


Conclusão e proposta

O temo “puericultura” aparece pela primeira vez em um tratado em 1.762 (Tratado de Puericultura, escrito por um suíço – Jacques Ballexserd), reafirmado em 1.865 pelo médico francês Alfred Caron, em um manual intitulado “A puericultura ou a ciência de elevar higienicamente e fisiologicamente as crianças”.

A PUERICULTURA é um conceito importante que ainda hoje, em pleno século XXI, não tem o alcance adequado de sua importância, muito embora seja citado, “cantado em verso e prosa” com muita ênfase, e que, se fosse realmente aplicado conforme as recomendações, traria imenso benefício à saúde de crianças e adolescentes. Mas, nem por isso, deixa de representar um conceito fundamental, básico, que um dia teve seu primeiro olhar, uma ideia inicial, com estranhamento talvez pelo termo ao qual o mundo foi se ajustando.

Pensando nisso, será que não estaria no momento de criarmos a MATERCULTURA?

Essa seria uma palavra em português, com a mesma origem no latim da puericultura, que signifique o cuidado com a gestante e a puérpera ".

Essa palavra (que não existe) é formada pela combinação do radical "mater" (relacionado à mãe) e o sufixo "-cultura" (referente ao cuidado ou cultivo de algo). Assim, "MATERCULTURA" seria o termo utilizado para descrever o conjunto de práticas e cuidados direcionados à gestante e à puérpera, ou seja, à mulher durante a gravidez e no período pós-parto.

Através desse conceito, políticas públicas teriam foco no cuidado pleno para a mulher, desde que ela planeja engravidar até a sua menopausa e, assim, trazendo um avanço na saúde feminina com consequente benefício à saúde materno-infantil.

Já imaginaram? MATERCULTURA com PUERICULTURA padrões, preventivas.

Sonhar mais um sonho impossível e LUTAR QUANDO É FÁCIL CEDER.

Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545