18/10/2012
Nos últimos dois meses, tive a oportunidade de ler, entre outros, dois textos que se referem a problemas que temos enfrentado diariamente na área de saúde, já há bastante tempo e que se fossem apenas escritos por mim, poderiam parecer uma crítica sem muito sentido. Mas, partindo de quem partiram, aproveito o aval e vou agregá-los a essa minha reflexão.
O primeiro deles foi publicado em 29/08/2012 no site da Associação Médica Brasileira (AMB) e assinado por JOSÉ BONAMIGO (clínico e hematologista - tesoureiro da AMB) e FLORENTINO CARDOSO (cirurgião oncológico - presidente da AMB) com o título de A qualidade dos médicos no Brasil.
Os autores iniciam o texto com as seguintes afirmações:
"A formação aqui é péssima. Não existe, em muitos cursos, nem treinamento prático adequado."
"O Brasil é medalhista no número de escolas médicas. Temos a medalha de prata, com 196 escolas em atividade. Perdemos apenas para a Índia. China e EUA, países com população bastante superior - e, no caso dos EUA, muito mais rico - contam com 150 e 137 escolas médicas cada."
"Muitos cursos, inclusive de instituições públicas, abrem sem hospital-escola ou mesmo uma rede básica de ambulatórios para o treinamento prático."
Além dessas colocações, os autores enumeram várias razões para justificar suas afirmações, tais como o grande afluxo de médicos estrangeiros ao Brasil, o grande número de médicos brasileiros formados em outros países da América do Sul (cerca de 25.000), em escolas de qualidade questionável, que voltam ao país para exercer a medicina aqui. Esses médicos precisam passar por uma prova básica, que avalia a capacidade de diagnóstico e tratamento de doenças frequentes, para revalidarem seus diplomas aqui no Brasil. Em sua primeira edição (2.010), de 517 inscritos foram aprovados somente 2 (isso mesmo, dois) candidatos. Em 2.011, entre 677 inscritos, apenas 65 (9,6%) foram aprovados.
E concluem seu texto afirmando que:
"Não existem duas medicinas. Os que defendem a abertura indiscriminada de faculdades com o argumento de ampliar o acesso da população aos médicos, ou como ouvimos frequentemente para "formar médicos para o SUS", são os responsáveis pela precarização da saúde dos brasileiros e pelo desperdício dos insuficientes recursos que nosso sistema de saúde dispõe.
Está instalado o SUS pobre de resolubilidade para os mais carentes. Enquanto isso, os políticos vão se consultar nos hospitais privados e nos grandes hospitais públicos universitários, onde só entra médico com título de especialista."
Chocante não é mesmo?
Outro texto publicado no jornal Folha de São Paulo, na sessão Opinião, de 09/09/2012, com o título Médicos que não querem conversa, da autoria de LUIZ ROBERTO LONDRES (71 anos, médico e mestre em filosofia pela PUC-RJ, presidente da Clínica São Vicente, no Rio de Janeiro), atesta outra das questões com a qual nos deparamos com frequência cada vez maior em nosso dia-a-dia de atendimento (especialmente em consultórios e prontos-socorros): o "novo modelo de consulta médica".
Nesse artigo, o autor conta um pouco de sua história médica, comparando-a com o estágio da medicina atual, citando a importância da conversa durante a consulta, da escuta, da empatia e da relação médico-paciente que, por muitas vezes é suficiente para amenizar ou até resolver os problemas de saúde de quem nos procura.
"Na medicina atual, aos poucos a pessoa foi reduzida à condição de doente. Não mais interessava sua vida, história, personalidade ou situação psicológica e social, apenas os sintomas no momento da consulta. A anamnese, entrevista inicial com o paciente, passou a se limitar aos dados da doença apresentada. A alteração biológica passa a ser tudo."
"Na medicina atual, não se leva em conta características específicas de cada paciente, que podem determinar se o tratamento indicado deve ser administrado."
"Médicos se sentem oprimidos em relação ao tempo que podem dispensar a uma consulta e perderam o espírito crítico em relação ao valor da anamnese --que, segundo Howard Barrows, da Universidade de Southern Illinois, dá ao bom médico 90% de chance de diagnóstico certo."
"Deixamos de lado os princípios médicos para atender volume... Médicos não têm de atender filas, têm de atender pacientes."
"Na nossa época de estudantes, aprendíamos que exames serviam para confirmar ou não o diagnóstico e quantificar alguns parâmetros. Hoje, isso foi esquecido."
"Com esse reducionismo, o médico é cada vez mais dispensável, podendo ser substituído por computadores."
Assim, vale reforçar que a clínica é sempre soberana, que os exames deveriam ser complementares e não primordiais e que os remédios, desde que adequadamente prescritos para aquilo a que eles se destinam, são apenas parte do tratamento do paciente que nos procura.
No mês de setembro, tive a felicidade de participar de 4 aulas de um curso dado por José Eduardo "Zuza" Homem de Mello a respeito das divas do jazz. E qual a relação desse curso com esses textos?
Sem querer comparar os médicos às Divas (muito pelo contrário), achei válidos e interessantes os pré-requisitos que foram citados para se atingir a posição de Diva, segundo o jornalista, crítico, musicólogo e agitador cultural. Em suas palavras, os critérios para que alguma cantora pudesse ser considerada uma diva incluíam 4 itens fundamentais:
- "Em primeiro lugar, evidentemente, deve ter uma voz e uma qualidade na interpretação acima da média" – TÉCNICA (conhecimento médico, que pode e precisa ser aprendido);
- "Em segundo lugar, deve ter tido um percurso de vida e uma longa trajetória artística, excluindo, assim, a possibilidade de haver divas jovens" – EXPERIÊNCIA (só o tempo pode dar, desde que haja a humildade de se dispor a aprender);
- "Em terceiro lugar, deve ter uma acurada percepção musical e uma forte musicalidade" – INTUIÇÃO (infelizmente, isso não se ensina, é quase inato, mas pode ser desenvolvido);
- "Em quarto lugar, deve ter uma autoconfiança inabalável" – CONFIANÇA (que só pode ser atingida se os 3 itens anteriores estiverem em bom equilíbrio).
Assim, quem sabe possamos em um futuro, quanto mais breve melhor, atingir esse status, podendo oferecer à nossa população, tão carente de educação, segurança, transporte e padrão de vida adequados, pelo menos uma atenção à saúde que permita ao nosso povo brasileiro tão sofrido algo além de pão e circo.
FELIZ DIA DO MÉDICO a todos os que lutam para que esse sonho possa se tornar realidade em breve, muito breve e a todos os muitos reais "cuidadores" que eu conheço e que me fazem sentir orgulho de pertencer a essa classe profissional.
E um FELIZ DIA DO MÉDICO especial, junto com um FELIZ DIA DOS PROFESSORES, para comemorar os 100 anos da criação de uma das instituições de ensino médico mais respeitadas no Brasil e no mundo, através da lei nº 1357, de 19 de dezembro de 1912, pelo então Presidente Francisco de Paula Rodrigues Alves e pelo Secretário do Interior Altino Arantes e sem a qual nunca teria conseguido trilhar esse meu caminho, a "minha escola": FACULDADE DE MEDICINA E CIRURGIA DE SÃO PAULO, hoje mais conhecida como FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (FMUSP).
Essa matéria foi publicada no site Plena Mulher (17/10/2012), no site Saúde Web (18/10/2012)
Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545