Um dos artigos que participei para revistas (Dona & cia), saiu de uma conversa com uma jornalista (Stella Galvão), através de 10 perguntas que ela me enviou, via e-mail.
O artigo foi publicado (a íntegra está aqui no site) na revista em janeiro de 2.008, mas eu achei que as perguntas foram bem abrangentes e as respostas me agradaram.
Como esse é um tema comum e muito abordado no consultório, achei que valeria a pena incluí-lo nessa parte do site (com o perdão dos psicólogos que poderiam falar com muito mais propriedade sobre o assunto).
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Em primeiro lugar, é necessário estabelecer o que seria um bom relacionamento entre irmãos.
Eles não brigarem? Não vai acontecer.
Que um não bata, ou morda ou provoque o outro? Esqueça.
Não terem ciúmes um do outro? Impossível.
Gostarem um do outro? Eles se gostam com toda certeza (salvo raríssimas exceções), mas não se lembram disso o tempo todo.
Estamos falando de relacionamentos de seres humanos, normais, com características próprias e peculiares.
Não podemos confundir com o que nós gostaríamos que eles fossem. Eles são eles. Indivíduos.
Precisamos nos desapegar do mito da família feliz, perfeita, onde não há conflitos, pontos de vista divergentes defendidos a unhas e dentes (às vezes literalmente), onde todos se respeitam o tempo todo. Essa família não existe.
Há que se respeitar e aprender a conviver com as diferenças. Isso é a base de qualquer relacionamento humano.
Mas não podemos no privar da colocação de nossos valores. E mesmo que quiséssemos, não conseguiríamos. Vivemos juntos e eles aprendem, principalmente, pelos nossos exemplos. Observando.
Partindo daí como introdução, vamos às respostas.
Partindo-se do princípio que já sabemos definir e não idealizar o que seria um bom relacionamento, os irmãos podem conviver em paz, harmonia e respeito e isso é importante sim, para o bem estar da família. Qualquer atrito (não só entre os irmãos) pode interferir na dinâmica familiar.
Não há como evitar que pessoas de idades diferentes, interesses diversos e expectativas particulares entrem em choque. Tudo depende de como se lida com essa situação. O importante não é não termos problemas. Isso é utópico. O fundamental é sabermos lidar e resolver essas diferenças. Resolver não significa fazer com que todos tenham a mesma opinião sobre um assunto, mas sim com que todos aceitem uma mesma definição, sem rancores, mesmo que não tenha sido a sua idéia inicial, pensando no bem comum.
Isso não é fácil. Especialmente sob a ação dos hormônios (adolescência, tensão pré-menstrual, stress, etc).
Partindo-se, novamente, do princípio que já sabemos definir e não idealizar o que seria um bom relacionamento, qualquer situação depende de como cada um consegue trabalhar com as suas expectativas e com suas frustrações.
Frase conhecida: Nós não criamos os filhos para a gente e sim os preparamos para o mundo.
Hahahahaha... será mesmo? Acho que nós, pais, até podemos ter essa meta, mas, na verdade, bem lá no fundo... não é bem essa a realidade, não é verdade?
Há situações para as quais não temos prevenção ou às vezes cura. O que fazer se um irmão tem um desempenho escolar melhor do que o outro? E se o outro tem um desempenho físico muito superior ao um? E o que dizer do sucesso com o sexo oposto, na fase de pré-adolescência? Como evitar isso? Devemos cobrar desempenhos que nunca serão atingidos e, com isso, aumentar o grau de frustrações?
Todos nós temos algo de bom, algo em que somos melhores. Podemos procurar esse ponto em cada um de nossos filhos e ajudá-los a enxergar isso.
Mas e quanto ao resto? Abandonamos à sua própria sorte? Não. Temos que estar atentos para ajudar. Ajudar na medida certa. Não sufocar e nem abandonar. Equilíbrio.
Mostrarmos respeito, compreensão e atenção aos limites. Nossos limites e os limites deles. Respeitar para ser respeitado. Só o equilíbrio e o respeito podem criar uma possibilidade de sucesso nesse caminho.
Só o equilíbrio e o respeito podem criar uma possibilidade de sucesso nesse caminho. Quer queira quer não queira, a influência se dá, normalmente do mais experiente para o menos experiente.
Como saber se ela é positiva ou não? Desde que os preceitos de nossos valores não esteja sendo transgredido, que não haja risco de integridade física (agressões, bullying), moral (sexualidade, drogas) ou psicológica (bullying novamente, está na moda) não há razão para intervir. É e sempre importante deixarmos nossos canais de acesso abertos para que cada um deles possa se sentir acolhido se quiser pedir ajuda, quando necessário. E essa ajuda pode vir (ou não) de forma direta ou através da busca de um profissional da área.
E essa ajuda pode vir (ou não) de forma direta ou através da busca de um profissional da área.
Como podemos identificar "quem começou" uma discussão? É importante definir quais brigas merecem ser brigadas. Se a cada sinal de discórdia entre os irmãos você achar que tem necessidade de interferir, pode abandonar seu emprego, abandonar seu casamento, abandonar sua vida. Isso é impraticável.
Saber quando agir é uma arte. Arte de paciência. Arte de auto-controle.
Interfira quando você conseguir identificar, novamente, risco de integridade física (agressões, bullying), moral (sexualidade, drogas) ou psicológica (bullying novamente).
Interfira quando algum deles pedir. Ouça, analise, avalie. Não aja instintivamente. Pense, reflita. Se necessário, peça um tempo para avaliar a situação, ouvir outras opiniões (profissionais ou não) e somente aí opine.
Só o fato de estar presente já muda o foco da situação.
É necessário analisar qual a motivação para essa atitude.
Controle?
Vingança?
Cuidado obsessivo?
Instinto de proteção?
De auto-proteção?
Busca de confiança?
Vantagens?
De qualquer forma, fica muito cansativo escutar diariamente, o dia todo, as "fofocas" e notícias da irmandade. Todos conhecem a história do Pedro e o Lobo.
Mas como vamos explicar ao "delator" que não há necessidade dessa reportagem diária sobre a vida do outro? É muito tênue a linha que divide o fundamental do excesso. É um exercídio diário de conversas, diálogo, às vezes um pouco de monólogo, para educar e mostrar os valores.
Além disso, é a convivência que mostrará se essa atitude tem algo de patológico e que necessita de intervenção profissional ou se esse pode ser um assunto de simples resolução interna, no próprio âmbito familiar.
A convivência mostrará se essa atitude tem algo de patológico e que necessita de intervenção profissional ou se esse pode ser um assunto de simples resolução interna, no próprio âmbito familiar. Se os pais conseguem identificar algum desvio importante da normalidade, sofrimento (do "ciumento" ou da "vítima"), situações que gerem desconforto entre os irmãos ou familiar, há necessidade de uma intervenção.
Sempre conversar. Conversar nunca é demais.
Não mesmo?
Nós também temos que saber onde ficam nossos limites, até onde ir, o quanto "forçar". Muitas vezes, mesmo que tudo para nós seja extremamente claro, não conseguimos atingir nossa meta em "apontar" e acabamos por "cutucar" a ferida. E se você ataca, a reação natural é a defesa.
Muitas vezes, a questão não é o que dizer e sim como dizer. Se houver essa barreira na compreensão, não tente derrubá-la. Se você não conseguir rodeá-la, procure ajuda. Saber o momento de parar, muitas vezes é tão importante quanto saber quando interferir.
Imagine a seguinte situação (cena de um livro chamado "Um menino de olho no mundo" do autor Marc Simont).
Papai chega em casa com uma moça e diz para a mamãe:
- "Fique tranqüila. Eu vou gostar de você do mesmo jeito que antes."
Você acha mesmo que esse argumento cola para quem, até agora, era o rei da casa, o dono da situação, a única razão para a felicidade daquele lar (pelo menos é assim que ele pode pensar, não é?) e é obrigado a receber seu "querido irmãozinho" em casa? Como lidar com a concorrência?
Uma vez, uma mãe chegou ao meu consultório contando a seguinte situação. Ela tinha tido um nenê havia 10 dias. Ao chegar em casa da maternidade, ela mostrou o nenê à sua irmazinha de 3 anos. Ela maravilhada pediu para pegá-lo no colo. Com muito cuidado, a mamãe sentou-a no sofá e quando ia colocar o bebê em seu colo, ouviu a seguinte frase:
- "Mamãe, se eu deixar ele cair no chão ele quebra?"
Precisava ser mais clara? A mamãe achou melhor, muito sabiamente naquele momento, que ela não o pegasse no colo ainda.
Nesse momento, amor e ódio convivem em proporções variáveis. Como agir? De forma natural.
Compreensão e critério. Você pode entender que a criança fique brava, enciumada, triste. Mas as regras não mudam por conta disso. Ainda existe hora para comer, hora para dormir, regras, limites. Nada mudou. E, com o tempo, quando ficar claro que há amor para todos, normalmente, tudo se estabilizará.
Caso isso não ocorra ou as coisas fujam do controle, pode ser necessária intervenção profissional (auxílio psicológico para a criança e/ou a família).
Voltamos à questão das expectativas e frustrações. As pessoas são diferentes. Mas quando se trata de alguém de nossa família, as expectativas são maiores e as decepções assumem uma proporção inesperada.
- "Meu filho de 4 anos já conhece todas as letras..."
- "Minha filhinha de 3 anos já sabe todas as cores..."
- "Meu filho de 9 meses já anda ..."
- "Filhinha (de 2 anos)!!! Fala pra mamãe como é que se diz amarelo em inglês..."
- "Filhão (de 5 anos)!!! Conta até 15 para o papai, mas agora de trás pra frente... "
Pense bem e responda honestamente: Que diferença isso faz?????
Na verdade, beeeeem lá no fundo, será que a questão não diz respeito aos filhos e sim a nós?
Precisamos parar de nos projetar em nossos filhos. Não podemos querer que eles sejam aquilo que nós somos, ou o que não conseguimos ser ou o que gostaríamos de ter sido.
Assim como devem existir regras que devem valer para todos, temos que respeitar a diversidade para tratar de cada indivíduo. As diferenças são fundamentais e um desafio para a evolução. Diferentes não precisam, necessariamente, ser um certo e outro errado. Podem ser visões de uma mesma realidade vista sob ângulos variados.
Aprender a conviver com as diferenças.
Precisamos parar de nos projetar em nossos filhos. Não podemos querer que eles sejam aquilo que nós somos, ou o que não conseguimos ser ou o que gostaríamos de ter sido.
O que é uma família bem sucedida?
Por quê é tão importante para nós sermos membros de uma família bem sucedida?
Por quê os irmãos precisam ser amigos?
O que é essa relação chamada amizade?
São perguntas que cada um de nós tem que responder para si e tentar, então, encontrar um caminho de convivência harmoniosa e pacífica em um círculo social de tamanha intimidade.
Definição do Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa - Amizade: "Sentimento fiel de afeição, simpatia, estima ou ternura entre pessoas que geralmente não são ligadas por laços de família ou por atração sexual."
Tenho que colocar aqui uma opinião que pode parecer um tanto quanto drástica, mas eu explico o que eu quero dizer.
Pais!!! Vocês nunca serão amigos de seus filhos.
Leiam a definição. Vocês são pais deles. Vocês têm a responsabilidade de educá-los, de criá-los. Isso não quer dizer que vocês não vão se dar bem.
Apaziguar ânimos exaltados é importante em qualquer tipo de situação, não só em brigas de irmãos. Mas, essa intervenção só deve acontecer quando houver necessidade (risco de integridade física, moral ou psicológica - outra vez).
Encontrar o culpado, exigir reconciliação, prometer que isso não acontecerá de novo, obrigar que um sempre defenda o outro em qualquer situação...
Sonho meu, sonho meu...
Viver a realidade de qualquer grupo social.
Aprender a conviver com as diferenças.
Dica principal para mães que estão esperando seu segundo filho:
Esperar o segundo filho.
Apenas isso. Nada deveria mudar. Há situações que são imprevisíveis e inevitáveis.
Toda vez que você se prepara para ter um segundo filho é porque você já teve o primeiro. E não há como mudar isso.
O "ex-futuro-filho-único" pode até ser preparado, mas ele só poderá manifestar suas emoções quando o seu irmãozinho nascer e ele conseguir "digerir" (ou não) a situação que foi criada. E só assim, você terá condições de tomar alguma atitude (se for necessário tomar alguma).
Não há o que esconder. Responda apenas o que ele perguntar. Se ele quiser saber como foi que ele nasceu, não prepare uma explanação detalhada, em datashow, com 45 minutos de duração sobre o amor que os pais tiveram, a primeira relação sexual, o espermatozóide e o óvulo e a evolução dos 9 meses de gestação.
Pergunte o que ele quer, de fato, saber.
De repente, ele só teve dúvidas, quando ele viu um desenho animado, se ele nasceu em casa ou na maternidade...
E boa sorte!!!
Mas, de fato, o que você vai mesmo precisar é de bom senso.