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Obesidade infantil: por que 33% das crianças brasileiras pesam mais do que devem?

Do portal SEGS

As respostas envolvem a indústria, a publicidade, o governo e a sociedade de modo geral

por Marcia Wirth

24/02/2016

Nossa abordagem sobre a obesidade, que tem prevalecido ao longo de décadas, poderia estar fundamentalmente errada? Há mais de 40 anos, estamos dizendo as mesmas coisas para os pacientes com sobrepeso e obesos (e suas famílias): se você comer muito, não se exercitar o suficiente, terá sobrepeso, obesidade, diabetes e morrerá… Só que esse discurso não está ajudando muito as pessoas, as coisas estão piorando muito, e em escala mundial.

“Hoje, me surpreendi, ao ler uma das notícias mais chocantes sobre obesidade dos últimos tempos. Uma menina americana de três anos de idade foi diagnosticada com diabetes tipo 2 - uma condição associada à obesidade - fazendo dela uma das pessoas mais jovens já detectadas com a doença. O diabetes tipo 2, quando comecei a clinicar, era conhecido como o ‘diabetes de adulto’, porque era mais comum entre os adultos e idosos. Mas nas duas últimas décadas, milhares de crianças e adolescentes em todo o mundo desenvolveram essa forma da doença devido à má alimentação e à falta de exercícios. Os detalhes do caso da garotinha foram apresentados durante o último congresso da Associação Europeia para o Estudo de Diabetes. O endocrinologista americano Michael Yafi foi o responsável pela apresentação do caso”, afirma o pediatra e homeopata Moises Chencinski (CRM-SP 36.349).

Como não há registros globais sobre a incidência do diabetes tipo 2 em pacientes tão jovens, não é possível dizer definitivamente que a menina é a paciente mais jovem com essa condição no mundo, mas nenhum outro pesquisador presente ao evento conseguiu apontar outro caso relatado ou diagnosticado.

A criança do estudo era latina, vivendo nos EUA. Segundo o pesquisador, seus principais sintomas eram micção e sede excessivas, embora seu histórico médico fosse normal. Os exames revelaram que ela tinha níveis de açúcar no sangue muito altos, mas testou negativo para anticorpos que teriam sinalizado diabetes tipo 1, a versão autoimune da doença, que é geralmente diagnosticada na infância, quando o corpo não produz insulina. A menina foi colocada em uma dieta e recebeu uma versão líquida do medicamento metformina, uma vez que ela tinha dificuldade para engolir comprimidos. Depois de seis meses, ela tinha perdido peso e foi capaz de parar o tratamento com as drogas para diabetes. O caso mostra que o diabetes tipo 2 pode ser revertido em crianças através de diagnóstico precoce, terapia apropriada e mudanças no estilo de vida.

Um estudo publicado no New England Journal of Medicine descobriu que os medicamentos utilizados para manter a glicemia sob controle em crianças e adolescentes (10 a 17 anos) não funcionam e nem mesmo as recomendações gerais de mudanças no estilo de vida são de muita ajuda para tratar o diabetes tipo 2 nessa faixa etária. Além disso, a doença é mais rapidamente progressiva e agressiva em crianças.

Taxas que aumentam todos os dias

De acordo com o Ministério da Saúde, os números revelam que uma em cada três crianças na faixa etária entre 5 e 9 anos (33,5%) está acima do peso. Entre os meninos dessa faixa, 16,6% são obesos, contra 11,8% das meninas. Entre os adultos, o excesso de peso atinge 52,5% da população do país. Também chama atenção a proporção de pessoas obesas com mais de 18 anos: 17,9%. Esse percentual não sofreu alteração nos últimos anos.

Atualmente, mais de um terço dos adultos americanos são obesos, e agora, um novo relatório mostra que as crianças e adolescentes não ficam muito atrás. O relatório dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças mostra que 17,5% das crianças e adolescentes com idades entre 3-19 anos estão obesos. Os dados contrastam com a taxa de obesidade no final de 1970, que era de 5,6%.

“De acordo com o relatório americano, um importante fator que contribui para a elevada prevalência de obesidade infantil é o açúcar na dieta das pessoas. Em populações de baixa renda, especialmente, alimentos açucarados tendem a ser introduzidos nas dietas das crianças muito cedo. Bebidas doces também são fontes significativas de açúcar”, afirma o médico, membro do Departamento de Pediatria Ambulatorial e Cuidados Primários da Sociedade de Pediatria de São Paulo.

A Academia Americana de Pediatria divulgou recentemente novas orientações para os pais para ajudar a prevenir a obesidade infantil antes que ela apareça. Além de recomendar a ingestão de alimentos saudáveis ​​em casa, as dicas incluem limitar o tempo de tela das crianças e ter a certeza de que as crianças dormem o suficiente para o seu desenvolvimento.


Obesidade

O temido tempo de tela

Um novo estudo descobriu que crianças no jardim de infância e no ensino fundamental que assistem pelo menos 60 minutos de televisão por dia são mais propensas à obesidade e ao sobrepeso em comparação às menos expostas à TV.

Atualmente, a Academia Americana de Pediatria recomenda um tempo máximo de tela de duas horas diárias, mas este estudo sugere que as crianças devem ficar expostas a no máximo uma hora de TV por dia. Os investigadores não encontraram uma correlação entre o uso do computador pelas crianças e o excesso de peso.

Muitas pesquisas já associaram muitas horas de televisão ​​com pessoas mais pesadas nos 30 anos seguintes. Um estudo publicado em 1985 examinou crianças de 6-11 anos e concluiu que "engordamos nossas crianças na frente da televisão." Estudos têm consistentemente encontrado uma correlação positiva entre horas passadas em frente à TV e o sobrepeso.

“Embora o estudo atual não tenha investigado como a TV contribui para o ganho de peso, estudos anteriores indicaram que a exposição aos anúncios publicitários pode ser um fator que contribui para essa situação. Em 2013, um estudo com crianças mais velhas sobre obesidade e hábitos de mídia descobriu que prestar atenção a programas de televisão tem um impacto muito maior no peso do que qualquer outro uso de mídia, como computador ou videogame. Esses pesquisadores teorizaram que os comerciais podem influenciar na preferência por bebidas açucaradas e alimentos não saudáveis ​​– com a compra de tempo de anúncio durante desenhos animados. Eles também sugeriram que a visualização de TV contribui para o hábito de lanchar na frente da tela, sem prestar atenção no que está sendo ingerido”, conta Chencinski.

Outros estudos descobriram que as crianças que têm um aparelho de televisão no seu quarto são mais propensas a apresentar excesso de peso do que aquelas que não possuem o eletrodoméstico dentro do quarto.  A resposta - limitar o tempo diante da televisão - parece evidente, mas pode ser mais fácil dizer do que fazer: uma estimativa recente descobriu que a família média americana tem 10 telas em casa.

Inação paterna baseada na percepção equivocada

“Outro problema com o qual me deparo com frequência, quando o assunto é obesidade, tem sido cada vez mais tema de estudos: a inação paterna baseada na percepção equivocada sobre o peso da criança. Tomar medidas para melhorar a dieta e a atividade física, durante a infância, pode ajudar a criança a evitar uma vida de excesso de peso ou obesidade. Mas como é possível tomar uma atitude se o problema não é reconhecido?”, questiona o pediatra.

Muitos pais não percebem quando seus filhos estão acima do peso e por isso eles não conseguem ajudar as crianças, sugere um estudo australiano. Quando os pesquisadores perguntaram aos pais a altura e o peso das crianças, os resultados sugerem que cerca de 16% das crianças estavam acima do peso e 6% eram obesos. Mas quando os pais foram questionados se o peso do seu filho era saudável ou não, apenas 8% disseram que tinham crianças com sobrepeso e somente 0,2% relataram ter uma criança obesa.

“Os pais que não reconhecem o problema de peso em seus filhos são menos propensos a tomar medidas destinadas a resolver o problema. Concordo que alguém que reconhece que seu filho está acima do peso pode não estar disposto a dizer isso, mesmo em uma pesquisa anônima. Mas parte do problema pode ser que eles estejam preocupados em não ficarem marcados como ‘maus pais’. Além disso, os pais de crianças com excesso de peso esperam sempre uma fórmula mágica: que seu filho vá crescer e a obesidade vá desaparecer...”, conta Moises Chencinski.

E é mais difícil para as mães admitir o excesso de peso dos filhos. Elas estão mais dispostas a reconhecer a própria obesidade do que admitir a obesidade do filho, o que pode prejudicar a criança na obtenção de ajuda para perder peso, dizem os pesquisadores.

Uma equipe de pesquisadores irlandeses analisou dados de uma amostra nacional de cerca de 8.000 mães e seus filhos de 9 anos de idade. As mães eram, em sua maioria, honestas e precisas na caracterização do próprio peso. Mas apenas 17% das mães de crianças obesas reconheciam que o filho estava "moderadamente" ou "muito" acima do peso.

“Não há como fugir desse tema. Peso deve ser abordado em todas as consultas pediátricas. Discussões abertas e honestas entre o pediatra e os pais sobre o peso da criança devem ser incentivadas juntamente com estratégias práticas para ajudar a família a manter um peso saudável”, defende o médico.

Obesidade infantil: ainda uma epidemia. Vamos encarar?

 

Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545