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Projeto proibindo comida gordurosa e refrigerantes é aprovado no Senado: dá pra comemorar?

Do site JorNow e do Portal Hospitais Brasil

O lado bom e o lado ruim.

por Márcia Wirth - MW-Consultoria de Comunicação & Marketing em Saúde

24/08/2013

Segundo um grande amigo meu dizia, “tudo na vida tem um lado bom e um lado ruim, menos o disco do Gonzaguinha que tem os dois lados ruins”. Sim, ele é amigo meu desde a época dos discos. E não, ele não gostava do Gonzaguinha.

Mas, tirando essas questões, li nesses dias uma notícia que me provocou essa mesma reação: o lado bom e o lado ruim.

Senado aprova proibição de comida gordurosa e refrigerante em escola
Projeto foi aprovado em turno suplementar e vale para públicas e privadas.
Cantina que não seguir norma perderá licença; texto vai à Câmara.

Essa aprovação ocorreu em sessão no dia 21 de agosto de 2.013.
Mas, isso é muito bom, não é mesmo?
Sim e não. Depende. Analisando a notícia toda.

Pontos positivos
- O projeto proíbe a venda de bebidas com baixo valor nutricional e de alimentos com altos teores de gordura e sódio.
- A intenção do projeto (Senador Paulo Paim do PT-RS) é a redução dos índices de obesidade infantil.
- A recomendação do projeto é que os estabelecimentos que venderem esse tipo de produtos tenham seu licenciamento vedado ou alvará de funcionamento não renovado.
- Há no projeto uma proposta para que o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), através da atuação do SUS (Sistema Único de Saúde), seja modificado, com o desenvolvimento de ações que promovam a alimentação saudável, prevenindo assim as doenças de adulto que estão cada vez mais atingindo crianças e adolescentes (diabetes, hipertensão, dislipidemias, obesidade).

Pontos duvidosos
- Esse texto foi aprovado e segue do Senado para a Câmara dos Deputados, caso não haja recursos.
- Ainda não está declarada a regulamentação de quais bebidas e alimentos devem ter sua comercialização proibida nesses estabelecimentos.
- O projeto precisa ainda passar pelos trâmites do Congresso Nacional, ter a sanção presidencial e, a partir de então, tem 6 meses para entrar em vigor, com força de lei.

Pontos negativos
Esse texto já está em tramitação, só no Senado, há 6 anos. Nesse período, houve modificações no texto, emendas sugeridas e rejeitadas pela relatora, Senadora Angela Portela (PT-RR).

Essa análise poderia terminar aqui. Mas aí, faltariam comentários que julgo importantes.

A obesidade infantil continua sendo um problema crescente, multifatorial em sua origem e em sua solução. Quando falamos de uma criança obesa, a intervenção é mais direcionada e focada, mas também complexa. Desde o diagnóstico até o tratamento realizam-se consultas com avaliações clínicas (pediatra), laboratoriais (exames de sangue, entre outros), com especialistas (endocrinologistas pediátricos, entre outros), orientações nutricionais (nutricionistas), acompanhamento do quadro emocional envolvido (psicólogos), estímulo à atividade física apropriada (educadores físicos). Isso se, por alguma questão particular, não haja necessidade de uma outra intervenção.

Mas aparecem algumas dificuldades. Como fazer os responsáveis entenderem que:

- Esses procedimentos são necessários para, por exemplo, 30% da população infantil entre 5 e 9 anos de idade?
Nessa idade, essa e a atual taxa que chega a 50% da população adulta do país.

- A obesidade infantil pode ser determinada pela alimentação inadequada das gestantes?
Todas elas têm um acompanhamento adequado de pré-natal?

- A obesidade infantil pode ser determinada pelo tipo de parto? Estudos mostram 30% a mais de chances de uma criança nascida de parto cesariana ter sobrepeso aos 3 anos de idade?
No Brasil, o índice de partos do tipo cesariana é de 41% (expectativa da OMS – 15%). No SUS, esse índice atinge 37% e na rede particular chega a 85%.

- A obesidade infantil pode ser determinada pela alimentação inadequada dos bebês até os 6 meses de idade, quando não se estimula o aleitamento materno desde a primeira hora de vida, exclusivo e em livre-demanda até o 6º mês, estendido até 2 anos ou mais (recomendação da OMS e da SBP)?
Atualmente, nossos índices são de 54 dias de aleitamento materno exclusivo, apenas 9% das crianças estão em aleitamento materno exclusivo até o 6º mês e apenas 41% dos bebês mamam leite materno aos 6 meses.

- A licença-maternidade, que já deveria ser obrigatória até o 6º mês para todas as mães que amamentam, ainda é, em grande parte do país, de apenas 4 meses (como antes)?
Funcionários públicos municipais, estaduais e federais e poucas empresas privadas aderiram à licença-maternidade de 6 meses. A licença-paternidade... uma vergonha (permita-me Sr. Boris Casoy usar sua expressão) de 5 dias, sabendo-se da importância do apoio do pai para o início e a manutenção do aleitamento materno.

- Quando as crianças chegarem a usufruir dos benefícios desse projeto de lei do Senador Paulo Paim, quando e se ele for aprovado, elas já estarão em sobrepeso e a reversão do quadro vai ser muito mais trabalhosa e muito mais difícil e muito mais cara para a família e para a sociedade?
Essa lei passa a ser válida para crianças que não levam seus lanches de casa. Atualmente, nas escolas, tão ruim quanto o tipo de alimentação oferecida nas cantinas e lanchonetes é o “cardápio escolar obrigatório” promovido pela nossa legislação que oferece cerca de 75 a 100% das necessidades calóricas diárias a uma criança que frequenta creches, berçários, escolinhas públicas e privadas. De forma absolutamente inadequada, uma criança, independente de sua idade, faz, na escola, refeições a cada 1 a 2 horas (entre 8 da manhã e 17 horas, são 5 a 6 períodos de alimentação entre leites, lanches e comida), sendo que seu jantar é dado entre 16 e 17 horas. Aí essa criança chega em sua casa e... não come mais nada até a hora de dormir?

Enfim, perdoem-me por não estar tão otimista quanto a esse projeto de lei que levou 6 anos no Senado, que se não tiver nenhum veto vai à Câmara dos Deputados passar por “nãoseiquantotempo” para ser (ou não) aprovada, passar para a sanção presidencial, levar 6 meses para ser adotada (sem contar recursos que muito provavelmente sejam impetrados pelas poderosas indústrias alimentares envolvidas, possivelmente causando um atraso a mais nesse processo) e só então beneficiar parte da população infantil que já estará chegando com sobrepeso e obesidade instaladas.

E mais uma vez relembrando o meu amigo que não gostava do Gonzaguinha:
Eu fico com a pureza da resposta das crianças, é a vida, é bonita e é bonita...
É a vida (lado bom). Mas não acho bonita não (lado ruim).

Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545