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Novas diretrizes da OMS requalificam fórmulas para bebês mais velhos e crianças

Do BLOG da Editora Timo

Fórmula infantil? Leite de vaca? Mas a coluna não é de leite materno?

por Dr. Moises Chencinski - colunista

03/11/2023

Não há como não iniciar esse artigo sem indicar a recomendação de leite materno desde a sala de parto até 2 anos ou mais, exclusivo e em livre-demanda até o 6º mês (ufa). Nenhum estudo antigo, atual e, ouso dizer que até futuro, vai modificar essa afirmação.

Mas sabemos que nem sempre isso e possível ou, pelo menos, acontece. Afinal, no Brasil, nossas estatísticas mostram o aleitamento materno exclusivo (AME) em crianças abaixo de 6 meses em uma taxa de 45,7%. Os outros 54,3%, por alguma razão, já estão em uso provável de outra fonte de leite (fórmulas ou leite de outros animais, aqui, na maioria dos casos, leite de vaca).

Mas, a nossa meta é aumentar as taxas de AME. O que nos impede ou atrapalha? Vem comigo.

Diretriz recente da OMS, referendada pela Academia Americana de Pediatria, traz nova luz a respeito da comparação entre as fórmulas infantis (ultraprocesadas) e o leite de vaca, para bebês e crianças jovens de 6 a 23 meses de idade (alimento in natura ou minimamente processado).

Mas, a maior parte dessas recomendações já fazia parte do nosso Guia Alimentar para Crianças Brasileiras Menores de 2 anos do Ministério da Saúde de 2.019, não trazendo tantas surpresas.

Vale ressaltar que os documentos têm abordagens socioculturais e econômicas distintas. Enquanto o material da OMS tem o foco na diversidade mundial, com realidades, muitas vezes, contraditórias, o nosso Guia Alimentar trata, com proximidade, da nossa realidade e seus hábitos e costumes próprios, mesmo sendo o Brasil considerado um país continental, que abriga uma grande variedade de “povos” em um mesmo espaço físico (cerca de 8.511.000 km2).

Até por conta disso, há diferenças entre essas publicações, como, por exemplo a introdução dos sucos naturais. Mas, o que me chamou bastante a atenção é a questão fórmulas infantis e o leite de vaca.

O que não gera qualquer dúvida e que aparece em todos os guias, diretrizes e recomendações é que o “leite materno é um alimento completo, não sendo necessário oferecer leite de vaca ou de outros animais ou fórmulas infantis para crianças que são amamentadas”.

No Brasil, o leite mais utilizado por crianças menores de 1 ano é o leite de vaca (integral, em pó ou líquido), de caixinha ou saquinho, que por suas características requer suplementação (principalmente ferro, vitamina D). No Guia Brasileiro, a indicação é diluir o leite de vaca até os 4 meses e, a partir daí, ele pode ser oferecido integral (líquido ou em pó, seguindo as recomendações do fabricante).

As fórmulas infantis são à base de leite de vaca, modificado pela indústria de alimentos (ultraprocessadas), tentando adequar a quantidade de seus ingredientes, para elaborar um produto que seja mais adaptado ao organismo de crianças pequenas, visando suas necessidades nutricionais.

Ainda segundo as mesmas recomendações, a introdução alimentar e a oferta de água devem iniciar a partir dos 6 meses sendo que, a partir dos 9 meses, em crianças que estejam em uso de fórmulas infantis, pode ser feita a substituição por leite de vaca integral (sabia disso?).


Abrindo parênteses para informação fundamental do nosso Guia Alimentar

Único e inigualável, o leite materno é o alimento ideal para a criança, pois é totalmente adaptado às suas necessidades nos primeiros anos de vida. Não existe outro leite igual, nem parecido, apesar dos esforços da indústria em modificar leites de outros mamíferos, como o da vaca, para torná-los mais adequados ao consumo por crianças pequenas. Produzido naturalmente pelo corpo da mulher, o leite materno é o único que contém anticorpos e outras substâncias que protegem a criança de infecções comuns enquanto ela estiver sendo amamentada, como diarreias, infecções respiratórias, infecções de ouvidos (otites) e outras. Os 2 primeiros anos de vida são os mais decisivos para o crescimento e desenvolvimento da criança, com repercussões ao longo de toda a vida do indivíduo. A amamentação nesse período pode prevenir o aparecimento de várias doenças na vida adulta.

Durante o segundo ano de vida, o leite materno continua a fornecer proteção imunológica para a criança através de sua grande variedade de substâncias não nutritivas, que incluem imunoglobulinas, hormônios, proteínas, oligossacarídeos do leite humano, sangue branco células, peptídeos antimicrobianos, citocinas, quimiocinas, micro RNAs e comensais bactérias.


Reforçada essa questão, fechando parênteses e retomando

A informação inusitada e talvez inesperada da nova Diretriz da OMS diz respeito à alegada superioridade nutricional das “fórmulas de transição”, “de acompanhamento” ou “fórmulas de desmame” (normalmente para crianças de 6 a 24 meses de idade), e os “leites ou fórmulas infantis”, “leites de crescimento” ou “leites para criança pequena” (geralmente para crianças de 12 a 36 meses de idade), sobre o leite de vaca integral.

As recomendações finais da Diretriz da OMS são (os destaques são meus):

- “Para bebês com menos de 12 meses, a porção líquida da dieta deve ser fornecida por leite humano ou fórmula infantil padrão que foi revisada pelo FDA com base na Lei de Fórmula Infantil.”

- “Para crianças pequenas (crianças com 12 meses ou mais), os cuidadores devem fornecer uma dieta variada com alimentos fortificados para otimizar a ingestão nutricional. As fórmulas para bebês mais velhos e crianças pequenas podem ser utilizados com segurança como parte de uma dieta variada para crianças, mas não proporcionam uma vantagem nutricional na maioria das crianças em relação a uma dieta bem equilibrada que inclua leite humano (preferencial) e/ou leite de vaca, e estes produtos não devem ser promovidos como tal. As fórmulas para bebês mais velhos e crianças pequenas não têm um papel específico nos cuidados de rotina de crianças saudáveis ​​e são mais caros que o leite de vaca.”

- “A comercialização de fórmulas para bebês mais velhos e crianças pequenas deve fazer uma distinção clara e inequívoca das fórmulas infantis padrão em materiais promocionais, logotipos, nomes de produtos e embalagens. O nome do produto de fórmula para bebês mais velhos e crianças pequenas não deve estar vinculado de forma alguma à fórmula infantil (numérico, etapas, nome sequencial) e deve ser rotulado como algo diferente de fórmula - por exemplo, “bebida” de seguimento ou "bebida" de crianças mais velhas em vez de fórmula de seguimento ou de crianças mais velhas. A colocação de produtos nas prateleiras das lojas de fórmulas para bebês mais velhos e crianças pequenas não deve ser acompanhada de fórmulas infantis padrão.”

- “É incentivada a educação das famílias sobre as fórmulas para bebês mais velhos e crianças pequenas pelas equipes de saúde como parte das consultas de puericultura.”

- “Os prestadores de cuidados médicos e as equipes de cuidados devem realizar uma avaliação nutricional específica, tendo em consideração o consumo de alimentos sólidos ricos em minerais e ferro e oferecer ajuste na ingestão de alimentos sólidos e/ou suplementação vitamínica, conforme necessário.”


Perguntas (me ajudem a responder, ou pelo menos a refletir)

Até agora (ou até 2.019, se levarmos em conta nosso guia) a informação vigente, baseada em “estudos”, é que todas as fórmulas trazem um “reforço” em vários campos da nutrição infantil, visando um crescimento e desenvolvimento mais saudáveis das crianças, promovendo um futuro melhor.

Essas diretrizes desfazem essas afirmações, embasadas em avaliações de todos esses estudos anteriores.

- Mudou a fórmula?
- Mudou o leite de vaca?
- Mudou a vaca?
- Mudaram os estudos?
- Mudou quem estuda?
- Mudamos nós?

Seria possível imaginar que os estudos que demonstravam essa quase obrigatoriedade de uso das fórmulas (muito mais caras, mas com “benefícios”) no lugar do leite de vaca (mais barato e, com uma alimentação complementar equilibrada, tão adequado quanto as fórmulas produzidas pela indústria), foram efetivados com “conflitos de interesse”?

E seria possível que sintomas de “possíveis doenças” de algumas crianças (cólicas, gases, regurgitação, choro) não poderiam ser parte de um diagnóstico conhecido como Síndrome da Criança Normal?

Intrigante e preocupante.

Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545