Educação

A hora do berçário

A minha participação na matéria de 05/10/2008, do Jornal da Tarde, a respeito de berçários saiu de um questionário muito bem elaborado pelo (ótimo) jornalista Eduardo Diório. 

Aproveitando que agora, no começo do ano, muitos pais começam a pensar em uma nova postura e resolvem, por opção ou por necessidade, colocar seus filhos em berçários, acho oportuno passar as minhas orientações para essas perguntas, como pediatra (e como pai).

Por que há ainda tanto receio dos pais na hora de escolher um berçário?

O primeiro entrave é a sensação que alguns pais vivenciam de abandonarem seus filhos em um mundo cruel e inóspito, e os riscos que essa atitude possa causar em relação à integridade física de suas crianças.

Outra ilusão que se cria é de que se a criança esperasse até os 2 anos para entrar na escola, ela poderia contar se alguém judiasse dela.

Outras perguntas que pairam no imaginário dos pais: 
- E se a criança não gostar da escolinha e eu tiver que sair do trabalho para buscá-la?
- E se a criança gostar demais da escolinha? Será que isso aconteceu porque "ela não gosta mais de mim"?

Pena, culpa, tristeza, sensação de abandono, de crueldade são emoções que interferem na clareza e na beleza desse momento de transição que é necessário, deve ser natural e, em algum momento, inevitável e sem volta.

Existe um período ideal para colocar o bebê num berçário?

Atualmente, a meta é o estímulo ao aleitamento materno exclusivo até o sexto mês de vida. Assim, pelo menos até o 6º mês, seria interessante a mãe ficar em casa com seu bebê. A partir daí, a melhor hora é a que for a necessária (mãe voltando ao trabalho após a licença-maternidade) ou a que a família julgar melhor (para estímulo) ou aquela em que a própria criança demonstra necessidade de contato com outras crianças. 

Uma idade muito aceita para esse evento é a de 2 anos. A partir de então, a criança poderá aproveitar mais todas as atividades que as escolas podem oferecer.

De qualquer forma, é sempre interessante se avaliar as opções.

Babá, avós ou berçário?

Todos eles têm vantagens e desvantagens. É importante analisar todos os fatores que envolvem esse primeiro passo de independência familiar da criança para que ela possa crescer e se desenvolver dentro de suas potencialidades, com saúde, harmonia e respeito.

O que deve oferecer um berçário bem escolhido?

Mais uma resposta de difícil consenso. Tudo vai depender das expectativas, dos valores da família, das propostas que as escolas apresentam e da maturidade e idade das crianças. É mais produtivo que esses fatores estejam em harmonia.

Métodos tradicionais de ensino, mais rígidos, com mais regras e disciplina ou ensino mais liberal, com atividades em grupo, estimulando a sociabilização e a independência? 

Um berçário bem escolhido deve oferecer oportunidades. As crianças devem ter a chance de desenvolver seus potenciais, sem ser "forçadas" a nada para que não estejam preparadas. Os seus pontos fortes devem ser descobertos e incentivados e suas fragilidades podem ser protegidas e apoiadas para que possam evoluir de uma forma saudável e serena. 

Mas, acima de tudo, o berçário deve privilegiar a atividade mais importante dessa fase para que a criança cresça feliz: o brincar, muitas vezes descompromissado e outras vezes seguindo uma linha educacional, mas, sempre, "brincando". Os ideais sempre buscam uma escola que seja produtiva, eficiente, séria e se esquecem do lazer, do prazer, do brincar.

É importante que a filosofia do berçário, que há tempos deixou de ser um "depósito de crianças", tenha coerência com os ideais da família. Espera-se profissionais bem preparados em todas as áreas (higiene, saúde, ensino) e um espaço adequado, quer seja para dias frios e chuvosos, quer seja para dias mais quentes. 

Higiene, alimentação adequada (sem estimular o consumo alimentar excessivo, que tem aumentado o índice de obesidade infantil a níveis alarmantes), respeito ao desenvolvimento individual.

Outros fatores que precisam ser levados em consideração na escolha da escola:
A localização da escola e sua facilidade de acesso, sua estrutura física, a alimentação, os horários, segurança e higiene, a orientação pedagógica da escola e suas atividades educacionais e seus custos mensais entre outros.

Utopia? Acho que não.
Difícil? Pode ser.
Possível? Com certeza.

Crianças adoecem mais no berçário. Isso é real? Eles criam mais anticorpos?

O início da "vida escolar" das crianças de baixa idade pode trazer um aumento, temporário ou não, do aparecimento de doenças infecto-contagiosas respiratórias, digestivas. 

Esse aumento de exposição acontece por termos, em um mesmo ambiente, crianças vindas de casa, famílias diferentes e, nem todas com os mesmos parâmetros nutricionais, vacinais, higiênico-dietéticos. 

Criar anticorpos é uma atividade constante do nosso organismo, sempre que ele for estimulado a isso. Não só na escola, mas também nos shoppings, nos clubes, em festas infantis, nos parques, as crianças podem estar expostas a esses agentes patogênicos. 

Com o acompanhamento pediátrico adequado e constante, avaliando a idade, as defesas e os agentes a que essas crianças são submetidas, a decisão de manter ou não a criança na escolinha se tornará mais clara e segura.

Deve-se suspender a ida de uma criança doente ao berçário?

Sempre que a criança adoecer, quer esteja no berçário ou não, o pediatra deverá ser consultado. De acordo com a idade da criança, do tipo e da freqüência das patologias apresentadas, das tendências dessa criança, o médico orientará e, em conjunto com os pais, definirá quais os próximos passos a se tomar.

Há alguns casos em que seria mais pudente que a criança não fosse ao berçário:

- Doenças febris ou infecto-contagiosas: desde o momento do aparecimento do quadro febril, suspeitando-se da possibilidade de uma doença infecto-contagiosa, a criança poderá ser afastada do berçário até a resolução do quadro;
- Em casos de doenças contagiosas instaladas: doenças próprias da infância (sarampo, rubéola, roséola, caxumba, catapora, hepatite, conjuntivite e outras) onde haja risco de contágio das outras crianças;
- Em casos de doenças epidêmicas no berçário (diarréias, quadros virais respiratórios ou doenças infecto-contagiosas) onde haja risco de essa criança ser contaminada.

Aquela idéia antiga, da época de nossos avós, de que é melhor pegar uma doença contagiosa quando pequeno (catapora, caxumba, etc.) do que quando adultos não é mais aceita(embora em alguns casos seja verdade). O ideal, hoje e sempre, é não adoecer, nem como crianças e nem como adultos.

Uma família "tranqüila" favorece o desenvolvimento intelectual da criança?

A família é o porto seguro de uma criança. Se pudermos trabalhar juntos, ao lado dessa família, certamente o nenê só tem a ganhar. 

Ao conhecer alguns berçários e optar por levar seu bebê a um deles, essa família estará dando um grande passo no caminho da autonomia e segurança que essa criança aprenderá a ter. Uma vez segura, a criança pode se desenvolver de forma mais harmoniosa e constante. 

A rotina fará com que os pais, as avós e a criança possam cumprir cada um o seu papel no futuro desse nosso mundo tão sofrido e tão pouco respeitado.

Como deve ser a "separação" da criança da família?

Uma criança que cresce amada, respeitada e apoiada vai encarar com mais naturalidade a sua ida para uma escola, sem que isso seja visto como uma "separação" e sim como uma evolução natural do processo de viver.

Nada deve ser escondido da criança para que ela só perceba que está na escola quando chegar lá. Ela se sentirá enganada, insegura em relação aos adultos que devem ser seu ponto de apoio, seu porto seguro. 

É importante que os pais conheçam algumas escolas para que sintam qual delas será a mais adequada ás suas expectativas. A partir daí, se houver tempo disponível, a adaptação pode ser gradual, sem pressa, levando-se a criança à escola alguns dias por semana, por um período pequeno. Conforme a criança se sentir mais segura, mais independente, esse período pode ser aumentado, até que ela possa ficar, pelo menos inicialmente, por meio período.

No período da manhã, a criança acorda mais cedo e, ao voltar da escola, ela pode almoçar (se não comer na escola mesmo, com seus "amiguinhos") e fazer sua soneca que não deve ultrapassar o horário das 16:30 (interferindo no sono noturno).

No período da tarde, o cuidado a se tomar é de não deixar que essa criança durma por muito tempo após voltar da escolinha para não interferir na rotina do jantar e do horário de dormir. Se não se tomarem esses cuidados, essa criança pode dormir muito tarde, acordar muito tarde e atrapalhar os horários das refeições. 

Outra dica interessante é para quando a família estiver para aumentar com o nascimento de um irmãozinho (ou irmãzinha). É prudente que isso não ocorra muito repentinamente e que essa criança seja preparada previamente para não correr o risco de ela se sentir rejeitada pela "concorrência". Isso pode provocar mais insegurança e mais ciúmes, gerando situações familiares mais desagradáveis.

O que fazer quando a criança fica manhosa e não quer ir ao berçário?

Sempre é importante tentar entender o que está acontecendo com a criança. Se não houver nenhum motivo de saúde ou de relacionamento familiar ou problemas na escola, se essa atitude for eventual e houver possibilidade tanto de deixar a criança na escolinha como deixá-la em casa, a escolha depende do momento.

Por outro lado, é importante perceber o quanto a criança pode usar desses artifícios para manipular situações em seu benefício, só para ficar mais na casa da vovó ou para poder ver mais TV (que os pais normalmente não limitam).

Se essa situação não acontecia antes e passa a ser mais constante, pode haver alguma disfunção ou na família ou na escola que precisa ser descoberta e sanada para que a situação volte à normalidade.

Forçar nem sempre é uma boa opção. Mas é importante que a criança entenda a importância de sua presença na escola e o quanto é inconveniente a atitude que ela está tomando, muitas vezes prejudicando a rotina diária de seus pais.

Geralmente, quem dá mais trabalho: os pais ou a criança?

Com toda certeza, os pais dão mais trabalho. Eles não costumam, na maioria dos casos, encarar bem essa situação.

Culpa, pena, tristeza, sensação de abandono, impotência são alguns dos sentimentos eu assombram a fantasia desses pais nesse momento. 

Não costuma ser fácil, entender que uma criança que vai ao berçário pode encontrar um ambiente favorável, bem estruturado, acolhedor e, assim, se sentir bem e gostar de ir à escolinha.

Já as crianças experimentam seus primeiros momentos de "liberdade", independência, começando a andar sobre suas próprias pernas, sem o apoio, mas também sem a supervisão de seus pais. 

Mas, algumas crianças podem se sentir inseguras nessa situação, especialmente se não foram preparadas adequadamente para entender que existe vida legal fora de casa também.

O período integral é bom para as crianças?

A adaptação a qualquer situação nova para as crianças deveria ser gradual e seguindo o ritmo particular de cada uma delas. Assim, inicialmente, o início com algumas horas na semana até chegar a um meio período já é um grande passo. 

O período integral surge como uma chance de oferecer à criança uma gama grande de atividades sem que ninguém precise buscá-la de um lugar e levá-la a outro. Atividades esportivas (judô, natação, futebol, escola de esportes) bem como educacionais (reforço, auxílio nas lições) e artísticas (música, pintura, dança) aparecem como bons e importantes complementos da rotina de estudos.

Há famílias em que ambos os pais trabalham em período integral e não há quem possa buscar essa criança na escola ou não há com quem ela possa ficar em casa por meio período. Nesses casos, o período integral também favorece essas crianças e sossega um pouco esse casal que não fica tão transtornado com o trânsito e com a dificuldade de acesso nas cidades grandes, como São Paulo. 

Por outro lado, essa situação pode gerar uma grande tristeza nos pais que não acompanham o desenvolvimento e o crescimento de seus filhos e resolvem "compensá-los" ficando até tarde com eles, brincando e interferindo na possível rotina dessas crianças.

É importante que os pais fiquem atentos a essa situação para não caírem na tentação de compensarem esse "abandono", que normalmente, na verdade, é muito mais sentido por eles do que pela própria criança que está brincando e se divertindo.