A criança inspira pena nos demais quando se mostra fragilizada, o que pode ser conseqüente a estar doente, triste, amedrontada, solitária, dentre outras situações. Em geral, o espectador que se penaliza com a criança parte de uma identificação, ou seja, coloca-se no lugar dela e passa a sentir por e não com ela. É quando este mecanismo é acionado, que se instala o sentimento de pena em alguns adultos com relação às crianças.
A mãe que tem pena de matricular seu filho na escola tem maior probabilidade de viver um processo de adaptação conturbado. Da mesma forma, quando os pais têm pena de ver o filho doente, pouco colaboram com o tratamento. E mais, os pais se penalizam quando o filho:
Ainda não fala e depende dos outros para tudo;
Assusta-se com os próprios sonhos durante a noite;
Precisa tomar vacina;
Precisa aprender a se virar sozinho;
Tem muita lição de casa para fazer;
Chora quando a mãe sai para trabalhar;
Vai pela primeira vez desacompanhado a uma festa;
Precisa usar óculos;
Menstrua;
Não sabe o que fazer na sua primeira noite;
Assiste ao fim do casamento dos pais;
Presencia um assalto...
Estas são apenas algumas citações do que se comenta por ai sobre as vivências infantis. Que pena! É sinal de que estão vivas, que percebem a realidade, estão aprendendo, observando, refletindo sobre o meio e suas relações interpessoais.
Claro que ninguém irá expor intencionalmente o filho a uma situação estressante só para que ele tenha a "oportunidade" de aprender algo. Porém, o extremo oposto - poupar, negar a existência de uma situação dolorosa para a criança, alegando pena, receio de que ela não aguente a situação - é menosprezá-la, é considerá-la incapaz de lidar com as dificuldades da vida e, mais, é impedir que ela, a partir da experiência, vá desenvolvendo recursos para se proteger e superar obstáculos.
Quem nunca escutou, por exemplo, os pais defendendo a idéia de que é melhor não dar um cachorro à criança, pois se ele morrer a criança irá sofrer muito com isso. Privar a criança de usufruir a oportunidade de criar um animal de estimação, pelo receio de um dia, talvez, chatear-se com a ausência dele, é algo que se pode questionar. O quanto a dificuldade dos próprios pais em lidar com perdas e frustrações pode interferir na forma de educar os filhos, também merece atenção. Quando os pais cuidam de suas próprias dificuldades, não precisam repassá-las aos filhos. Afinal, como já foi dito acima, a pena geralmente é acionada a partir de uma identificação, quando a dor da criança ecoa nos pais e, fusionando-se, confundem-se uns com os outros.
A criança precisa de apoio, sempre, e nada melhor do que o olhar atento dos pais, professores e pediatras, adultos mais próximos e significativos para a criança. Acompanhá-la em seus momentos difíceis, escutando suas dúvidas e queixas, acolhendo sua quietude ou impaciência, aceitando seu medo e outros sentimentos também é estar junto dela. A criança não precisa de que façam as coisas por ela; precisa, sim, sentir-se amparada para enfrentar suas inseguranças e prosseguir em frente.
Quando sentimos pena de alguém, perdemos a possibilidade de verdadeiramente ajudar.
Cláudia Costa Moreira
Psicóloga. Psicoterapeuta de adultos e crianças - CRP: 06/26572
Tel.: (11) 3862-0366
Artigo originalmente publicado na revista Pediatria Moderna - V36 N6