30/06/2012
Esse material foi a base da minha participação na matéria publicada no UOL(30/06/2012) a respeito do filho único. Como ficou interessante (sou suspeito, mas acho que ficou bom), passo a vocês para conhecimento.
Estigma
Vamos ao dicionário?
Cicatriz, marca, sinal.
Aquilo que marca, que assinala
As marcas das 5 Chagas de Cristo.
Uma das definições de estigma é a que diz que é cada um dos cinco sinais que aparecem no corpo, nos mesmos pontos onde ocorreu a crucificação de Jesus Cristo, isto é, pés, punhos e tórax. Reproduzem as cinco chagas de Jesus.
Sem entrar no mérito religioso, há vários estudos e muitas indicações de que não exista nenhum fundamento científico para a ocorrência dos estigmas, mas que eles marcam definitivamente alguém ou alguma situação.
Assim é o estigma a respeito do filho único, como se houvesse algum determinismo que marcasse a vida desse "ser diferente" para sempre. E muitas vezes o filho único não é necessariamente o único filho. Por exemplo, ele pode ser o único menino no meio das irmãs ou o contrário. Ou então, pode ser aquele filho que nasceu muito tempo após o último parto, quando ninguém mais esperava, o chamado "temporão".
As bases culturais e sociais se transformam, o mundo evolui e isso traz consigo mudança de parâmetros. O que há séculos era considerado ruim passa a ser indiferente e de repente se transforma em exemplo.
O ovo já foi alimento completo, rico em ferro, já passou a ser vilão, pelo risco de problemas com colesterol, foi "absolvido dessa acusação" e hoje é um dos responsáveis por alergias alimentares na infância, mesmo tendo suas características alimentares reconhecidas.
Assim, talvez por uma necessidade de uma regulamentação e normatização, os filhos únicos também já foram vítimas desses estigmas.
E quanto mais procuramos ler ou pesquisar sobre o assunto nos dias de hoje, conseguimos observar e concluir que não há um padrão comum de filho único e que há inúmeras variáveis que podem determinar os tipos de comportamento resultantes desse indivíduo.
Num passado não tão distante, as famílias costumavam ser numerosas e a ocorrência de um único filho em uma família não era bem vista e até caracterizada como problema. Por uma série de fatores (econômicos, culturais, sociais, orgânicos, entre outros) podemos observar uma redução do tamanho da família.
Entre 1872 e 2010 (138 anos) a população no Brasil aumentou cerca de 10 para 190 milhões (quase 20 vezes). Nesse período, foi na década de 50 que ocorreu o maior índice de crescimento populacional (3% ao ano) pelo declínio da mortalidade após a Segunda Guerra Mundial e manutenção de altos índices de natalidade que começam a cair na década de 60 com pico de declínio na década de 1980.
Entre 2.000 e 2.010 ocorreu a menor taxa de crescimento populacional no Brasil (1,17%) e essa tendência pode ser demonstrada, por exemplo, pelo fato de nos anos 90 1 em cada 10 mães terem apenas um filho e agora esse índice está perto de 3 para cada 10 mulheres.
Assim, a tendência de famílias menos numerosas por diversas razões fazem aflorar um novo grupo de crianças, com algumas características próprias, de causas multifatoriais (sociais, econômicas, culturais, psicológicas, por exemplo).
Em 1896, com a publicação de seu livro "Of Peculiar and Exceptional Children", o psicólogo americano Granville Stanley Hall influenciou gerações de pesquisadores até há bem pouco tempo com suas ideias sobre a pouca sociabilidade e superproteção dos filhos únicos.
Esse livro corroborava a ideia de que ser filho único, apesar de não ser doença, determinava propensão a um determinado tipo de comportamento: fragilidade, timidez, tirania com os familiares, dificuldade de adaptação na sociedade, rebeldia, entre outros.
A convivência apenas com adultos poderia levar a um amadurecimento intelectual mais precoce, com ideias e vocabulário muito além da sua idade o que por sua vez dificultaria sua adaptação em um grupo de mesma faixa etária, até pela não aceitação do próprio grupo.
Porém, trabalhos recentes como o que foi feito pela universidade de Essex, na Grã Bretanha, coordenada por Mas Gundi Knies, com mais de 100.000 pessoas, já demonstram uma nova tendência: filhos únicos são mais felizes do que os que têm irmãos.
Entre as principais razões para essa mudança estariam a não necessidade de batalhar pela atenção dos pais (diminuindo a ansiedade), a ausência da pressão de irmãos mais velhos (bullying), o investimento mais intenso em sua educação, visto que os custos passam a ser melhores do que se existissem outros filhos.
Como um número cada vez maior de mães agora trabalha fora, a atenção dos pais passa a não ser exclusiva sobre o filho e ele já é obrigado a aprender a dividir. Além disso, ele passa a frequentar as creches e berçários antes do que era antigamente (dos 6 para até menos de 1 ano de idade) e aprende a conviver com crianças de sua mesma faixa de idade.
Com isso, através das análises atuais, o filho único passa a ter mais qualidades do que defeitos, sob o ponto de vista de nossa época. O que antes era considerado egoísmo, hoje é visto com independência e autonomia.
E, principalmente, abre-se a visão sobre o que influencia a criação dos filhos que não é, basicamente, o fato de ele ser único ou não e sim a sua forma de criação envolvida nas questões culturais e sociais que o cercam.
Considera-se hoje que dependendo da criação e educação, pode não haver diferenças significativas no desenvolvimento de uma criança, filho único ou não. Isso porque as crianças são submetidas aos mesmos estímulos, quer sejam em uma família pequena ou muito maior. Segundo estudos hoje temos cerca de 25% das famílias com filhos únicos, quer seja por motivações profissionais (a mulher pode trabalhar mais, fora de casa, em empregos), separações (limitando a possibilidade de mais um filho na família), econômicas (os gastos diminuem sensivelmente), emocionais (com maior atenção a esse filho do que tivessem mas de um).
Assim sendo, não mudaram os filhos únicos e sim o mundo que os cerca.
Então as teóricas vantagens podem se transformar em desvantagens, dependendo de como elas são "usadas" ou "vividas".
Ser o centro das atenções, receber todos os cuidados e ser o portador de todas as esperanças da família pode ter seu lado bom, se as metas são atingidas, ou ruim se houver qualquer tipo de percalço que interfira nesse sucesso.
Esse resultado final poderá depender de como os pais encaram essa relação e do tipo de empenho e expectativas que depositam nela. A educação de um filho único pode ser mais complexa ou mais simples do que a de irmãos em uma família mais numerosa.
Em alguns casos, o excesso de atenção pode gerar mais segurança para essa criança e em outras situações, mais cobranças. Os limites dos pais na interferência pode não ser muito claro, por exemplo, em querer facilitar a vida desse filho, dificultando, por exemplo, que ele tenha iniciativas, especialmente se o temperamento dessa criança for mais acomodado ou mais tímido.
Proteção é importante. Suporte é fundamental. Amor, carinho e atenção indispensáveis. Esse conjunto formará um vínculo adequado. O excesso ou a falta de algum desses ingredientes promoverá desequilíbrio, quer seja em filhos únicos, quer seja em um membro de uma prole numerosa.
É importante estar atentos aos sinais que toda criança passa, mesmo através do silêncio.
A grande vantagem nos dias de hoje é fazer parte de uma família acolhedora, compreensiva, adequada aos valores da sociedade atual, flexível o suficiente para se adaptar ás mudanças, mas estável o suficiente para garantir a segurança que cada filho precisa para crescer e se transformar em um cidadão, independente do número de pessoas que compõem essa família.
Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545