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Problemas com o xixi? Pode ser uma infecção urinária

03/09/2011

O que fazer quando meu filho volta a urinar fora de hora?

Seu filho já controlava a urina, dia e noite. Mas de repente, a cama amanhece molhada. O que está acontecendo? Ele já se segurava e não usa fraldas há algum tempo! Será que ele voltou a perder o controle e isso vai voltar a acontecer com frequência? Muita calma nessa hora.

Esse evento pode surgir a partir de algumas possíveis causas: emocional, um dia agitado demais ou até uma infecção urinária. Entre as possíveis razões citadas, antes de mudar os hábitos da casa e começar uma caça às bruxas, buscando um "culpado" pela situação, há um importantíssimo diagnóstico médico a ser observado: a infecção do trato urinário (ITU).

Quanto menor a criança, mais inespecíficos podem ser os sintomas. Em recém-nascidos e lactentes, muitas vezes um ganho de peso inadequado ou uma febre sem explicação podem levar o pediatra que acompanha a criança a suspeitar desse quadro. Mas atenção: Nem toda infecção urinária significa febre e vice-versa. Quem deve definir a conduta a ser seguida é o médico (normalmente o pediatra).

O nosso sistema urinário sabe como se proteger contra infecções. Há duas formas de alguém adquirir uma infecção do trato urinário (ITU). Uma delas, bem mais rara, ocorre em quadros de infecções generalizadas (septicemia), nos quais a ITU é um dos muitos problemas que esse paciente pode apresentar. Assim, estaremos diante de um quadro grave, de diagnóstico feito de forma mais facilitada (apesar de o tratamento não ser tão simples).

O caminho mais comum para contrair uma ITU é o ascendente, ou seja, a bactéria vem de fora e sobe pelo canal da urina (a uretra), até atingir a bexiga, podendo subir pelos ureteres (normalmente dois) e chegar até os rins, provocando quadros graves de infecção aguda (pielonefrites), ou até insuficiência renal.

Em crianças, as bactérias mais responsáveis pela infecção de urina são a Escherichia coli (em meninas) e o Proteus mirabilis (em meninos, normalmente pela colonização do prepúcio, aquele da fimose). Todos os bebês evacuam nas fraldas e as fezes, que possuem essas bactérias, entram em contato com a vagina, pênis e a uretra.

Se não houvesse proteção, todos os bebês teriam ITU, mas isso não acontece. Existe um mecanismo que impede a "subida" dessas bactérias até a bexiga e os rins. Assim, quando acontece uma ITU, algum desses mecanismos pode ter falhado (ou podemos estar diante de algum problema anatômico que favoreça a infecção). Por isso, a precisão e a precocidade desse diagnóstico podem determinar a conduta mais adequada a ser tomada em cada caso.

A ITU não deve ser supervalorizada, nem negligenciada.

Os sintomas mais tradicionais de Infecção de Trato Urinário - ITU - são febre, dor ou ardor para urinar, hematúria (sangue na urina) visível (macroscópica) ou não visível a olho nu (microscópica). Mas, em crianças pequenas, isso não é tão claro assim. Por muitas vezes, apenas a perda de apetite, mudanças de humor, evolução de peso inadequada e febre sem causa aparente podem apontar para a necessidade de uma investigação.

O exame laboratorial que dá o diagnóstico de ITU é o de urina, composto de duas partes. A urina tipo 1, colhida e analisada de forma mais rápida, que pode indicar a presença de leucócitos (glóbulos brancos) e/ou hemácias (glóbulos vermelhos) na urina. Esse é um exame de execução rápida e apenas indica a possibilidade de infecção. Mesmo assim, esse exame pode aparecer alterado em outros quadros como febre, vulvovaginite (corrimento), balanopostite (inflamação no prepúcio), virose (olha ela aí de novo), reação pós-vacinal, gastroenterocolite (diarréia), desidratação, entre outros.

Mas mesmo com esse exame alterado, não há certeza desse diagnóstico. Para a confirmação, é necessária a realização da urocultura, que indicará se existe uma infecção, qual a bactéria responsável e a que antibióticos ela é sensível (antibiograma). Para que esse diagnóstico seja confiável, a coleta deve seguir sérios critérios para que não haja uma contaminação.

Deve-se proceder a uma assepsia (higiene) adequada, no laboratório ou no hospital (nunca em casa). Se a criança não consegue ainda controlar a urina, a forma mais simples de colher esse exames é através da utilização do saco coletor plástico (SCP), com troca a cada 20 a 30 minutos e, caso não haja diurese, fazer nova assepsia. Essa técnica é pouco confiável, mesmo com técnica correta (85% dos casos são falsos positivos), mas o resultado negativo torna o ITU muito pouco provável. Assim nesses casos, utilizam-se outros dois possíveis métodos: coleta através de sondagem vesical (o mais adequado, hoje em dia) ou de punção suprapúbica.

Em crianças que já controlam a urina, o método de escolha deve ser o jato intermediário ou jato médio (a não ser que haja corrimento ou inflamação do prepúcio). Após a assepsia, pede-se que o paciente elimine o jato inicial de urina e segure, por duas vezes. O jato final deve ser desprezado também, não sendo utilizado para o exame. Assim, se o resultado desse exame for positivo, considera-se confiável o diagnóstico de infecção do trato urinário e o tratamento a ser instituído.

E aí acabou? Ainda não. A importância do diagnóstico adequado reside no tratamento de forma criteriosa e pesquisa para elucidar se existe alguma causa que possa justificar a falha nos mecanismos de proteção. Por isso, existe a necessidade de investigação laboratorial e de imagem específicos. Alguns podem ser mais invasivos e incômodos, para dar continuidade ao tratamento clínico e até cirúrgico.

A ITU é uma das infecções mais comuns na pediatria e pode indicar a presença de alteração congênita (desde o nascimento) em 30-50% dos casos. Se o diagnóstico e tratamento não forem feitos a tempo, essas crianças podem evoluir com perda progressiva da função renal, hipertensão arterial, insuficiência renal crônica e até necessidade de diálise e transplante renal.

Para finalizar, vale lembrar o básico: consulte sempre seu médico de confiança. Não automedique nem "autodesmedique" seus filhos. Um quadro que pode parecer inicialmente simples, se não for diagnosticado e tratado de forma adequada, pode trazer sérias consequências à saúde e comprometer o futuro da criança.


Essa matéria foi publicada na Materlife nº 81 e na revista digital páginas 42 e 44 (agosto/2011).

Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545