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Por que meus peitos te incomodam tanto?

Do blog Ser mãe é padecer na internet - Estadão

“Um bebê não escolhe hora ou lugar para ter fome. E uma mãe não pode ter restringida sua liberdade de alimentar e atender seu filho nem por horário, nem por local, além de não existir na constituição brasileira nenhum impeditivo legal para o aleitamento materno em qualquer lugar a qualquer hora”

por Rita Lisauskas

25/11/2014

Amiga postou no Facebook contando que foi fazer “curso de madrinha” na igreja católica. Esses cursos duram geralmente um dia, no caso dela uma manhã no último domingo. Ela, que ainda não tem filhos, sentiu-se incomodada e escreveu em tom de desabafo: “Tem várias mães participando (do curso) que ainda estão amamentando. A responsável pede que, se elas tiverem que amamentar, que o façam em outro lugar, longe dos homens. Ainda bem que sou só a madrinha, porque já ia arrumar encrenca”, completou.

Por que as mulheres teriam de se esconder dos homens para amamentar? Amamentar é ilegal? Imoral? Indecente?

O papa Francisco já se posicionou de forma favorável à amamentação em público e não apenas uma vez. Em janeiro deste ano, ao batizar 32 bebês na Capela Sistina, em Roma, ele disse que o mais belo coral de todos era o composto pelos bebês que ali estavam:  “Alguns vão chorar porque não estão se sentindo confortáveis ou porque estão com fome”, disse aos pais. Depois aconselhou as mães a amamentarem seus filhos ali mesmo: “Se eles estiverem com fome, alimentem seus filhos, sem pensar duas vezes. Porque eles são as pessoas mais importantes aqui.” Mariana Campagnoli, mãe das gêmeas Carolina e Clara, 9 meses, fez o curso de batismo na igreja Nossa Senhora de Lourdes no bairro da Pompéia, zona oeste de São Paulo e teve uma experiência inversa a da minha amiga: “Eu fui super incentivada a amamentar no curso e batizado das minhas filhas”, conta e comprova com foto.

Se nas igrejas as mães que amamentam nem sempre são bem-vindas, imagine longe delas. Karina Assis, mãe de Arthur, 5 meses, estava em uma festa de criança quando um conhecido ao ver uma mãe amamentando, comentou: “Uma mulher deve se lembrar que o seio é algo muito sexual e que amamentar em qualquer lugar pode causar desconforto nos homens porque eles podem sentir desejo”. Karina fez que não ouviu e não pensa nem meia vez em amamentar o filho onde ele tiver fome. E sem engana quem pensa que o preconceito vem só dos homens. Priscila Navarro Bueno ouviu da namorada de um amigo que ela era “muito vulgar” por não usar um paninho para cobrir o seio enquanto amamentava Julieta, na época com 6 meses. O pediatra Moisés Chencinski, membro do Departamento de Aleitamento Materno da Sociedade de Pediatria de São Paulo, lamenta que a questão ainda seja cultural. “Associa-se, ainda, a figura do seio com erotismo, com pornografia. No Carnaval, nas praias e na TV o seio é encarado de forma mais natural”, constata.  E ele vai além: “Um bebê não escolhe hora ou lugar para ter fome. E uma mãe não pode ter restringida sua liberdade de alimentar e atender seu filho nem por horário, nem por local, além de não existir na constituição brasileira nenhum impeditivo legal para o aleitamento materno em qualquer lugar a qualquer hora”, completa.

Além de lidar com o machismo e com a falta de noção, muitas mães que decidem amamentar o filho além dos seis primeiros meses de vida ainda têm de ouvir absurdos que não se sustentam. “Já ouvi que amamentar depois dos dois anos é coisa para criança que nasceu na África”, conta Vanessa Rabello, mãe de Beatriz de 1 ano e meio. Já Aline Juliani, mãe de Rafael, 1 ano e 4 meses, foi aconselhada pelo ginecologista e pelo pediatra a parar: “Um deles me disse que amamentar por muito tempo é para mães do norte e do nordeste que não têm dinheiro para comprar leite artificial”, conta. O pediatra Moisés Chencinski, rebate: “A amamentação até o sexto mês é imprescindível. Até um ano é fundamental. Até os dois anos é ainda muito importante, apesar do desconhecimento de grande parte da população e até de parte dos próprios pediatras”, diz. Ele mesmo lembra um fato no mínimo curioso: “Semana passada doze pediatras foram detidos na Itália acusados de receber presentes como celulares, TV, computadores e viagens das indústrias de leite por estimularem o uso de fórmulas no lugar do leite materno. Dois destes médicos eram chefes de clínicas pediátricas”, lembra. “Isso é muito grave!”.

Outro grande mito é o do “leite fraco”. Juliana Baitz ouviu isso da diarista que a via amamentar o filho ainda recém-nascido, mas não deu bola: “Meu filho mamou o “leite fraco” até os 2 anos e três meses”. Yara Tropea, mãe de Luiza, 1 ano e 11 meses ouviu o mesmo, mas de um médico: “Não tem mais nada de bom aí. É só água”. Dr. Moisés rebate: “Além de melhor alimento para o bebê amamentar ajuda a prevenir doenças como diarréia, infecção respiratória, alergias, obesidade, hipertensão, problemas de colesterol, triglicérides e diabetes, além de ser bom para a saúde das mães prevenindo o câncer de mama e favorecendo a volta do útero ao tamanho normal mais rapidamente”.

Pesquisa publicada em 2009 pelo Ministério da Saúde mostrou que quanto maior o grau de escolaridade materna, maior a chance de aleitamento materno exclusivo. A pesquisa apontou também que na região norte do país a amamentação exclusiva é mais frequente. Já o uso de mamadeira é mais comum na região sudeste. O Ministério da Saúde concluiu, então, que houve uma “melhora significativa” quando o assunto é o aleitamento materno, mas que “estamos distantes do cumprimento das metas propostas pela Organização Mundial da Saúde de aleitamento materno exclusivo até o sexto mês de vida e a manutenção da amamentação até o segundo ano de vida ou mais” sendo necessárias “intervenções no sentido de promover hábitos saudáveis de alimentação no primeiro ano de vida.” Querem uma sugestão para que essas metas sejam alcançadas, Brasil? Mais informação e menos palpiteiros, por favor.

Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545