Do site UOL - Equilíbrio e Saúde
Não espere fórmulas mágicas para fazer as crianças comerem mais: no livro "Meu Filho Não Come", lançado neste mês no Brasil pela Editora Timo, o pediatra catalão Carlos Gonzáles, 56, tenta mostrar que não são os filhos que comem pouco, mas os pais que têm expectativas exageradas.
por Fabiana Futema
22/11/2016
Médico popstar Carlos Gonzales fez legião de fãs com suas
ideias heterodoxas sobre a criação de filhos
A queixa é comum nos consultórios, mas, se ela procedesse, não haveria epidemia de obesidade, diz o médico.
"Os pais têm ideias absurdas. Todas as crianças comem o que necessitam se houver comida, exceto se estiverem doentes", afirma.
Pai de três filhos, Gonzáles falou em entrevista à Folha sobre necessidades afetivas das crianças, como colo. Em sua opinião –questionada por outros especialistas–, uma criança pode dormir na cama dos pais até a idade em que ela quiser. "Ela vai sair sozinha", diz.
Carlos Gonzáles - Eles estão sempre errados (risos). É muito difícil para alguns pais se acalmarem e não sei o que se pode fazer. Normalmente, quando pedem conselhos ou leem a respeito, não ficam mais tranquilos. Suponho que devem escutar menos os outros e preocuparem-se mais com seus filhos. São eles que têm as respostas.
Hoje em dia o que mais lhes falta é experiência, horas de voo. Não é a mesma coisa estar com seu filho 24 horas ou 12 horas por dia. Aqui em São Paulo vocês passam 8 horas no trabalho e mais quatro no trânsito. Sobram 12 horas, mas ainda têm de dormir 8 horas. Talvez isso explique em parte por que há tantas dúvidas.
Esse risco pode existir nos primeiros meses apenas se os pais fumam, tomam bebida alcoólica ou usam drogas. Se não, não há risco. Se tiverem superado os primeiros meses, podem compartilhar a cama enquanto quiserem.
Também dizem que quem dá muito peito ao bebê o acostuma mal; que, por carregá-lo muito no colo, não caminhará; que se deixá-lo dormir com você, não dormirá nunca sozinho. É mentira! Os meus saíram todos da cama. O problema não é como tirá-los, eles saem sozinhos. Tem que aproveitar enquanto os filhos são pequenos. Quando estiverem com 16 anos, tente esperá-los em frente à escola e veja a cara que fazem.
Mal acostumado a quê? Alguém imagina que um bebê de meses carregado muito tempo no colo continuará no colo quando tiver 6 anos? Nenhum continua no colo. Curioso que essa teoria só funcione para algumas coisas. Ninguém diz para não carregar o bebê no carrinho, para não colocar fraldas porque se acostumarão. É uma estupidez.
Porque os pais têm ideias absurdas sobre o que uma criança necessita comer. Ideias em parte criadas por profissionais que recomendaram quantidades equivocadas. Todas as crianças comem o necessário, se houver oferta. A não ser que estejam doentes.
Os pais ouviram que as crianças precisam comer tantos gramas de cada tipo de comida, quantidades exageradas.
Não se deve obrigá-las a comer nunca na vida, jamais, por nenhum método, em nenhuma circunstância. Não se deve fazer promessas, dar prêmios, ameaçar castigar, fazer comparações nem chantagem emocional.
Os pais devem ter em casa comida saudável e dessa comida os filhos podem comer o que e o quanto quiserem.
Se tem lentilha, frango, alface e banana de sobremesa, a criança pode comer só o frango, só a lentilha ou só a banana. Não tem de provar todos os pratos. Se ela pede um doce e você não quer dar, então não compre.
Por outro lado, se a criança não pede nada é porque ela não quer nada. E as crianças sabem pedir. Mesmo as que não sabem falar. A decisão de dar doce independe dele ter almoçado ou não. E nunca um alimento pode ser prêmio por ter comido outro.
Quando a criança é pequena, sim. Quando tiver seu próprio dinheiro e puder comprar seus doces, aí não será mais possível. Se tem um filho de três anos e não quer que ele beba refrigerante, não compre. Acabou o problema.
São os pais que têm de mudar de vida, devem comprar comida saudável e deixar os filhos em paz. Há gente que equivocadamente pensa que se deixar o filho em paz ele vai comer mais.
Exatamente. Devem comer comida saudável.
Existem aqueles que não comem verdura, mas querem obrigar o filho. Se não come verdura é um sinal de que não é importante. E se não come e agora decidiu começar para dar bom exemplo, a criança vai fazer o mesmo.
Havia um tempo em que diziam para não colocar sal na comida do bebê. Para separar da comida do restante da família. É um erro. A verdade é que faz mais mal ao adulto. Diziam isso porque desejava-se que as próximas gerações se acostumassem com menos sal e menos açúcar, pois a nossa come muito. Mas fracassamos, afinal onde está a geração de jovens que não come sal nem açúcar? O que digo é para preparar a comida com pouco sal e a criança vai comer assim por 30 anos. Porque comer sem sal por um ano e com sal por 29 anos não muda nada.
O problema é que muita coisa que é vendida como light tem praticamente a mesma composição de uma normal. Por que comer uma maionese com menos azeite em vez de reduzir a quantidade da maionese normal? Coma pouco, é melhor do que comer uma coisa que tem gosto ruim. Não acostume uma criança com alimentos e bebidas light, se não ela será acostumada a pensar que tudo é doce. Nem tudo é doce.
Não estou dizendo que não devem nunca dar um doce ou salgadinho. Há coisas que se podem comer todos os dias e outras só de vez em quando. Há coisas para as quais você pode dizer sim, como a um sorvete. Mas se a criança quiser tomar cloro ou uísque, você não vai dar. Você não seria permissivo se fizesse isso, seria um tonto. E não há problema em voltar atrás, em deixar comer depois de dizer que não podia. Governos que não cedem nunca são ditaduras. Não têm mais autoridade porque não cedem nunca. Governos democráticos são os que cedem em coisas que podem ceder e as pessoas respeitam mais. Se quer um sorvete, não deixe ficar chorando por isso. Diga: não sabia que você queria tanto.
É ridículo ignorar. Uma criança não finge que chora, um ator finge. Uma criança quando chora não está fingindo, está chorando. Da mesma forma um cachorro que late não finge estar latindo. Está sofrendo, chora por uma besteira? A você parece uma besteira, a ela não.
Não se pode ignorar o filho justamente quando ele mais precisa de você. Se você não o atende quando chora à noite, quando tiver 15 anos e algum amigo lhe oferecer drogas, ele não vai te procurar.
Muitas ideias de Gonzáles são questionadas por sociedades de pediatria. É o caso da cama compartilhada –bebê que dorme na cama dos pais–, prática não recomendada pela SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria) e pela Academia Americana de Pediatria.
"Uma coisa é a mãe estar deitada descansando, o filho vir brincar e ficar na cama um pouquinho. Dormir, não. Há riscos para a criança", diz João Coriolano Rego Barros, do departamento científico de pediatria do desenvolvimento e comportamento da SBP.
Para o pediatra Moises Chencinski, criador do movimento Eu Apoio Leite Materno, os estudos que ligam o risco de morte súbita à cama compartilhada são insuficientes. "A prática melhora a adesão ao aleitamento e sua continuidade, e ajuda o bebê a dormir melhor", diz. "É uma opção."
Já Barros diz que as crianças são capazes de chorar por manha e ficam mal acostumadas com excessos. "Quem não gosta de colo? Até o adulto, se pudesse, ficaria no colo dois pais a vida toda", diz. "A criança sabe quanto o pai e mãe suportam do choro dela. Às vezes, para não passar vergonha, os pais cedem", afirma ele.
Para Chencinski, é importante discutir e estimular o que é chamado de criação com apego, mesmo sendo difícil colocá-la em prática. "O dia a dia pode determinar uma dificuldade para atingir a plenitude desse tipo de criação", diz.
Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545