06/02/2011
É horrível ver seu filho sofrer de dor na cabeça, principalmente se ele não entende o que está acontecendo. Então, você dá um analgésico e tudo fica bem. Quando o quadro se repete outras vezes, seu medo aumenta: "Será o sintoma de um tumor ou de algo pior?" Mesmo sabendo que os problemas graves são minoria, você nem pensa em enxaqueca. Pois deveria. A doença atinge 5% das crianças brasileiras com idade até 8 anos e a frequência dessas crises vem aumentando. A culpa é dos novos (e maus) hábitos de vida, como alimentação ruim, sono desregulado e até estresse.
O mais difícil, porém, é distinguir uma simples dor de cabeça de uma enxaqueca. Existem mais de 150 tipos de dor de cabeça, que também é um sintoma comum de outros problemas como mudanças metabólicas, contaminações tóxicas e doenças infecciosas. Além de tudo, sua origem está ligada às alterações bioquímicas cerebrais, algumas genéticas.
Pode-se dizer que a diferença básica está na frequência com que as crises ocorrem: as cefaleias primárias, como a enxaqueca, se repetem com regularidade. Na maioria das vezes, a dor é unilateral, latejante, forte e se acentua com os esforços físicos. Em algumas pessoas, as crises podem ser desencadeadas por fatores como emoção, alimentos, mudanças no horário de sono ou calor excessivo.
Só pelo Ambulatório de Cefaleia, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), passam cerca de 80 crianças por mês. Todas com a mesma queixa de crises recorrentes. A doença sempre existiu, mas nem sempre os pais a levam a sério. Alguns acham que a criança só quer chamar atenção ou imitar o comportamento dos adultos e vários casos não chegam aos especialistas. Por isso, a estatística de enxaqueca infantil pode ainda estar subestimada.
Os mecanismos exatos que ocorrem durante uma crise de enxaqueca não são totalmente conhecidos, apesar de estudos realizados todos os anos. A doença é tida pela Organização Mundial da Saúde como uma das dez mais debilitantes do mundo. Costuma causar enjoos, vômitos, intolerância à luz, aos ruídos e até a cheiros. A criança fica apática, para de brincar, muda de humor e, muitas vezes, perde aula. Acredita-se que o componente genético esteja presente em 90% daqueles que têm parentes de primeiro grau com o mesmo problema, mas o gene responsável não foi identificado.
Sandra Helena Cuneo, 38 anos, lembra que sua primeira crise foi na adolescência, mas, quando a filha Monique, então com 2 anos, começou a reclamar de dor, não imaginou que a caçula de suas duas meninas sofresse da mesma doença. "Era tão novinha. Eu e meu marido a levamos para fazer raio X e ver ser era sinusite. Foram realizados ainda ressonância, tomografia... e nada. Passaram-se quase dois anos de pesquisas até minha neurologista pedir para examiná-la. O diagnóstico foi mesmo enxaqueca", diz. O tratamento com remédios durou seis meses, com doses diárias. Durante esse período, as crises desapareceram e, mesmo com a diminuição da dosagem, as dores passaram a ser esporádicas e menos intensas.
ESQUEÇA OS ANALGÉSICOS
Lógico que manter a tranquilidade vendo a cara de sofrimento de um filho não é fácil. Diante da cena, dá vontade de pegar logo um remédio. Os médicos alertam que isso funciona como um mero paliativo e, se usado de forma excessiva, pode deixar de fazer efeito. Além disso, a automedicação é perigosa mesmo em uma situação aparentemente inocente, como uma dor de cabeça. A enxaqueca não é uma doenca maligna, mas quem deve dar o diagnóstico e o tratamento é o médico. O que se pode e deve fazer é observar se a dor vem seguida de outros sintomas, como febre, vômitos, visão dupla e perda de força, que possivelmente indicam algo mais sério.
Esses casos graves são raros e o mais comum são as enxaquecas que costumam aparecer entre os 6 e 7 anos, embora não exista uma idade mínima. Nas crianças é mais difícil reconhecer o problema, mas mudanças de comportamento e demonstrações de irritabilidade do nada são boas pistas. O pediatra deve lidar com o quadro descartando inicialmente as causas clínicas até chegar a um diagnóstico. Uma ideia é que os pais mantenham um diário, anotando a frequência das dores de cabeça, a intensidade e a duração, além dos fatores que podem ter desencadeado a crise. Outros sintomas, como uma dor abdominal ou nas pernas e até vertigens, sem estarem acompanhados de dor na cabeça, também devem ser levados ao médico. Quanto mais dados, melhor.
Uma outra descoberta recente associa, ainda, a dor de cabeça à violência doméstica. O estudo, divulgado em junho durante o American Headache Society’s Annual Scientific Meeting, nos Estados Unidos, contou com o apoio do Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Eles analisaram o histórico familiar de 17 mil pessoas na infância e perceberam uma propensão crescente à doença naqueles que vivenciariam algum tipo de maus-tratos, seja físico ou emocional, como abuso sexual ou um divórcio repleto de brigas, mágoas e disputas. Assim, a sugestão dos cientistas é de que as relações familiares também sejam conhecidas e analisadas pelos médicos no momento da consulta.
Infelizmente, a enxaqueca não tem cura. Mas há tratamentos que melhoram a qualidade de vida, diminuindo a frequência das crises e a intensidade. São usados medicamentos do grupo de bloqueadores de canais de cálcio, betabloqueadores, antidepressivos e antiepiléticos, em um período mínimo de seis meses. O tratamento leva em conta a história de cada um. Muitas vezes, é necessário modificar o tipo de alimento consumido, pois, alguns deles, como a salsicha, o shoyu, os queijos amarelos e o chocolate, podem desencadear uma crise. O que não quer dizer que todo mundo que tenha enxaqueca precisa deixar de comer esses alimentos.
Fontes: Marcelo Masruha Rodrigues, neuropediatra e professor adjunto do Setor de Neurologia Infantil da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp); Yechiel Moises Chencinski, pediatra e autor dos livros Homeopatia mais simples do que parece e Gerar e Nascer, um canto de amor e aconchego; e Marcelo Ciciarelli, neurologista e diretor da Sociedade Brasileira de Cefaleia
Essa matéria foi publicada na Revista Crescer - edição nº 206 (janeiro/2011), no site Salvem as nossas crianças (27/01/2011).
Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545