A gravidez foi ótima. O nenê nasceu muito bem. As consultas mostram que o desenvolvimento do bebê, em todos os aspectos está ótimo. De repente, não mais que de repente ... parece que tudo desaba. Sem mais nem menos, aquela paz e aquele equilíbrio se desfazem. Mas o que aconteceu ???????
A mamãe tem que voltar ao trabalho e vai ter que "abandonar" seu bebê. Isso mesmo: a-b-a-n-d-o-n-a-r. Não, ela não vai deixá-lo com a avó, ou com a babá, ou no berçário. Isso seria muito fácil. A sensação que a mamãe tem é a de abandono. E esta sensação a consome.
Ou então, o casal que se dava tão bem, por inúmeras razões, se separa. Os filhos passam (ou não), a vivenciar algumas situações (na escola, em casa, de saúde) que preocupam todos os envolvidos, tanto no presente como para o futuro destes "filhos-de-pais-separados".
E então, como resultado final, aparece o monstro que povoa os maiores pesadelos de todos os envolvidos (pais, avós, resto da família, o pediatra, etc, etc. e etc): A CULPA.
A partir daí, começam os problemas. Os meus problemas como pediatra. Em nome da culpa, tudo é possível e tudo é permitido. E então, horário de sono, horário de mamada, banho, escovação de dentes, enfim, toda rotina desaparece.
Mas eu busquei ajuda. Entrei no google e fazendo uma pesquisa básica, achei um texto perfeito de uma psicóloga e escritora que eu conheço e respeito muito. Entrei em contato com ela e fui "presenteado" com a autorização de colocar este texto aqui no site, para vocês.
Agora sim. Agora estou preparado para enfrentar mais este desafio e para ajudar, um pouco mais, as mamães que passam por este problema. E, sem mais enrolação, passo para vocês o texto escrito pela Lidia Rosemberg Aratangy.
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LIDIA ARATANGY é terapeuta de casais e família, escritora, mãe de quatro filhos e avó de seis netos. Publicou vários títulos na área de relacionamentos. Seus 2 últimos lançamentos são: o Livro dos Avós e O Anel que tu me Deste
Entre os papéis que representamos na vida, nenhum é tão rico, multifacetado e impossível como o de mãe. Nenhum outro oferece tantos desafios e surpresas quanto esse, que, afinal, faria parte do repertório instintivo de toda mulher. Será? A gente nasce sabendo ser mãe?
Há de existir alguma sabedoria intrínseca, codificada nos genes ou nos arquétipos, suficiente para garantir a sobrevivência do filhote apesar da inevitável inexperiência das mães - caso contrário, nossa espécie não teria chegado até aqui. Mas cerca a maternidade uma tal quantidade de mitos e estereótipos que uma marinheira de primeira viagem fica perdida ao tentar corresponder às expectativas sobre o seu desempenho, expressas em frases bombásticas, como:
"Maior que o universo é o coração de mãe!" e "Ser mãe é padecer no paraíso!"
Ora,os sentimentos de uma mulher diante de seu filho são pessoais, dependem da sua história com a própria mãe, do relacionamento do casal que deu origem a essa criança, dependem, sobretudo, das características de personalidade de todos os envolvidos: bebê, mães e pais do presente e do passado.
Como seria possível seguir um modelo único, estereotipado e achatado, como todas as generalizações?
É verdade que é infinita a criatividade da vida em fabricar enredos para perturbar o coração das mães. A aflição provocada pelo choro do bebê vai ser mais tarde substituída pela ansiedade do primeiro dia de aula, e depois pela preocupação com as notas do boletim e, antes que essa desapareça, vai surgir o primeiro namorado com pêlos nas pernas e, com ele, as viagens de férias e o amigo com moto - e tantas outras situações, que, a cada geração, vão mudando de roupagem nas diversas fases de desenvolvimento dos filhos, sempre provocando emoções difíceis.
Aqui vão algumas reflexões para lidar melhor com elas.
Nossa cultura acredita que o valor de uma dádiva está no sacrifício necessário para alcançá-la. Assim, muitas vezes o prazer que uma relação proporciona é escamoteado.
As comadres de plantão têm pressa em comunicar à gestante:
"Depois que esse bebê nascer, você nunca mais terá uma noite de sono!"
Mas ninguém comenta o que significa ser acordada pelo choro do bebê e se dar conta de que é o seu bebê e que basta o som da voz materna ("Está tudo bem, mamãe já vai!") para acalmá-lo.
Ninguém conta como é gratificante perceber a alegria com que o bebê, antes assustado, recebe a mãe que se aproxima do berço.
Onde mais a vida vai oferecer uma experiência de um narcisismo assim legítimo?
Quem não se deixa paralisar pelas armadilhas da culpa e da idealização fica mais livre para desfrutar dos prazeres e privilégios de viver a experiência de gerar e criar um ser humano.
Não existe uma lista dos atributos que fazem uma boa mãe, mas paciência, tolerância, bons olhos e, principalmente, bons ouvidos ajudam um bocado nessa tarefa.
Fundamental é a capacidade de abdicar do desejo de ser perfeita e admitir que o filho também tem dificuldades e fraquezas.
Mães inseguras, com dúvidas e hesitações, são menos perigosas do que as mães infladas de certezas e seguranças.
Educar é mesmo uma tarefa complicada: a gente inevitavelmente educa hoje usando princípios e parâmetros que aprendemos ontem para ensinar a criança a enfrentar o mundo de amanhã.
Temos de ser inseguras. Ainda que tenhamos certeza de nossos valores, não podemos estar certas de que sempre sabemos o que é melhor para o outro.
Felizmente, a mãe não é a única pessoa importante na vida do filho.
Não é preciso chegar à beira da loucura para pedir e aceitar ajuda. O pai e os avós podem se tornar excelentes aliados desde que sejam recebidos e tratados como parceiros, não como assistentes sem qualificações.
Em geral, as mães concordam em abrir mão de uma parte do trabalho, mas não do poder: querem alguém que execute as tarefas determinadas previamente por elas, no momento e da maneira que elas decidirem. Dificilmente pais e avós se contentam com o papel de coadjuvantes que as mães lhes concedem.
Melhor seria aprender a sair do foco dos holofotes, pois fatalmente a mãe terá de abandonar o posto de protagonista da vida dos filhos e dividir a cena com amigos, namorados e até com os filhos que eles terão.
Se não confiar nem no pai nem nos avós para cuidar da criança, como vai tolerar ser alijada por essas novas parcerias?
Há uma diferença fundamental entre culpa e responsabilidade.
Assumir a responsabilidade por um erro permite corrigi-lo. Já a culpa paralisa, pois a necessidade de se penitenciar pela falha impede a reparação.
Os educadores sabem que o erro é parte do processo de aprendizagem. Quem não pode errar não pode aprender.
O sentimento de culpa é proporcional à fantasia de onipotência: quem se sente culpado no fundo acredita que pode fazer tudo perfeito e, se não o faz, é por negligência ou distração. Mas isso é assunto dos deuses. Os reles mortais como nós, falíveis e vulneráveis, só podem fazer o máximo para não errar. Mais do que isso não dá.
Para piorar, como se fosse possível legislar sobre sentimentos, considera-se inadmissível que as mães sintam raiva, mágoa e outros afetos sombrios, comuns aos humanos. Nem a gestante escapa desse decreto cruel: sob pena de ser acusada de envenenar o feto, e numa solene ignorância do poder protetor da placenta, ela está proibida de ficar triste ou de sentir angústia face à tarefa de gerar, nutrir e criar um filho.
Ninguém se torna uma mãe menos adequada por admitir para si mesma que, às vezes, arrepende-se de ter tido um filho. As mães têm até o direito de sentir vontade de agarrar a criança pelos cabelos e de jogá-la pela janela desde que não tentem transformar essa vontade em ação.
Por mais que a mãe ame os filhos, sempre haverá momentos em que ela se perguntará onde estava com a cabeça quando entrou nesse enredo. É assim com todas as mães, desde que o mundo é mundo. Esses sentimentos não ferem ninguém, o que fere são as palavras e as ações.
Das fraldas às camisinhas, do pediatra ao ginecologista, da orientadora escolar ao psicoterapeuta, levamos no olhar a mesma perplexidade, no coração a mesma angústia, nos braços a mesma impotência.
Não podemos ter certezas absolutas.
O melhor a fazer é seguir o coração para podermos nos defender quando, mais tarde, o filho reclamar que não fizemos o que ele acha que deveríamos ter feito - que provavelmente será o contrário do que fizemos.
As que procuraram respeitar o espaço do filho serão acusadas de abandono; as que não quiseram se omitir serão chamadas de controladoras. Ao menos poderemos responder que fizemos o que podíamos e o que sabíamos.
Mais do que isso, ninguém tem o direito de exigir.
É importante que a criança tenha as suas necessidades atendidas, mas é um perigo levá-la a acreditar que todos os seus desejos podem ser satisfeitos. Por isso, o esforço para evitar a qualquer custo a frustração dos filhos é, mais do que inútil, prejudicial. Prejudicial porque transmite a falsa noção de que a frustração é conseqüência de uma falha, de um desvio de rota, e não parte inerente da bagagem humana.
Uma pessoa sem tolerância à frustração seria incapaz de abrir mão de um prazer imediato e, assim, não toleraria interromper uma brincadeira para fazer lição, não conseguiria seguir uma dieta, nem fazer um tratamento médico penoso, nem dizer não às drogas. Seria, enfim, incompetente para atender às inevitáveis exigências da vida.
Felizmente, é impossível atender a todos os desejos dos filhos, pois o desejo é ilimitado.
Não adianta fazer todos os sacrifícios para oferecer o brinquedo da hora, a roupa da moda, os programas do momento. A frustração virá ou sob a forma do telefone que não toca, (quando ele espera pela chamada da colega), ou da mudança do melhor amigo para o exterior, ou de qualquer situação importante cujo desfecho não depende do poder dos pais (e são tão poucas as que dependem, depois que eles crescem...).
Ou seja, as mães não podem nem precisam resolver todos os problemas dos filhos.
O mundo precisa de mães capazes de partilhar e apontar as alegrias da vida, não apenas os deveres; e de transmitir a crença de que o prazer, além de possível, é desejável. Ajuda muito se a mãe acreditar que a vida é boa - e que, quando não, é possível torná-la tolerável com afeto e humor.
Para isso, atividades alegres e gratificantes têm de arejar o cotidiano das mães. Afinal, o prazer não depende de grandes dádivas nem de conquistas transcendentais, mas está logo ali, na boa comida, no brinde com os amigos, no domingo de sol, no olhar da pessoa amada, no sorriso das crianças.
Todos os erros da mãe estarão reparados se os filhos puderem aprender com ela que viver é bom e que vale a pena crescer, tornar-se gente grande e vir a ter filhos - com a bagagem de emoções luminosas e sombrias que essa condição acarreta.