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Crianças alérgicas também vão à escola. E agora? Como cuidar?

12/07/2014

Em junho, na época da abertura da Copa do Mundo, aproveitei para viajar e reencontrar minha irmã que mora nos Estados Unidos. Foram 10 dias muito ricos e muito bons.

Fui conhecer seu local de trabalho (Jewish Comunity Center – JCC). Ela é professora de pré-escola, em um local onde ficam as crianças desde bebês, quando os pais estão trabalhando. Na maior parte dos estados por lá a licença-maternidade não chega a 30 dias, sendo que em grande parte deles ela não existe.

Entre os muitos pontos que chamaram minha atenção nessa visita, um deles foi bem marcante. Em algumas salas, na porta, havia essa placa:



Sala de aula sem nozes
Por favor, não traga nenhum produto que contenha nozes (amendoins ou tree nuts) para dentro dessa sala.
Obrigado por nos manterem seguros.


Essa informação também constava na cozinha e nessas salas, se houver uma só criança alérgica, não é permitida a presença ou a oferta de nenhum alimento que crie risco a essa única criança.

Muitas questões me chamaram a atenção nessa situação.

Essa recomendação implica que nenhuma criança pode sequer trazer para a escola qualquer produto que cause riscos a esse alérgico. Nos links que tratam desse assunto (Food Allergy Research & Education, Kids with Food Allergies), inclusive no Canadá, há uma lista que contém alimentos e outros produtos que “podem conter nozes”, orientando os riscos e as medidas de urgência se houver alguma reação alérgica por essa substância. Vale ver essa lista, pois ela cita, por exemplo, que alimentos como mortadela (aqui pode ter até soja e leite), biscoitos, barrinhas de cereais e cereais, café aromatizado, molhos de churrasco e outros produtos não alimentícios como alimentos de passarinhos, animais de estimação, cosméticos, shampoos e condicionadores, protetores solares e óleos de massagem, entre outros, podem conter nozes (ressaltado no texto que nem todos esses produtos, de todas as marcas, obrigatoriamente, terão esse ingrediente em sua composição). E essa lista é sempre atualizada.

Essa determinação não acontece só no J.C.C. onde minha irmã trabalha, mas de uma forma geral no país. Há um cuidado grande com aquela única criança, orientação para as outras crianças e seus pais sobre isso, nas “aulas” e nas reuniões.

Será que aqui, em nosso país, seríamos capazes de viver com esse nível de solidariedade e de cuidados? 

Qual a nossa realidade?

A partir de algum momento da vida de nossas crianças, elas começam a frequentar creches, berçários e escolinhas e essa fase, que dura até a faculdade, é repleta de desafios, entre os quais, como se alimentar de forma correta.

Infelizmente, o que observamos atualmente, nos consultórios, nos ambulatórios é uma inadequação da questão alimentar a que essas crianças são submetidas nas escolas. 

Em grande parte do país, constatamos refeições inadequadas (mesmo em escolas que contam com supervisão de nutricionistas), servidas em horários inapropriados (intervalos de 2 horas, levando a um excesso de calorias, de forma desequilibrada), com lanchonetes disponibilizando alimentos ricos em sal, açúcar, gorduras e alimentos potencialmente alergênicos. 

Junto com outros fatores (sedentarismo, propaganda inadequada, terceirização dos cuidados), o "cardápio oferecido nas escolas" colabora para um aumento importante do índice de obesidade infantil, hipertensão arterial, diabetes tipo 2, dislipidemias (colesterol, triglicérides) e alergias alimentares.

Essa deveria ser uma responsabilidade do governo, da sociedade, das escolas, da mídia, dos profissionais de saúde para prevenir a escalada sem freios que estamos observando nessas doenças já na primeira infância, que favorece o aumento do número e da gravidade desse tipo de patologias entre adolescentes e adultos.

O que podemos fazer por essas crianças?

Cada criança, que deve ser acompanhada rotineiramente pelo seu pediatra e cada família pode e deve receber sua orientação adequada a respeito do crescimento e desenvolvimento de seus filhos. Durante as consultas de rotina, o pediatra pesa e mede as crianças, além de avaliar os aspectos de sua evolução e suas tendências (pessoais e familiares), seguindo as orientações e recomendações da OMS, do Ministério da Saúde e da Sociedade Brasileira de Pediatria.

As alergias alimentares estão presentes entre 3 a 6% das crianças no Brasil. Entre essas, 85% são causadas pelo leite de vaca e os outros 15% divididos entre ovo, soja, peixes, frutas, amendoins, entre outros. Esses números tendem a aumentar, quanto mais precocemente se oferece esse tipo de alimentos para as crianças, de forma inadequada, sem orientação pediátrica.

O diagnóstico de alergia alimentar é difícil e vem sendo absurdamente superestimado. Intolerâncias alimentares e outros quadros são incorretamente diagnosticados como quadros de alergia, restringindo alimentação de mães que amamentam e de crianças. Essas restrições podem gerar não só carências de determinados nutrientes como criar situações de constrangimento e frustrações desnecessárias nessas famílias.

O diagnóstico de um quadro alérgico agudo (urticária gigante, broncoespasmo e até edema de glote) não é difícil de ser reconhecido nem por leigos. As condutas aqui no Brasil para esses casos é que são bem restritas. Nos Estados Unidos, por exemplo, pacientes alérgicos com grande risco de anafilaxia, podem carregar consigo injeções de epinefrina, de fácil aplicação (EpiPen – aqui só pode ser importado) em quadros de emergência.

Quem tem alergia a algum tipo de alimento, a princípio, não deve consumir nenhum produto, alimentar ou não, que contenha traços dessa substância em sua composição.

Mas para saber disso, seria necessário que TODOS os alimentos tivessem as especificações de sua composição nos rótulos e que eles pudessem ser disponibilizados em seus sites para conhecimento sem restrições e que, quando nos rótulos, pudessem ser lidos (com letra em tamanho razoável e compreendidos). #põenorótulo

Além disso, é fundamental que familiares e todos os que entram em contato com os alérgicos conheçam também outros nomes pelos quais são conhecidos os alergenos de cada caso.

10 dicas para pais de crianças alérgicas

Dessa forma, seguem 10 dicas e recomendações para pais de crianças alérgicas que passam a frequentar creches, berçários e escolas:

1) Aleitamento materno desde a primeira hora de vida, exclusivo e em livre-demanda até os 6 meses, estendido até 2 anos ou mais, com introdução alimentar apenas após o 6º mês de vida, seguindo recomendação pediátrica em consulta;

2) Devido a todos os riscos e a todas as restrições a que serão submetidas crianças com quadros alérgicos, inclusive alimentares, é fundamental que o diagnóstico seja feito com o máximo de agilidade e de certeza possíveis, por profissionais especializados;

3) Conversem com os profissionais que cuidam do quadro de alergia de seus filhos (pediatras, alergologistas e/ou gastroenterologistas pediátricos) e tirem TODAS as dúvidas;

4) Conheçam bem as características tanto do quadro agudo, que pode requerer ações de emergências e encaminhamento para prontos-socorros o quanto antes, quanto do quadro crônico e evolução da alergia de seus filhos;

5) Conheçam bem as reações alérgicas de seus filhos e saibam o que fazer e o que orientar na escola sobre as condutas de urgência em caso de uma reação importante;

6) Conheçam e se informem sobre os alergenos (causadores da alergia) de seus filhos e todos os possíveis nomes que eles podem assumir nos rótulos de produtos que os contém. Aprendam a ler rótulos;

7) Informem-se sobre sites sérios e éticos que tratem do tema alergia. Indico os sites da Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia (ASBAI), do Instituto Girassol. Para cada tipo de alergia alimentar (leite de vaca, glúten, soja, ovo, etc), procure conhecer sites médicos e reconhecidos que tratem do assunto. Neles pode-se encontrar uma lista de alimentos que devem ser evitados e nomes pelos quais as proteínas alergênicas podem ser conhecidas;

8) Conversem na creche / berçário / escola e transmitam todas essas informações, enfatizando os riscos dos contatos com os alergenos e as medidas em caso de ocorrer algum quadro agudo, além dos telefones de contato (pais, médicos) e do hospital ou pronto-socorro mais próximo que deve ser procurado em caso mais grave;

9) Recomendar fortemente que no momento das refeições não haja, por nenhum motivo, troca de alimentos entre as crianças. Seu filho deve levar sua própria refeição (preparada em casa, segundo os cuidados adequados) e não deve nem experimentar nenhum outro tipo de alimento;

10) Festinhas de aniversário na escolinha são razão para se dobrar a vigilância e os cuidados. Apesar de ficarmos penalizados com as restrições impostas a essas crianças, muito pior será o contato de uma criança alérgica com os “alimentos proibidos”. Os pais já sofrem bastante por essas restrições e precisam de apoio, suporte e segurança ao deixarem seus filhos sob cuidados de outras pessoas na escola. 

Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545