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Quando deve ser a primeira consulta da família com o pediatra?

Do site da Sociedade de Pediatria de São Paulo

A Pediatria não pode ser pensada sem a Puericultura. E ao contrário do que se possa imaginar, esse conceito não é novo e muito menos revolucionário, como mostram dois livros publicados há mais de 250 anos.

Relator: Yechiel Moises Chencinski / Médico Pediatra e membro do Departamento do Pediatria Ambulatorial e Cuidados Primários da SPSP.

27/04/2015

A Pediatria tem sua criação atribuída[1] ao professor de medicina Théodore Zwinger (1722 - Lausanne – Suíça), após observação de que doenças que afetavam adultos apresentavam características diferentes quando ocorriam em crianças, levando à publicação e um livro (PaedoIatreia – “Doenças de crianças”).

Já a Puericultura, segundo dados[2], que significa a criação (cultura) da criança (pueri), foi citada pela primeira vez pelo suíço Jacques Ballexserd (1762) em seu livro Tratado de Puericultura, onde são indicadas condições primordiais para que o crescimento e desenvolvimento das crianças ocorram da forma mais adequada.

No Brasil[2], a Puericultura remonta à época do Dr. Carlos Artur Moncorvo Filho (1871-1944) que fundou, em 1899, o Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Rio de Janeiro, o Departamento da Criança no Brasil e o Museu da Infância, que já naquela época, apresentava as consequências do abandono material e moral das crianças em seu crescimento e desenvolvimento.

Muitos outros pediatras lutaram pela importância dos cuidados pediátricos e pela implantação da puericultura como uma das principais áreas de atuação na especialidade, como Antônio Fernandes Figueira[2] (especialista da área materno-infantil e fundador da Sociedade Brasileira de Pediatria em 1910), Joaquim Martagão Geisteira[3] (fundador e presidente da Sociedade de Pediatria da Bahia em 1930 e criador da Revista Pediatria e Puericultura e da Liga Baiana contra Mortalidade Infantil) aparecem entre muitos outros que iniciaram e mantiveram acesa a chama da influência dos cuidados adequados da criança para um crescimento e desenvolvimento seguro.

Joaquim Martagão Gesteira é citado no livro Lição Inaugural da Cadeira de Clínica Pediátrica e Puericultura[4] (1966-1967 – Coimbra - Portugal), como grande mestre da puericultura brasileira, sendo atribuída a ele a seguinte definição:

“... a parte da ciência médica que se ocupa em cultivar a vida e a saúde das crianças, esforçando-se para que cheguem ao Mundo sadias e fortes e se desenvolvam normalmente e bem, sob todos os aspectos, amparadas contra os múltiplos perigos que a ameaçam, resultantes de fatores biológicos, ambientais e sociais.
O mestre brasileiro subdivide a Puericultura em prévia e pós-natal.
prévia compreende a pré-concepcional (ou Eugenia) e a pré-natal (ou intrauterina) ...
pré-natal individual compreende toda assistência à grávida desde a concepção ao parto.”

 
O autor do livro ainda complementa4 essa citação: “Assim, a Puericultura moderna engloba, portanto, todo período da vida humana desde antes da concepção até a adolescência e tem um caráter eminentemente preventivo.”

Em 1993, o Prof. Dr. Eduardo Marcondes chega a afirmar que “a transcendência da promoção da saúde é uma daquelas percepções de caráter formativo sem as quais não se é pediatra”.

Esses conceitos a respeito da Puericultura se estabeleceram e até os dias de hoje têm confirmado e ampliado sua importância na história da Pediatria e da Medicina no Brasil. Apesar dos conflitos filosóficos e históricos6 a respeito das influências sociais, econômicas, políticas e ideológicas na concepção da puericultura e de sua prática e aplicabilidade, não há como negar sua relevância na prática pediátrica.

Há uma estimativa[7] que cerca de 40% da atividade diária do pediatra esteja voltada para a área preventiva, quer seja no período pré-natal, quer seja durante a infância até a adolescência.

Definição

Segundo o Grande Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa[8], a definição de puericultura é:


1. Ciência que reúne todas as noções (fisiologia, higiene, sociologia) suscetíveis de favorecer o desenvolvimento físico e psíquico das crianças, desde o período da gestação até a puberdade.

Segundo artigo publicado no blog Pediatra Orienta[9], “puericultura é a arte de promover e proteger a saúde das crianças, através de uma atenção integral, compreendendo a criança como um ser em desenvolvimento com suas particularidades. É uma especialidade médica contida na Pediatria que leva em conta a criança, sua família e o entorno, analisando o conjunto bio-psico-sócio-cultural”.

A puericultura deve, então, ser aplicada pelo profissional especialista que acompanha a criança (Pediatra) de uma forma global, holística, avaliando tanto seu crescimento e desenvolvimento, quanto sua dinâmica familiar, social, educacional e psicológica, desde a concepção até a puberdade.

As recomendações sobre a frequência das consultas de puericultura após o nascimento do bebê apresentam algumas correntes que podem ser pouco contrastantes passando desde avaliações mensais até 1 ano de idade9, até como recomendam o programa Bright Futures[10] da Academia Americana de Pediatria e o Ministério da Saúde[11], em seus Cadernos de Atenção Básica (2012), com uma avaliação aos 7 dias e consultas com 1, 2, 4, 6, 9 e 12 meses durante o 1º ano de vida.

Atualmente, a Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda uma consulta a partir da 32ª semana de gestação. Mesmo essa única avaliação ainda não está bem estabelecida e não é rotineira nem para as grávidas, e nem para grande parte dos pediatras.

De uma maneira mais ampla, essa consulta teria como objetivos[12] estabelecer um vínculo do pediatra com a família antes do nascimento, esclarecer dúvidas e preocupações dos pais durante a gestação em relação à criança para com isso, como demonstram estudos, também reduzir a morbimortalidade materno-infantil.

A partir dessa conexão, o pediatra deve estar preparado para ouvir. Acolhendo como legítimas as dúvidas dos pais (de primeira viagem ou não), esses se sentirão seguros para compartilhar seus medos e ansiedades em relação a esse momento novo na vida dessa família, inclusive com dados referentes à influência de sua própria saúde e hábitos de vida na evolução da gestação e do futuro de seu filho.

O pediatra passa a ser o depositário das expectativas da família, tanto clínicas como sociais (situação de trabalho e moradia da família, irmãos, animais em casa), que podem interferir na dinâmica da vida do bebê que está por nascer.

As recomendações vão desde informar sobre a gestação (de risco ou não, características de gemelaridade, prematuridade), os tipos de parto, até a forma mais adequada de alojamento na maternidade.

O aleitamento materno, pela sua importância e por ser cercado de mitos e desinformação, merece uma atenção especial. Ouvir as dúvidas e o que pensam esses pais a respeito dessa prática pode favorecer uma orientação mais prática sobre os cuidados necessários com os seios e a importância do aleitamento materno desde a sala de parto, exclusivo e em livre-demanda até o 6º mês de vida, estendido até 2 anos ou mais.

A explicação a respeito do leite materno e as técnicas (pega, posições, livre-demanda, fases do leite) favorecem a compreensão sobre a relevância e as dificuldades que podem ser encontradas e as formas mais apropriadas de superá-las.

Entre as dúvidas mais comuns dos pais estão os cuidados com o umbigo, a higiene do bebê e a importância do transporte seguro da criança desde a saída da maternidade.

A suplementação vitamínica da gestante (ácido fólico, ferro e vitamina D) e a alimentação adequada com suplementação de ômega 3[13] devem também fazer parte da consulta pré-natal com o pediatra.

É importante que a mulher possa ser orientada a respeito de seu calendário vacinal para que, tanto ela possa se proteger adequadamente durante o período gestacional, quanto ela possa oferecer ao feto e a seu bebê as melhores condições de imunização e diminuição de riscos de doenças neonatais.

Algumas das vacinas são contraindicadas para a gestante por serem elaboradas com vírus vivos, mas que são fundamentais para evitar quadros drásticos em seus fetos (rubéola, por exemplo). Assim, essa imunização deve ser administrada antes de a mulher resolver engravidar.

Em outras situações, as gestantes são consideradas grupos de risco e devem ser vacinadas, independente da fase da gravidez (gripe).

Assim, o calendário vacinal da mulher e da gestante15 deve fazer parte das recomendações em consulta, quer seja pelo ginecologista, quer seja pelo obstetra e pelo pediatra, sempre que possível.

Apesar de ainda não haver um consenso de quando iniciar o acompanhamento pediátrico pré-natal e qual a frequência necessária dessas consultas. Há marcos da gestação que mereceriam uma avaliação do pediatra, desde a concepção (ácido fólico, imunização), passando pelo primeiro trimestre (organogênese), o crescimento do 2º trimestre e a fase de depósitos de macro e micronutrientes (ferro, cálcio, ômega 3) e vacinação (DTPa – entre a 27ª e a 35ª semanas) do 3º trimestre da gestação.

Mas é fundamental, pelo menos dentro do panorama atual, que o pediatra esteja bem preparado e disponibilize um tempo e informação adequados e suficientes para prover a família de um apoio fundamental para o bom andamento da gestação, parto e que essa seja uma boa base para essa geração dos 100 anos, com saúde e bem estar bio-psico-físico-social.

Referências

1. Residência Pediátrica 2011;1(Supl. 1):20-3. A pediatria e a prioridade da primeira infância: fundamentos e perspectivas para o novo milênio. http://www.residenciapediatrica.com.br/audiencia_pdf.asp?aid2=29&nomeArquivo=v1s1a05.pdf

2. de Medeiros, H. R. F. O passado e o presente da puericultura através da história do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira. http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1297124293_ARQUIVO_ANPUHNAC11IPPMG.pdf

3. Brazil, T.K. (organizadora), Silva, A.B.; Costa, M.F.D. - Joaquim Martagão Gesteira . Projeto Herois da Saúde na Bahia. Disponivel em http://www.bahiana.edu.br/herois/heroi.aspx?id=Nw==

4. Lição Inaugural da Cadeira de Clínica Pediátrica e Puericultura, 1966-1967 por Bessa, José dos Santos - http://bibliotecas.cm-porto.pt/ipac20/ipac.jsp?&profile=ba&uri=full=3100024~!357005~!0

5. Marcondes E. Diretrizes para o ensino da pediatria J Pediatr (Rio J) 1993;69:349-52.

6. Bonilha, L. R. C. M., & Rivoredo, C. R. S. F. (2005). Puericultura: duas concepções distintas. Jornal de Pediatria, 81(1), 8-13.

7. Blank, D. (2003). Well-child care today: an evidence-based view. Jornal de pediatria, 79, S13-S22. http://dx.doi.org/10.1590/S0021-75572003000700003

8. Grande Dicionário Houais da Língua Portuguesa - http://houaiss.uol.com.br/busca?palavra=puericultura

9. Pediatra orienta – O que é Puericultura?

Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545