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Uma pesquisa realizada pela Secretaria de Atenção à Saúde em 2009 descobriu que somente 41% das crianças com idade menor de seis meses tiveram aleitamento materno exclusivo (AME), e que a duração média da prática foi muito inferior ao recomendado: após 54 dias, a criança era ofertada com outras fontes nutricionais e, em média, o desmame ocorre por volta dos 341 dias, ou seja, 11 meses de vida.
Por Bruna Baddini/RedeTV
11/07/2017
Almoço de domingo, família reunida em volta da mesa do restaurante. Em frente a tanta comida e barulho, a criança chora e pede alento no seio materno. A mãe, pronta e preparada com o alimento de seu seio, desnuda o colo e oferece ao filho fonte inenarrável de nutrientes, anticorpos e toda substância que ele pode necessitar. Não demora e olhares reprovadores recaem sobre a mulher. Um garçom pede que ela vá até o banheiro pois há uma área separada para mães, e outros clientes em volta já se incomodam com a figura semelhante a uma Madonna aleitando sua cria. Comum, a cena se repete e causa constrangimento em mães que precisam amamentar seus filhos diariamente.
A recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), bem como a do Ministério da Saúde, é de que o aleitamento materno exclusivo seja feito desde a sala de parto até o sexto mês de vida da criança e, a partir de então, mantido ao menos até os dois anos. Mas a realidade nacional é outra.
Uma pesquisa realizada pela Secretaria de Atenção à Saúde em 2009 descobriu que somente 41% das crianças com idade menor de seis meses tiveram aleitamento materno exclusivo (AME), e que a duração média da prática foi muito inferior ao recomendado: após 54 dias, a criança era ofertada com outras fontes nutricionais e, em média, o desmame ocorre por volta dos 341 dias, ou seja, 11 meses de vida.
Embora tenha números distantes do recomendado, o cenário brasileiro já foi pior. Em apenas nove anos, entre 1999 e 2008, a prevalência do aleitamento materno em infantes com idade entre nove e 12 meses saltou de 42,4% para 58,7%.
A realidade que permeia as estatísticas pode ser tão complexa quanto a própria dificuldade em manter a amamentação. Não se trata apenas de obrigar mães a darem o leite do seio, a confusão em relação ao aleitamento materno parte, também, dos consultórios médicos e ambientes sociais. É o que explica a psicóloga Maria Fernanda Ayres Nogueira, pós-graduação em Psicologia, Perinatalidade e Parentalidade do Instituto Gerar.
"A amamentação, assim como outros aspectos da reprodução humana, nunca foi apenas do interesse do bebê e de sua família. Esse assunto sempre foi permeado por questões sociais, culturais e políticas. No geral, as mães são julgadas quando um bebê pequeno toma mamadeira e também relatam ser julgadas quando, sob qualquer circunstância, amamentam em público ou quando se trata de amamentar uma criança maior", afirma a Dra. Maria Fernanda, que completa: "Veja bem: espera-se o que dessa mulher? É difícil corresponder às expectativas sociais, até porque, às vezes, elas vêm de lados opostos. 'Não amamentou porque não se esforçou, o leite materno é o melhor para o bebê', 'Seu leite é fraco, você não produz o suficiente, melhor dar complemento', 'Não precisa mais dar peito para essa criança, ele já come de tudo, vai causar dependência emocional', entre outras falas".
Os interesses que permeiam a opinião social acerca da prática podem ir muito além da preocupação com a criança. Eles, muitas vezes, estão apoiados em paradigmas sociais relativos ao corpo feminino. "As mamas da mulher tem uma conotação sexual e são uma parte do corpo com grande potencial erógeno. Há quem as veja somente com esse olhar sexualizado e há quem negue completamente esse aspecto, focando apenas na parte nutricional. É muito difícil juntar na figura da 'mãe', um ser que cuida de seus filhos e também tem vida sexual ativa e prazer. É uma romantização que inclusive prejudica as mulheres na adaptação à maternidade. Essa divisão também explica porque é tão mais fácil ver mamas de fora no Carnaval, quando o que se mostra não são mães alimentando crianças, mas sim mulheres em contexto sexualizado", explica a especialista.
O julgamento a qual mães são expostas torna-se ainda mais incisivo quando a criança amamentada já não é bebê e entrou na fase nutricional na qual outros grupos alimentares são apresentados. A partir dos dois anos, quando o leite materno já passa a ser alimento complementar, caracteriza-se a amamentação prolongada, torna-se escolha da mãe e do filho, que já tem certo nível de consciência, quando ocorrerá o desmame.
"A questão de amamentar uma criança maiorzinha tem mais relação com o controle sobre o corpo da mulher e com a maneira que ela e o bebê escolhem vivenciar essa fase do que com a idade em si. Em nossa sociedade, por questões culturais, não é tão comum ver crianças maiores de dois anos sendo amamentadas, e isso pode causar estranhamento. Mas o problema é que as pessoas se sentem autorizadas a emitir opiniões a respeito, inclusive pedindo para mães não amamentarem em locais públicos 'para não constranger as outras pessoas'", completa a médica.
Apenas quatro entre 10 crianças são amamentadas exclusivamente com leite materno no Brasil até os seis meses. O número torna-se ainda mais escasso quando se analisa a situação do aleitamento materno em crianças a partir de dois anos.
Apesar dos dados, não é incomum ouvir de avós história de crianças que foram amamentadas até os sete anos. A mudança drástica no hábito pode ser explicada, em parte, pelo forte surgimento de campanhas e fórmulas, amplamente propagandeadas na década de 70, de leites consideráveis "maternizados", um substituto ao leite materno.
Os suplementos, embora nutricionais, não oferecem um dos mais importantes componentes do leite materno: os anticorpos. Segundo o Dr. Moises Chencinski, presidente do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP), o leite produzido no seio da mãe é superior a qualquer outro para suprir as necessidades alimentares e imunológica.
"O leite materno é a primeira vacina que recebemos quando nascemos e continua nos fornecendo anticorpos e nutrientes por toda amamentação. Quando você espera que até o sexto mês o alimento supra toda a necessidade da criança, entre o sexto mês e um ano, ele já precisa de alguns complementos. Sozinho ele não nutre tudo, mas continua sendo o alimento principal. Após um ano, a criança passa a ter a necessidade de outras fontes. Não dá para colocar na conta do aleitamento materno tudo aquilo que a criança precisa de nutrição, mas temos dentro do leite materno quantidades significativas de vitamina C e A, proteínas, carboidrato e, outra coisa que nenhum outro leite fornece, os anticorpos".
Além da ingestão do alimento, a amamentação é essencial para a manutenção da saúde do bebê em caso de doenças como resfriados, gripes ou viroses. Através do contato da saliva do filho com o mamilo são passadas para a mãe informações sobre o quadro da criança, que produzirá anticorpos adequados para combater aquele quadro em especial. Mas a relação mãe e filho desenvolvida a partir da amamentação não para por aí.
"O ato de amamentar favorece a proteção de cáries até os dois anos de idade e ajuda no desenvolvimento da arcada dentária e da respiração. Para essa criança, ela favorecerá também a aquisição de uma alimentação adequada, respiração adequada e desenvolvimento da fala. A gente está falando de benefícios nutricionais e imunológicos, mas vai muito além disso. Existe um vínculo que é tanto de ida do bebê para mãe, quanto da mãe para o bebê. Esse vínculo é fundamental para que essa criança tenha segurança e saiba que na próxima fase que se aproxima ela terá que ir sozinha, mas se precisar [a mãe] está aqui", esclarece o médico.
Além dos benefícios para a saúde da criança, o aleitamento traz melhorias para a saúde física e mental da mãe. Produzidos no início da amamentação, o hormônio prolactina, que faz a produção do leite, e ocitocina, que faz a ejeção do leite, ajudam o útero voltar ao tamanho normal de forma mais rápida após a gestação.
"Estudos que mostram que a amamentação favorece a volta do peso ao normal de antes da gravidez, previne contra o câncer de mama, ovário e colo de útero. Existe também a questão da maternagem, do cuidado com o bebê. A mãe fica favoravelmente mais cuidadora do filho", explica Chencinski.
Escolher como continuar amamentando os filhos após os dois anos mínimos recomendados pela Organização Mundial da Saúde é um capítulo crucial para algumas mães. A questão de como conciliar na rotina o momento do mamar com a creche e outros compromissos diários causa questionamentos na relação familiar.
Mãe dos gêmeos Matheus e Mariana, de dois anos e quatro meses, Dayse Gripa, facilitadora do aleitamento materno do blog "O poder de AMAmentar", é adepta do que chama de livre demanda e sempre que os filhos solicitam os seios, ela os oferece. Segundo ela, o processo permite que não haja estresses na alimentação e facilita a continuação da amamentação.
"Amamento em livre demanda. Dia ou noite. Sempre foi assim. A maioria das mães que amamentam após os dois anos regula os horários, ou dá apenas para dormir. Aqui é liberado. Eles mudam o padrão de mamadas sempre. A cada fase, pico de crescimento, salto de desenvolvimento, dentes, vacinas, viroses (que tiveram apenas 3 vezes nesses dois anos e sempre leves). Aos 6 meses com a introdução alimentar eles continuaram mamando e a fase de experimentação dos alimentos passou dos 12 meses. Só com 13, 15 meses que passaram a comer quantidades maiores de comida. E o peito seguiu sendo o principal alimento nessa fase. Agora comem super bem, somos vegetarianos, buscamos uma alimentação saudável, e o peito é parte importante da nutrição deles hoje”, contou Dayse ao portal da RedeTV!.
Mas a escolha nem sempre é fácil para todas as mulheres. Érica Sousa, mãe da pequena Sophia, de um ano e sete meses, decidiu sair do trabalho para se dedicar melhor à filha. "Depois dos quatro meses eu ia voltar a trabalhar, mas conversando com a pediatra resolvi sair do serviço para cuidar da Sophia e para amamentar. É um vínculo muito bonito, foi assim desde o começo. A primeira vez que amamentei, achei que nem teria leite", relatou, revelando ainda ter enfrentando olhares tortos quando precisava dar de mamar. "Desde o começo, eu sou sempre fui muito tímida, então não gostava de amamentar em público. Ia amamentar no quarto para ninguém ver, mas mesmo assim alguém via e era muito ruim", completou.
O fim da amamentação, para especialistas, deve ser decidido exclusivamente pela mãe e o filho. De acordo com o Dr. Moises Chencinski, o desmame não deve ser forçado. "Está existindo uma conscientização da importância do aleitamento materno por mais tempo. O desmame natural não depende de idade. O momento de parar de amamentar é quando a dupla, mãe e bebê, acha que chegou a hora. São eles que determinam o prazo final da amamentação", alerta.
Segundo o médico, a própria criança demonstrará as necessidades de mudança de fase: "Pode acontecer mais cedo ou mais tarde, mas a nossa perspectiva é que ocorra a partir dos dois anos para frente. Ela trocará o vínculo da amamentação por outro que, para ela, seja suficiente para que consiga crescer e desenvolver-se adequadamente".
E para as mães que estão considerando a amamentação prolongada, mas não se sentem totalmente a vontade ainda com a ideia, Dayse oferece um conselho valioso: "É super possível manter a amamentação prolongada, mesmo que com uma demanda reduzida, pela mãe trabalhar fora ou quando bebês vão para creche. O leite materno sempre será perfeito, ele é vivo e mutável, cada fase do bebê o leite é diferente. Se uma pessoa espirrar numa sala onde uma mãe está amamentando seu bebê, na próxima mamada seu leite já terá anticorpos para o vírus específico daquele espirro. Pretendo chegar a um desmame natural [com o Matheus e a Mariana]. Quando os próprios bebês decidem quando não mais querem mamar. Estamos caminhando bem nesse sentido. Sem pressa."
Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545