Do blog Pediatra Orienta
Relator: Dr. Moises Chencinski Departamento de Pediatria Ambulatorial e Cuidados Primários da SPSP
29/10/2015
Peraí, falando assim, mais da metade de vocês não vai saber do que se trata.
“O Samba do Crioulo Doido é uma paródia composta pelo escritor e jornalista Sérgio Porto, sob pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta, em 1968, para o Teatro de Revista, em que procura ironizar a obrigatoriedade imposta às escolas de samba de retratarem nos seus sambas de enredo somente fatos históricos. ”
A cada dia que passa, estamos com mais e mais regras alimentares e o pediatra parece, atualmente, mais um “fiscal da saúde”. Não pode sal, açúcar, gorduras, frituras, leite integral, sol, andar sem cadeirinha no carro, desfralde precoce. Essas são só algumas das questões com que nos deparamos em nosso dia-a-dia da prática.
Mas isso só acontece porque as crianças são submetidas aos modismos e às pressões alimentares pela nossa sociedade cada vez mais consumista, pela desinformação e, muitas vezes, pela falta de apoio.
Vamos para alguns exemplos práticos, analisando os fatos?
A OMS apresenta uma atualização (Setembro/2015) a respeito de alimentação saudável. Quero supor, que recomendações vindas da OMS sejam bem embasadas e se refiram à imensa maioria da população mundial. Entre as afirmações chave:
– Uma dieta não saudável e a falta de atividade física estão conduzindo riscos globais (à saúde).
– Práticas alimentares saudáveis começam na vida precoce – aleitamento materno promove crescimento saudável e desenvolvimento cognitivo, e pode levar a benefícios à saúde de longa duração, como reduzir os riscos de sobrepeso e obesidade e desenvolver doenças não epidêmicas no futuro, como diabetes, doenças cardíacas, AVC e câncer.
A importância dos Primeiros Mil Dias e a influência da epigenética demonstrando a importância da nutrição materna desde quando a mulher engravida, passando pela gestação até os 2 primeiros anos de vida da criança. Qualquer ação de uma alimentação inadequada nessa fase, junto a fatores ambientais e até genéticos, pode levar a criança a desenvolver, desde cedo até o resto de sua vida, mudanças na expressão de seus genes que aumentam os riscos de doenças no futuro.
É assim que se estabelece o programming (programação metabólica) que pode transformar o futuro de crianças que não teriam riscos de saúde em adolescentes e adultos de risco, doentes e, o que é pior, no futuro, fontes familiares dessas doenças para seus filhos.
Mudanças genéticas levam séculos para acontecerem de forma definitiva. Essa transformação pode ser programada em uma mesma geração.
Os dados de uma pesquisa do IBGE, divulgada em agosto de 2.015 (Ciclos de Vida), confirmam a grave situação de sobrepeso e obesidade do Brasil. As informações obtidas apontam para a muito provável influência do hábito alimentar inadequado na infância como condutor desse processo.
“Quanto à análise do excesso de peso da população adulta, estratificada por grupos de idade, estimou-se que mais da metade da população apresentou excesso de peso (56,9 %), ou seja, cerca de 82 milhões de pessoas apresentaram o IMC igual ou maior do que 25 kg/m2, indicando uma prevalência maior de excesso de peso no sexo feminino (58,2%), sendo do sexo masculino (55,6%).”
“Já o comportamento das prevalências de excesso de peso e de obesidade ao longo das três pesquisas (POF 2002-2003; POF 2008-2009 e PNS 2013,) apresentou um comportamento inverso, aumentando continuamente tanto para os homens quanto para as mulheres. Para os homens, a prevalência de excesso de peso aumenta de 42,4% em 2002-2003 para 57,3% em 2013 e a obesidade de 9,3 % para 17,5%. No caso das mulheres, este aumento foi mais acentuado, passando de 42,1% em 2002-2003 para 59,8% em 2013, ao passo que a obesidade passa de 14,0% para 25,2%.”
“Seguindo no tema de alimentação da criança, a pesquisa investigou quais alimentos eram dados a elas. Foi estimado que 60,8% das crianças com menos de 2 anos de idade comiam biscoitos, bolachas ou bolo, e que 32,3% tomavam refrigerante ou suco artificial.”
Com esse índice de obesidade no Brasil, um dos grandes responsáveis, o açúcar, acaba sendo substituído com uma frequência muito grande pelo adoçante. Sacarina, aspartame, sucralose, acessulfame de potássio, entre outros, povoam a mesa dos nossos lares, restaurantes, festinhas, quer seja em saquinhos ou gotinhas, quer seja nos refrigerantes, sucos e outros produtos destinados a saciar a “necessidade do doce de cada dia”.
Nem todos conhecem a relação uso contínuo e prolongado de adoçantes / alteração de microbiota intestinal / intolerância à glicose / aumento da resistência periférica à insulina / diabetes tipo 1 e 2 / Síndrome metabólica (lógico que não é tão simples assim, mas está quase).
Estudos recentes publicados no Nature (10/2014), replicados no PubMed, comentados no site da Sociedade Brasileira de Diabetes apontam para essa ação.
Estudo que motivou a elaboração desse material, publicado em agosto de 2015 Journal of Toxicology and Environmental Health, Part A: Current Issues comprovou, através de coleta de leite materno de 20 mães, usuárias ou não de adoçantes artificiais, a presença de sacarina, sucralose e acessulfame em 65% das amostras.
Interessante ressaltar que 66% dessas nutrizes não estavam fazendo uso de adoçantes artificiais e também apresentaram níveis que foram detectados no leite materno, mostrando o desconhecimento da presença de adoçantes artificiais em bebidas e alimentos de seu consumo.
Ainda não há estudos que concluam a influência da presença desses adoçantes nos bebês.
No Brasil, a taxa de partos por cesariana é muito alta, atingindo níveis de 85 a 95% em muitos hospitais da rede privada. É sabido que a flora bacteriana que coloniza o intestino de recém-nascidos que nasceram de parto normal (bifidobactérias e lactobacilos), que é a mais próxima do ideal, é diferente das crianças que nasceram por parto cirúrgico (abdominal).
Se o uso contínuo de adoçantes artificias causa alterações de flora bacteriana dos adultos, já estabelecida durante sua vida, dá para supor a influência dessa prática quando, através do leite materno, o recém-nascido recebe essa influência e, se nasceu de parto cirúrgico (cesariana), tem grande chance de ter desenvolvimento e alteração de sua microbiota.
Isso não é para provocar maior índice de desmame e convencer as mães a não amamentarem por usarem adoçantes artificiais e sim para alertar os obstetras e pediatras sobre a importância da abordagem desse tema durante as consultas de pré-natal.
Próximos passos:
1) Estudo sobre a influência do adoçante que passa pelo leite materno na microbiota intestinal do lactente.
2) Estudo sobre a passagem de adoçantes para o feto durante a gestação, quer seja pela sua presença no líquido amniótico, quer seja pela passagem através do cordão umbilical.
Fala sério. É ou não é um “Samba do Crioulo Doido”?
Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545