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Amamentação: Atenção aos números. Eles não mentem jamais, mas podem te confundir

Do site da Crescer

O pediatra Moises Chencinski reúne dados sobre as taxas de aleitamento materno exclusivo em crianças abaixo de 6 meses, avaliando as mudanças ao longo dos anos e as preocupações para o futuro

por Dr. Moises Chencinski - colunista

30/10/2023

Sabadão de manhã. Final de semana. Para muita gente, um dia dedicado à família, ao lazer, ao descanso, dormir até mais tarde, repor energias. Então... eu não sou uma dessas pessoas. Até que faço um pouco disso sim, mas ... acho que preciso me propor a fazer mais. Vou tentar (ou não... rsrs).

É lógico que esse texto não tem a finalidade de contar particularidades da minha vida, mas é uma introdução para explicar que eu recebo, diariamente, e-mails do Google (eu programei – incluindo aos finais de semana) que me trazem informações sobre temas de saúde, especialmente materno-infantil, e outros mais gerais.

Hoje (sabadaço) recebi uma mala direta da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal (sou fã e sigo muito), em conjunto com o Ministério da Saúde, a respeito do Projeto PIPAS (Primeira Infância para Adultos Saudáveis), com indicadores de desenvolvimento infantil integral nas capitais brasileiras e no DF (recomendo a leitura).

O novo documento (Resumo Executivo do projeto PIPAS 2.022) é muito interessante por vários aspectos. Elaborado por gente que eu respeito muito, pesquisadores sérios, éticos e competentes, é embasado em um questionário (está no documento) que aborda o desenvolvimento infantil (habilidades motoras, cognitivas, de linguagem e socioemocionais) e o “Nurturing Care Framework”, modelo elaborado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Unicef  (com 5 domínios analisados: boa saúde, nutrição adequada, oportunidades de aprendizagem desde o início da vida, proteção e segurança e cuidados responsivos).

E com esse tanto de informações, imaginem só onde meus olhos caíram, “por acaso” (contém ironia), quase logo de cara, assim que eu dei uma passada rápida pelo documento? Nem acreditei. Pois é, tem estatística sobre aleitamento materno e os dados me fizeram brilhar os olhos. Mas, para trazer uma informação bem justa, fui atrás de “minhas fontes” confiáveis.

Obrigado (e desculpe por ser sábado de manhã) Dra. Sônia I. Venâncio (desde 2023 – Coordenadora de Atenção à Saúde da Criança e do Adolescente no Departamento de Gestão do Cuidado Integral, da Secretaria de Atenção Primária à Saúde, do Ministério da Saúde), que participou da elaboração do PIPAS (com mais profissionais de primeira linha) e me explicou a respeito da metodologia da pesquisa.


Vamos aos números? “Prestenção” ...

A amostra do PIPAS consistiu em 13.425 crianças de 0 a 59 meses, com predomínio das faixas etárias de 37-48 meses (21%) e 49-59 meses (19%), sendo 51% do sexo feminino, em 13 capitais brasileiras.

As taxas demonstradas na tabela de aleitamento materno exclusivo (AME) em crianças abaixo de 6 meses são bem significativas e, para minha (boa) surpresa, muito diferentes do ENANI-2.019.

Mas no ENANI-2019, a nossa média não era de 45,7%? Então quem está errado? Muita calma nessa hora.

Essas são pesquisas que têm metodologias, grupos, abrangências muito diferentes e não podem ser colocadas na mesma balança.

O ENANI avaliou 14.558 crianças de 0 a 59 meses, de 0 a 24 meses, em 123 municípios dos 26 estados (não só capitais) da federação e no Distrito Federal. Os métodos de pesquisa foram diferentes. Então, não há como comparar esses dados.

Em 2.009, foi publicada a II Pesquisa de Prevalência de Aleitamento Materno nas Capitais Brasileiras e Distrito Federal (PPAM/Capitais e DF), do Ministério da Saúde, envolvendo 34.384 crianças menores de 1 ano de idade que foram à 2ª etapa de multivacinação de 2.008. Entre os itens analisados (AME, AM, AM na 1ª hora de vida, uso de mamadeira e chupeta), trago as taxas de AME em crianças menores de 6 meses nas capitais.

Aqui, essa comparação já é possível, analisando apenas os dados das capitais que aparecem nas duas estatísticas (a 1ª de 2.009 / a 2ª de 2.022), em ordem alfabética:

Aracaju (35% / 54,7%)

Belém (56,1 / 48,6)

Campo Grande (50,1 / 35,9)

Distrito Federal (50 / 51,1)

Florianópolis (52,4 / 43,7)

Fortaleza (32,9 / 62)

João Pessoa (39,1 / 49,6)

Porto Alegre (38,2 / 74,7)

Porto Velho (36,4 / 66,9)

Recife (38,3 / 48,3)

Rio de Janeiro (40,7 / 52,4)

São Luis (46,7 / 52,9)

São Paulo (39,1 / 63,2)

Média total: 41% (2.009) / 57,8% (2.022).

Embora com algumas taxas em queda (Belém, Florianópolis) ou estabilizadas (DF), na imensa maioria das capitais analisadas houve um aumento bem significativo dos índices de AME em crianças abaixo dos 6 meses. E a média total teve um aumento de 16,8% em 14 anos. Mas, no ENANI, em 13 anos (2.006 a 2.019) bem próximos às datas das pesquisas analisadas, o aumento foi de 8,6% (metade).


O que podemos concluir?

Não há como comparar os estudos e os resultados do ENANI-2019 com II PPAM-2009 e o PIPAS-2022 na sua essência.

Mas, a avaliação dos dados do PPAM-2009 com o PIPAS-2022, que é viável por métodos semelhantes e ambas em capitais, mostra uma grande evolução nas taxas de AME em crianças abaixo de 6 meses.

A evolução significativa na maioria das capitais avaliadas, quando se analisa o ENANI-2019, não teve a mesma relevância no total, no que diz respeito a esse índice (AME em crianças abaixo de 6 meses).

Algo aconteceu nas capitais e no DF que possibilitou essa transformação e esses números. Então... há esperanças, há o que ser feito.

Mas... o que foi que aconteceu, especificamente nas capitais?

Mais informação? Mais rede de apoio? Mais políticas públicas? Menos influência do marketing da indústria? Mais creches que aceitam leite materno? Um pouco de tudo? Outras possibilidades?

Eu não tenho essa resposta. Não há pesquisas específicas quanto a isso, até porque o PIPAS acabou de ser publicado.

Taí uma sugestão para uma nova pesquisa. Quem se candidata?

Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545