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Duas histórias de bom senso que podem iluminar o STJD no caso Portuguesa

Do Blog do Sormani

Vou contar duas histórias. A primeira delas vocês já devem ter tomado conhecimento, pois ela navegou pela internet nos últimos dias. A segunda, foi um amigo, médico, quem me contou.

por Fábio Sormani

16/12/2013

Vamos a elas.

No metrô de uma cidade europeia havia um aviso: “Proibida entrada de cães”. Um dia, um homem apareceu com um urso e queria entrar no metrô. Ao ser impedido pelo segurança, ele argumentou: “Mas como, está escrito que apenas cães não podem entrar! Eu estou com um urso!”

Embora a determinação não falasse em urso, em nome do bom senso o cidadão foi impedido de entrar com o animal no metrô, pois ele poderia colocar em risco a vida dos passageiros.

Neste mesmo dia, um homem chegou à mesma estação com um cão-guia. Era deficiente visual. O aviso, lembrem-se, era claro: “Proibida entrada de cães”.

Embora a determinação fosse clara quanto a não permissão da entrada de cães, em nome do bom senso o homem pôde entrar com seu cão-guia, pois ele precisava do auxílio do cachorro para se locomover.

A segunda história me foi contada pelo médico Moisés Chencinski, pediatra e homeopata, membro do Departamento de Aleitamento Materno da Sociedade de Pediatria de São Paulo.

No final de março de 2011, uma mãe foi impedida por uma funcionária de um centro cultural de São Paulo de amamentar seu bebê de dois meses. Motivo: naquele local ninguém podia comer.

A restrição a se comer no recinto, obviamente, estava relacionada com a sujeira, pois migalhas ou pedaços de alimentos no chão podem provocar o aparecimento de insetos, tornando o local mais insalubre. Mas proibir a amamentação?!

Ademais, contou-me o meu amigo doutor, crianças em aleitamento materno não escolhem a hora em que elas têm fome. Elas precisam ser amamentadas assim que isso acontece. Não podem esperar.

Dois meses depois, organizou-se uma manifestação pacífica, batizada “Mamaço”, que foi acolhida pela direção do centro cultural, que aproveitou o evento para se justificar: a funcionária não havia sido bem orientada a respeito do aleitamento.

A partir de então, em nome do bom senso, mães foram autorizadas a amamentar seus bebês no centro cultural, embora a proibição quanto a se alimentar no local permaneça.

Essas duas histórias têm uma similaridade muito grande com o julgamento desta segunda-feira, às 17h, no STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva), no Rio de Janeiro, onde a Portuguesa pode ser punida com a perda de quatro pontos por ter usado o jogador Héverton na partida contra o Grêmio. Se punida, será rebaixada para a Série B e o Fluminense, que no campo de jogo foi incapaz de se sustentar na Série A, será o beneficiado.

Héverton entrou em campo faltando 13 minutos para a partida acabar. Esteve com a bola nos pés por 1:47 minuto. Não fez gol, pois a partida terminou 0-0. E nem impediu que o Grêmio marcasse.

Que consequências Héverton trouxe ao jogo? Nenhuma.

Embora eu ache que a Portuguesa não pode ser punida pela escalação do jogador (clique aqui e também aqui), digamos que ela seja considerada culpada. Aí eu pergunto: a punição por ter escalado Héverton, que jogou 13 minutos, pegou na bola por 1:47 minuto, não fez gol e nem impediu gol do adversário, a punição do rebaixamento não parece desproporcional ao dolo cometido (que eu, torno a falar, acho que não ocorreu)?

Volto a dizer: não é completamente desproporcional? Jogar à Série B um time que no campo de jogo conquistou limpa e guerreiramente o direito de permanecer na Série A porque utilizou um jogador que estava supostamente punido por 13 minutos, que pegou na bola por 1:47 minuto, não fez gol e nem impediu gol do adversário?

Isso me remete às duas histórias contadas acima. Há que se ter bom senso, sempre, e saber interpretar as leis com base nos fatos e não apenas na frieza de suas letras.

Não sou advogado, mas sempre ouvi dizer que o direito não é uma ciência exata. Se fosse, era só criar um programa de computador recheado de leis e jogar os casos para que ele julgasse. Em menos de um minuto decisões seriam tomadas. E não haveria necessidade de termos advogados, promotores e juízes.

Mas o direito não é uma ciência exata. Ele permite a análise dos fatos, a discussão de eventos e, acima de tudo, ele permite refletirmos. E, ao refletirmos, pensamos. E, ao pensarmos, crescemos como seres humanos.

Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545