03/05/2010
Percorrer o caminho natural, do útero até o abraço da mãe, é uma viagem fascinante, saudável, milenar, que cria laços e memórias inesquecíveis
Por Deborah Trevizan, mãe de Isadora e Pietro
O Brasil é o campeão mundial em número de cesáreas. Segundo dados do Ministério da Saúde, dos cerca de três milhões de nascimentos que acontecem todos os anos, 80% dos que ocorrem na rede privada são cesáreas. Na rede pública o número é mais baixo, mas ainda continua bem elevado, em 26%. Índices muito acima daqueles recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que vai de 15% a 20% de cesáreas.
Aquilo que é natural e biológico, e que deveria ser simplesmente uma mulher trazer seus filhos ao mundo através do parto normal, não vem acontecendo entre nós. A cesárea, cirurgia inventada na Roma dos césares, daí o nome, foi criada para situações de emergência, quando o bebê não sairia de nenhuma outra maneira de dentro do útero materno a não ser através de uma incisão.
Trata-se de uma das grandes maravilhas da medicina, pois, se ela não existisse, as vidas de mãe e filho estariam em risco. Mas sua indicação deve ser criteriosa e considerada em casos raros. No Brasil, porém, seja por comodidade do médico, da mãe ou de ambos, a cesárea tornou-se uma opção, algo que mães e médicos discutem como se fosse uma possibilidade aberta a todas – e tem virado uma mania. Perigosa, a bem da verdade.
Sabemos que o parto natural não tem hora para acontecer, deixa todo mundo na expectativa, de prontidão a qualquer hora do dia ou da noite, exige paciência e um trabalho árduo até chegar à dilatação e, eventualmente, à expulsão do bebê.
Há casos em que o trabalho de parto dura 24 horas. E é um processo dolorido, como se sabe. Mas nada que não se possa suportar. Já a cesárea, que é uma cirurgia, é feita sob anestesia e com hora marcada. Dor, espera e sofrimento no trabalho de parto passam longe. Mas, se perguntarmos aos nossos obstetras, honestamente, o que é melhor para o bebê, a resposta é uma só: sem dúvida, o parto normal.
Por isso, antes de optar por uma cesariana, seja por comodidade ou por medo de sentir dor, procure buscar informações para conhecer os grandes benefícios que um parto vaginal traz, tanto para a mãe quanto para o bebê. A cesárea pode ser indicada durante o trabalho de parto. Eu passei pelas duas experiências e sei que as diferenças são muitas.
No parto natural, a sensação do corpo funcionando é deliciosa. A dor é o de menos. Estar bem para receber seu bebê, sem precisar ser submetida a cortes profundos e sem, ou com o mínimo possível, de anestesia, faz toda a diferença. Na minha primeira gestação houve uma parada na progressão do trabalho de parto, pois o bebê estava alto, ou seja, sua cabeça não havia encaixado na minha bacia. Desta forma, não há dilatação suficiente para o bebê sair. A equipe médica decidiu, na hora, pela cesárea.
Na segunda, o andamento foi bem parecido e, mesmo tendo sido um longo trabalho de parto, que durou quase 24 horas, consegui ter o parto vaginal, sendo protagonista, na maior parte do tempo, desse momento tão especial. E posso garantir: foi o momentos mais maravilhoso da minha vida.
Foi justamente sua insatisfação com duas cesáreas que fez com que Maria Fernanda Duarte, mãe de Letícia e Gabriela, procurasse um médico para fazer seu parto, de forma natural, na terceira gravidez. Apesar de duas cesáreas prévias, ela insistiu em tentar um parto vaginal, e o médico lhe deu todo o apoio.
Maria Clara nasceu exatamente como ela sonhava e, pela primeira vez, ela pôde usufruir das vantagens de um parto vaginal: amamentação imediata, assim que o bebê vem à luz; recuperação muito rápida, tanto da mãe quanto do filho; volta da mãe às atividades cotidianas (até antes de 15 dias); além da tão desejada perda de peso mais acelerada. No caso de Maria Fernanda, a primeira indicação de cesárea foi por conta de uma restrição no crescimento do bebê e pelo aumento da pressão arterial da mãe, que poderia provocar uma pré-eclâmpsia, estado que pode provocar a morte da mãe e do bebê se não for tratado a tempo.
Se a pressão subir demais, a mulher pode ter convulsões e entrar em coma. Em casos extremos, ocorrem hemorragias vaginais e a diminuição dos movimentos do bebê, que entra em sofrimento.
Uma boa maneira de evitar o problema é fazer um pré-natal rigoroso, com exames de urina freqüentes, pois um segundo sintoma da eclâmpsia é a proteinúria, presença de proteína na urina da mãe. Na segunda gravidez, houve um pequeno acidente: a bolsa que contém o líquido amniótico se rompeu antes do trabalho de parto. E após doze horas convém induzir o parto porque pode haver contaminação do bebê. Se o parto não ocorre de forma natural, o bebê precisa ser retirado, através de uma cesárea, em 24 horas.
Nos dois casos, a cesárea era indicada, mas a mãe ficou ansiosa: "No parto da minha primeira filha, eu tinha a impressão de que ainda não era o momento certo de ela nascer. Foi angustiante, eu torcia para que ela desse um sinal de que estava na hora dela", lembra Maria Fernanda.
A obstetra e mestre pela USP Cátia Chuba, mãe de Gustavo e Beatriz, também teve seu primeiro filho numa cesárea e o segundo, num parto domiciliar. Ela vivenciou as vantagens e desvantagens de ambas as opções. A cesárea foi indicada pela diminuição do líquido amniótico, aquele que envolve o bebê dentro do útero, e pela possibilidade de o cordão umbilical estar enrolado no bebê.
Na segunda gravidez, Cátia decidiu por um parto natural e ficou intencionalmente longe de um hospital e de mais uma cesárea. E não se arrependeu: "As mulheres têm de perceber que a cesárea é uma cirurgia de médio porte e que envolve vários riscos, desde os efeitos colaterais dos anestésicos até infecção, hematomas e hemorragias". Hoje, a dra. Cátia se dedica à assistência de partos naturais, usando, além da experiência de sua prática médica, sua vivência de um parto vaginal.
Parto natural é melhor para todo mundo
O parto normal dá à mulher, além da recuperação mais rápida, uma disponibilidade maior para cuidar do bebê, além de aumentar as chances de uma boa amamentação.
De acordo com o dr. Jorge Kuhn, pai de Clara, Renata e Otávio, há outras vantagens: "Durante o trabalho de parto, um coquetel de substâncias é produzido e liberado pelo corpo da mãe e passa para o bebê". Entre estas substâncias estão a ocitocina, que estimula as contrações; a prolactina, que será essencial na produção de leite; as beta-endorfinas, que aliviam a dor; e o cortisol, importante no amadurecimento dos pulmões do bebê. Na fase final do parto começa a ser produzida a adrenalina, que dá um ânimo extra à mãe e ao bebê no momento da expulsão.
Para os bebês, além dos benefícios do coquetel citado acima, o principal benefício é que, ao passar pelo canal de parto (a vagina dilatada e pulsante), o bebê é submetido a uma massagem feita naturalmente nos pulmões – que faz com que o líquido amniótico inspirado seja eliminado.
De acordo com o pediatra Yechiel Moises Chencinski, pai de Renato e Danilo, num parto vaginal sem nenhum problema, ou intercorrência, a transição do útero para os braços da mãe é vista como uma linha contínua entre a vida intra e extra-uterina. "O bebê colocado no colo da mãe após o parto reconhece os batimentos cardíacos e a voz materna, sente seu calor, seu cheiro; isso o mantém seguro e mais calmo", afirma o especialista.
O obstetra Abner Lobão, da Universidade Federal de São Paulo, pai de Artur, comenta que a nomenclatura já mostra a diferença: um parto é natural e fisiológico; a cesárea é uma cirurgia. Há sempre o risco de um parto "agendado" trazer ao mundo um bebê antes da hora. "Numa cesárea, é maior a probabilidade de nascimento de prematuros, com todas as complicações associadas. E mesmo quando dois bebês nascem no tempo certo (cerca de 40 semanas), o do parto normal tem melhor desempenho no berçário do que o nascido de cesárea".
Algumas indicações que podem ser "discutíveis" para a cesárea
Falta de dilatação: se a mulher não tem dilatação não está em trabalho de parto e ainda não está na hora de o bebê nascer.
Bebê grande, bacia estreita: a prova de que o bebê não vai passar pela bacia é o trabalho de parto. O crânio do bebê se molda para encaixar no espaço interno da bacia materna, cuja dimensão exata se define no trabalho de parto. "O que provoca desproporção entre o bebê e a mãe não é o tamanho do bebê, mas a posição da cabeça em relação aos diâmetros internos da pelve", diz Ana Cristina Duarte, mãe de Júlia e Henrique. Ela trabalha como doula, uma espécie de acompanhante de parto.
Circular de cordão: o risco de uma ou mais circulares de cordão é menor do que o deuma cesárea e pode ser prevenido por um monitoramento dos batimentos cardíacos do bebê, até durante o trabalho de parto.
Cesárea prévia: se uma mulher teve o primeiro filho numa cesárea, recomenda-se tentar parto normal no segundo. Depois de duas, a decisão é da mãe e de seu médico, pois há casos de partos normais até após três cesáreas.
Bolsa rota: depois de rompida a bolsa, há médicos que esperam só até seis horas para fazer uma cesárea. Fora daqui os limites vão de 24 até 72 horas para induzir o trabalho de parto, antes da cesárea.
Gestação que "passa do tempo": uma gestação "a termo" vai de 37 a 42 semanas. Na 42ª semana ainda é possível induzir o parto natural antes de ir para a cesárea.
Gravidez de gêmeos: se o primeiro bebê estiver em apresentação cefálica, com a cabeça para baixo, é possível o parto normal.
Bebês prematuros: fora casos de prematuridade extrema, o parto normal é preferencial. O dr. Nelson Sass, da Unifesp e da maternidade Escola Vila Nova Cachoeirinha (pai de Renato e Renan), diz que, no parto prematuro, bebês em apresentação pélvica ou sentados têm mais risco de trauma no parto vaginal do que na cesárea. "Mas, em apresentação cefálica, não há razões para a cirurgia", garante.
Presença de mecônio: a presença de mecônio (sinal de fezes do bebê no líquido amniótico), sem outros sintomas, não é uma indicação de cesárea.
Pressão alta: em conjunto com outros sintomas, indica se há risco de pré-eclâmpsia. Ainda assim, a indução do parto deve ser tentada antes da cesárea.
Sofrimento fetal: é diagnosticado pelo padrão dos batimentos cardíacos do bebê. Durante as contrações, as variações são normais. Medidas simples, como alimentar a mãe e mudá-la de posição, podem ajudar. A queda dos batimentos cardíacos fora do tempo das contrações pode ser motivo de uma avaliação mais atenta. Há casos de médicos que não avaliam direito essas variações e indicam cesáreas de urgência sem necessidade.
Redução do líquido amniótico: apenas a diminuição do líquido, sem uma razão clínica detectada, não é motivo para cesárea. Como em outros casos, as condições fetais devem ser avaliadas.
Consultoria:
Abner Lobão Neto, obstetra, abnerlobao@dr.com, tel.: (11) 5083-3220.
Ana Cristina Duarte, doula, duarte00@osite.com.br, www.maternidadeativa.com.br.
Catia Chuba, obstetra, catia.chuba@gmail.com.
Jorge Kuhn, obstetra, jorge.toco@epm.br, tel.: (11) 5579-1051.
Nelson Sass, obstetra, nelsonsa.alp@terra.com.br.
Yechiel Moises Chencinski, pediatra e homeopata, www.doutormoises.com.br.
Essa matéria foi publicada na Revista Pais e Filhos nº 465 (edição de dezembro) e no site PAIS & FILHOS na internet (28/11/2008), no site Doula & Fisioterapia em Saúde da Mulher (15/12/2008), no site Mamíferas: mãe, mulher e tudo mais (18/12/2008)
Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545