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Uma relação tão delicada

05/10/2009

Troca de informações, sinceridade, confiança, atenção, respeito: esses são alguns dos elementos básicos no contato entre médico e paciente na hora de uma consulta. Dessa conversa surgem diagnósticos e tratamentos mais precisos.
POR STELLA GALVÃO

A importância de um bom relacionamento entre médico e paciente como base de uma consulta produtiva, do diagnóstico correto e do tratamento eficaz, vem sendo debatida ao longo de 40 anos, mas intensificou- se na última década. Uma das razões é a crítica crescente ao excesso de tecnologia na assistência à saúde, à superespecialização dos profissionais e, conseqüentemente, à perda do vínculo afetivo que caracterizava a relação daquele médico de família do passado, com perfil mais generalista e que estava próximo da figura de um amigo querido.Os elevados custos também pesam na revalorização de uma consulta mais minuciosa, que não implique em pedido obrigatório de exames ou troca constante de médico por falta de empatia. Apesar da preocupação das empresas de medicina de grupo em reduzir despesas como solicitação de procedimentos para compensar a ausência de um exame clínico apurado, o impasse decorre da estrutura massificadora dos consultórios lotados, onde médicos raramente podem dedicar tempo maior à clientela.

Mas, afinal, qual a conduta desejável do paciente quando consulta um especialista? E a do profissional? Viva Saúde conversou com os médicos Abrão Cury Jr., presidente da Regional São Paulo da Sociedade Brasileira de Clínica Médica; Yechiel Moises Chencinski, pediatra e homeopata; e Deborah Bonini, especialista em Geriatria pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e buscou respostas a essas questões sobre uma relação tão delicada.

O que define um bom relacionamento entre médico e paciente?
Atenção e respeito por parte de ambos. Mas, para que isso ocorra, é importante haver uma identificação positiva entre eles. O paciente deve encarar o médico como alguém que quer ajudá-lo. E o médico precisa entender que aquele momento é o do paciente. Quanto mais informações o profissional puder extrair do paciente - que precisa estar à vontade para falar sobre sua queixa -, mais condição terá de formular um bom diagnóstico. Também é fundamental que os dois não transgridam determinas regras. Da parte do paciente, por exemplo, não faltar à consulta sem aviso prévio e, do médico, não deixar o paciente esperando longos minutos e até horas além do horário agendado para ser atendido. Essa situação é crucial especialmente em consultórios que atendem convênios e seguros saúde. Não significa que o médico que atende apenas consultas privadas esteja livre dessas circunstâncias, e que seja mais pontual que seus colegas de convênios. A imagem ideal do relacionamento entre aquele que reúne o conhecimento para prestar assistência à saúde e o seu cliente-paciente pode refletir as relações interpessoais de um modo geral. Ninguém quer ser desrespeitado. Nem em casa, no trabalho, na vida social e tampouco no consultório médico.

Que tipo de questões o paciente deve colocar durante a consulta?
Tente esclarecer tudo. O Código de Ética Médica determina que o profissional não sonegue informações que esclareçam seu paciente sobre todos os aspectos relacionados à sua queixa, diagnóstico baseado no exame clínico, exames solicitados e o porquê de tudo. Essa postura esclarecedora é ainda mais importante no momento de orientar o tratamento. Se o paciente é lúcido e sem nenhuma dificuldade cognitiva para entender o que está ouvindo, tem o direito de aceitar ou não tanto o diagnóstico como a prescrição. Claro, com a ressalva de que a recusa dele não implique risco à vida. É preciso ainda ter clareza sobre o custo do tratamento e os benefícios, bem como os efeitos colaterais do que acabou de ser prescrito. O ideal é o paciente deixar o consultório com todas as suas dúvidas devidamente esclarecidas. Isso, com certeza, fortalece o vínculo e cria uma relação de confiança que tende a se manter ao longo do tempo.

Qual a importância de um atendimento bem conduzido para a solução definitiva do problema de saúde?
Está comprovado que várias doenças são apenas reflexos de alterações no ambiente profissional, social ou familiar do paciente. Hoje, cada vez mais, os aspectos relacionados à depressão são muito importantes na avaliação de uma determinada queixa. Os médicos que investem nesse vínculo consistente com seus pacientes sabem que muitas supostas enfermidades podem ser resolvidas apenas com uma longa e boa conversa. Mas o paciente precisa ficar à vontade para relatar o que está sentindo. Há casos em que a simples orientação para hábitos mais saudáveis de vida, incluindo alimentação, lazer e atividades físicas podem resumir a ópera da consulta. Mas, além do direito de conhecer detalhes do seu diagnóstico e tratamento, o indivíduo deve, idealmente, ter a liberdade de ligar para o médico escolhido se por ventura surgirem outras dúvidas. No caso de crianças, idosos e pessoas com doenças crônicas, esse contato pós-consulta é ainda mais valorizado.

O que o paciente precisa evitar na hora de uma consulta?
Uma "gafe" típica de consultório ocorre quando o paciente procura uma segunda ou terceira opinião sem informar o médico com quem se consultou inicialmente, caracterizando quebra de confiança na relação. Há relatos de pacientes que voltam à clinica unicamente para confrontar o especialista com a opinião de outros profissionais ouvidos, criando uma situação constrangedora. Neste caso ainda pode ocorrer de o próprio doente ser prejudicado, ao escolher ele próprio o diagnóstico que julgou mais conveniente por critérios exclusivamente pessoais.

Reunir vários dados de revistas, jornais e Internet sobre a queixa clínica ajuda ou atrapalha?
O paciente pode juntar as informações de tantas fontes quando desejar, mas cuidando sempre de ter bom senso. Apesar do grande número de publicações que abordam temas de saúde, sem falar dos programas de televisão e rádio, alguns profissionais torcem o nariz para a chamada imprensa "leiga". Não estranhe, portanto, se seu médico der de ombros para a última "novidade" publicada sobre determinado tema. Eles estão mais interessados em esclarecer se a informação tem embasamento técnico, levando em conta consensos e eventos de atualização da especialidade, últimos estudos publicados em revistas científicas de circulação internacional, etc. O médico tem o direito de afirmar-se contrário a modismos que surgem - como a hipervalorização de uma certa classe terapêutica -, e até indicar outras fontes de consulta para o paciente. De todo modo, a clássica relação de mão única, na qual apenas o médico detinha a informação, tornou-se anacrônica. O paciente está mais informado, mesmo que equivocadamente às vezes, e sua postura não é mais submissa.

O IDEAL É O MÉDICO OUVIR AS QUEIXAS DO PACIENTE, DEDICAR UM TEMPO PARA ESCLARECÊ-LAS, REALIZAR UM CUIDADOSO EXAME CLÍNICO, FAZER A PRESCRIÇÃO E DAR ORIENTAÇÕES SOBRE O TRATAMENTO

Existe o tempo ideal para a duração de uma consulta?
Esse é um ponto que divide médicos ligados a convênios e seguros saúde daqueles que se restringem à clínica privada. Estes, por atenderem menos pessoas ao longo do dia, conseguem dar atenção maior a elas. Já os que pertencem ao corpo clínico de vários convênios e recebem até 30 pacientes diariamente dedicam, a cada um, intervalos de tempos variáveis - mas raramente ultrapassam os 15 minutos. O tempo ideal, então, seria um intervalo no qual o médico conseguisse receber as dúvidas do paciente, esclarecê-las e complementar as informações, além de realizar o exame clínico, fazer a prescrição e explicar sobre o tratamento.

É possível pensar em uma consulta minuciosa em um período tão curto?
Os profissionais que atendem em sistema de convênios, o que reflete a realidade da maioria dos médicos em atividade no país, admitem que há ocasiões em que o período disponível é insuficiente. Porém, se o médico tiver formação qualificada, uma consulta rápida pode, ao menos, rastrear as enfermidades mais comuns. Depende, além de uma boa faculdade e residência médica, de boa vontade do profissional e de sua real disponibilidade durante o pouco tempo em que ele estiver com o indivíduo. É indispensável, como dizem os próprios especialistas, “colocar a mão no paciente”. Médicos que atendem apenas aqueles que pagam do próprio bolso dificilmente vão admitir que uma boa consulta, pormenorizada, possa ser realizada em tempo inferior a uma hora (a primeira consulta). Já nos consultórios de convênios, essa elasticidade alcança em média 20 minutos na primeira vez que se vêem, o médico e seu futuro paciente.

É possível não diferenciar, em termos de atenção, o paciente de convênio e o particular?
Este ponto também é bastante polêmico. O Código de Ética Médica proíbe explicitamente qualquer tipo de discriminação baseada no valor pelo qual a consulta será remunerada. Mas, na prática, os médicos cuja clientela majoritária é formada pela carteira de convênios e seguros saúde, precisam atender um número grande de pessoas por dia. O motivo está na razão direta da remuneração. A consulta de convênio rende entre 10% a 30% do valor médio cobrado pela chamada consulta particular. Enquanto isso, na clínica privada, o valor pago pela consulta resulta em número menor de atendimentos e, portanto, mais tempo dedicado ao paciente. O profissional que atende aos dois tipos de públicos deve oferecer tratamento idêntico em termos de disponibilidade de agenda e tempo de duração das consultas. O contrário disso certamente infringe os dispositivos do Código de Ética Médica.

É ético o médico alegar remuneração insuficiente do convênio para justificar o tempo dedicado ao paciente?
O profissional não deve justificar coisa alguma que possa comprometer o bom atendimento de seu paciente. O artigo 27 Código de Ética Médica trata justamente do tempo e da atenção dispensado à clientela, "evitando que o acúmulo de encargos ou de consultas prejudique o paciente".

O médico atende de maneira diferente o paciente jovem, o de meia idade ou o idoso?
Sem dúvida o idoso demanda tempo muito maior por várias razões. Ele tem limitações próprias da idade e, por isso, pode apresentar comprometimento da audição, déficits cognitivos para relatar aspectos de sua vida cotidiana e até para ouvir as perguntas do médico. Há ainda a inibição natural para se trocar antes do exame físico e, finalmente, a sessão de "desabafo". Pessoas com dificuldades na família ou que se sentem socialmente marginalizados, não raro transformam a consulta médica em uma sessão psicoterapêutica, exigindo uma atenção maior. Quando a consulta é esporádica mas programada em intervalos, como no caso de pediatras, a presença de mãe, pai, tia, avó ou outro familiar exige ainda mais jogo de cintura do especialista. O cliente é a criança, com a qual há ou não empatia, numa relação em que o médico precisa obrigatoriamente incorporar elementos lúdicos para "ganhar" o paciente. É o adulto, porém, quem fornece as informações de praxe - mas nesse caso ele é claramente coadjuvante. Certamente significa um desafio para muitos pais que entram no papel de paciente sem sê-lo naquele momento. E, para o médico, é necessário muito jogo de cintura para driblar a situação.


Este artigo foi publicado no site Viva Saúde (março/2006).

Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545