09/09/2012
Até duas ou três gerações, o filho único sofria uma espécie de estigma social que traçava toda a sua vida. Esperava-se dele que fosse uma criança tímida, mimada, egoísta e, por vezes, antissocial. Esse estereótipo vem de longa data, da publicação em 1896, pelo psicólogo americano Granville Stanley Hall do livro Of Peculiar and Exceptional Children.
Trabalhos mais recentes demostram uma nova tendência. Acreditava-se que, por ter apenas um filho, os pais iriam superprotegê-los de um lado e cerceá-los de outro, o que poderia causar desajustamentos. Na verdade, os pais podem ser indulgentes, permissivos e superprotetores demais seja qual for o tamanho da prole.
Também havia a falsa idéia de que o filho único é mais solitário. Mas como atualmente as mães trabalham fora, a atenção dos pais não é mais exclusiva para os filhos e ele é obrigado, desde cedo, a dividir, afirma o pediatra Moises Chencinski. Além disso, cada vez mais os pais prezam seus interesses pessoais. Como o filho único precisa dividir seus pais com outras prioridades da vida deles, ele já não é tão soberano assim, afirma a psicanalista Diana Corso, que considera que a experiência da solidão pode ser positiva.
Além disso as crianças, que só ingressavam na escola aos seis anos, hoje comumente frequentam creches e berçários com menos de um ano, desenvolvendo uma rede social mais ampla e exercitando independência, auto suficiência e autonomia. Mas é longe das salas de aula que as atitudes dos pais vão determinar se vai haver espaço para egoísmo, narcisismo etc. Os pais de um filho único deverão ficar atentos para não lhe dar a falsa ilusão de ser o centro das atenções, pois no mundo externo ele será apenas mais um.
As mudanças sociais e econômicas estão deixando a família brasileira cada vez mais enxuta e as crianças sem irmãos estão se tornando regra, principalmente nos grandes centros urbanos. A boa notícia é que o patinho feio virou cisne: especialistas afirmam que reinar soberano entre pai e mãe não torna a pessoa necessariamente complicada. Ao contrário, tende a garantir adultos mais bem formados e inteligentes.
E o que estaria levando a essa tendência? Segundo a pesquisadora Judith Blake, devido à possibilidade de concentração de investimento financeiro e emocional no único filho, este tem melhor desempenho escolar e se torna um adulto mais bem-sucedido profissionalmente do que a criança criada em famílias numerosas.
A problemática do filho único foi bem ilustrada no encantador filme O Pequeno Nicolau, do diretor Laurent Tirard, que conta a história de um garoto da década de 1950, supermimado pela mãe e que imagina que ela está grávida, ameaçando seu reinado. Na escola, quando um dos colegas ganha um irmãozinho, o sentimento de pena é generalizado: ele agora vai ser relegado e vai deixar de ser o centro das atenções.
Nicolau desconfia que a mãe está grávida porque seu pai coloca o lixo para fora de casa como contou o colega que fez o seu pai. Ele e seus colegas ficam imaginando maneiras de se livrar do bebê que ainda não nasceu, pois ele tem medo de ser abandonado na floresta, como na história do Pequeno Polegar.
O grupo de colegas planeja contratar um gangster para sequestrar o bebê e ligam para um Francisco Caolho, que nem é assassino, é mecânico de automóveis e pede 500 francos pelo serviço. Eles fazem uma liga e tentam de várias maneiras arrecadar o dinheiro.
Finalmente, reencontram o colega Joaquim, que acabou de ganhar um irmãozinho e o vêm, para seu espanto, feliz da vida. Ele diz que ter um irmão tem suas vantagens e que logo vai poder dar ordens a ele!
E agora é o próprio Nicolau quem quer ter um irmão, deixar de ser filho único e pede aos pais que façam a sua vontade. Enfim, a novidade, a mãe está grávida e nasce, para decepção de Nicolau, uma menina. Ele se ressente de que ela não vai poder jogar futebol com ele, vai querer brincar de boneca, enfim, não vão compartilhar das mesmas afinidades.
Ele diz à família reunida em volta da menina, toda babando:"ela é vermelha e toda enrugada, cheia de dobras, parece que tem quatro bundas". Todos caem na risada. Apesar de, no início do filme, Nicolau ser o único menino que não sabia o que queria ser quando crescesse, agora ele sabe:"-quero fazer as pessoas rirem".
Essa matéria foi publicada no site SOS Pesquisa e Rorschach (06/09/2012).
Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545