Publicações > Meus Artigos > Todos os Artigos

VOLTAR

O Brazil não conhece o Brasil. O Brasil nunca foi ao Brazil

Do site SEGS

Por Márcia Wirth - MW CONSULTORIA DE COMUNICAÇÃO

16/04/2013

Essa é a letra da música Querelas do Brasil, composição de Aldir Blanc, médico psiquiatra formado nos anos 60, imortalizada na voz de Elis Regina (no álbum Transversal do Tempo, gravado ao vivo no Teatro Ginástico, no Rio de Janeiro em abril de 1978). Isso parece uma profecia de um médico brasileiro que se transformou em um dos maiores compositores da música popular brasileira.

Cada dia mais, me convenço de que precisamos divulgar muito mais intensamente os trabalhos e as informações de saúde do Brasil, no Brasil.

No dia 25 de março foi publicada no USA Today uma matéria que parece ter revolucionado toda a ideia sobre a alimentação infantil no Brasil: Muitas mães iniciam a alimentação sólida em bebês muito cedo.

Essa informação rendeu uma matéria no G1 site da Globo.com e uma chamada especial no Fantástico, como se fosse uma imensa novidade. Mesmo assim, o estudo foi divulgado de forma incompleta por aqui e seus resultados, por conta disso, carecem das reais conclusões.

A pesquisa que rendeu essa chamada foi um artigo publicado no Pediatrics (Jornal Oficial da Academia Americana de Pediatria) em 25 de março de 2013 (Prevalência e razões para a introdução de alimentação sólida precoce em crianças: variações de acordo com tipo de alimentação láctea).

Esse estudo foi realizado com 1334 mães que participavam em um estudo nacional de práticas alimentares, entre 2005 e 2007. Foram analisadas as idades nas quais as mães que tinham aleitamento materno exclusivo (AME), as que usavam fórmulas infantis e as que faziam aleitamento misto. Através de um questionário com 12 razões potenciais, foram identificadas as causas da introdução de alimentação sólida por essas mães antes dos 4 meses de idade entre seus bebês.

De uma forma geral:

• Desse total, 40,4% das mães introduziram alimentação sólida antes da idade de 4 meses de seus bebês;
• 24,3% estavam em aleitamento materno exclusivo;
• 52,7% já estavam recebendo apenas fórmulas;
• 50,2% estavam em aleitamento misto.

As principais razões apontadas foram:
1. Meu bebê já tinha idade suficiente para comer (89% das mães);
2. Meu bebê parecia faminto (71%);
3. Eu queria alimentar meu bebê com algo além do seio ou fórmula infantil;
4. Meu bebê queria a comida que eu estava comendo (67%);
5. Um médico ou outro profissional de saúde disse que meu bebê deveria começar a comer alimentos sólidos (56%);
6. Ajudaria meu bebê a dormir mais à noite.

Vamos fazer algumas observações a respeito dessas conclusões?

• Mais do que o dobro das mães que introduziram alimentos sólidos antes dos 4 meses (53% contra 24%) estavam dando fórmulas infantis a seus bebês e não leite materno exclusivo;
• Em 8% dos casos essa introdução ocorreu antes de um mês de vida (11% usavam exclusivamente fórmula e 5% em AME);
• 56% dessas mães receberam essa recomendação (ou pelo menos entenderam assim) de médicos e profissionais da área de saúde infantil.

Isso mostra a falta de informação adequada para essas pacientes. Dados dessa pesquisa mostram que pediatras iniciam a discussão sobre introdução de alimentação complementar na consulta de 4 meses. E essa mesma pesquisa conclui que essa orientação sobre a espera da introdução alimentar deveria começar aos 2 meses e que era de fundamental importância explicar que nem sempre que a criança chora é fome.

Agora que conhecemos melhor o teor dessa pesquisa, interessante, ampla, com um número considerável de mães pesquisadas, vale ressaltar alguns fatos:

• Esses dados se referem a crianças americanas, com outra cultura, onde, por exemplo, a maior causa de alergia alimentar na criança é de amendoim;
• Não existe licença-maternidade remunerada na maioria dos estados dos Estados Unidos;
• Os Estados Unidos ostentam um dos maiores índices de obesidade do mundo;
• Essa pesquisa foi realizada entre 2005 e 2007 e divulgada em 2013.

E por que razão eu citei a música Querelas do Brasil no início do texto? O Brasil não conhece o Brasil.

Em 2010, foi publicado no Jornal de Pediatria no Brasil, um estudo realizado no Brasil (Curitiba, São Paulo e Recife), onde se analisaram a alimentação de 7 dias de 179 lactentes saudáveis entre 4 e 12 meses que não estavam em AME.

Algumas das conclusões desse ótimo estudo, realizado por uma equipe de profissionais da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP (Michelle Cavalcante Caetano; Thaís Tobaruela Ortiz Ortiz; Simone Guerra Lopes da Silva; Fabíola Isabel Suano de Souza; Roseli Oselka Saccardo Sarni):

• Aos 6,8 meses (média de idade dos bebês), 50,3% já não recebiam leite materno;
• Apenas 19% recebiam fórmulas infantis e em média 30% desses usavam na forma de preparo adequada. A maioria (31%) já tomava leite de vaca integral;
• A mediana de introdução alimentar foi de 4 meses e aos 5 meses e meio já comiam a alimentação da família;
• Entre os lactentes entre 6 e 12 meses que não recebiam mais aleitamento materno, havia inadequação importante de zinco (75%), niacina (vitamina B-3 – 53%) e de ferro (45%), dentre outros micronutrientes;
• Os alimentos inadequados citados englobavam: lasanha pré-pronta congelada, macarrão instantâneo, refrigerante, salgadinho tipo batata chips, chocolate, suco artificial, muita bolacha recheada e leite de vaca integral;
• Uma das conclusões do estudo levantava a possibilidade de que essas práticas inadequadas levam a um aumento de risco no desenvolvimento futuro de doenças crônicas.

Nessa época, escrevi uma matéria e respeito desse trabalho na Revista Materlife (dezembro de 2010, página 6).

Esse estudo (que é um entre muitos) apresenta dados do Brasil, muito mais atuais, em 3 grandes capitais do Brasil, analisados por pesquisadores reconhecidos nos meios científicos e pediátricos do Brasil, e refletindo nossa realidade. E não me lembro dessa divulgação e desse estardalhaço todo e nem me lembro de nenhuma atitude mais séria tomada baseada nessas graves informações.

Assim como nesse caso, especialmente na área de saúde, parece ser necessária uma validação de fora para que nossos dados sejam considerados e para que atitudes mais sérias sejam tomadas com mais agilidade.

Até quando, Brazil?

Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545