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Amor de pai é fundamental desde a gestação

Do site da Revista Crescer

Quem sabe cuidar melhor das crianças, a mãe ou o pai? Os dois, claro, e cada um à sua maneira. Saiba por que a figura paterna é imprescindível para a criação de filhos mais resilientes, criativos e felizes

por Rita Lisauskas

20/10/2017

Quando ficou grávida pela primeira vez, a jornalista Bruna Saniele, 35 anos, mãe de Ana Sílvia, 3, e Lucas, 1, não viu necessidade de que o marido participasse dos ultrassons e das primeiras consultas. “Eu não pedia para ele mudar o horário de trabalho ou sair mais cedo para me acompanhar. Eu ia sozinha numa boa, porque encarava esses momentos como algo entre mim e o meu bebê”, conta. O marido de Bruna, o também jornalista Tadeu Meninconi, 31, não se ressentiu por não ter sido “convidado” a participar de momentos como esses na gestação da filha. “Sei que a gravidez é uma coisa mágica, mas também muito difícil. Eu tentava dar espaço para ela, estando presente, mas sem sufocar”, conta.

Esse comportamento de Bruna é normal e tem explicação, como diz a psicanalista Thaís Garrafa, supervisora da Clínica do Instituto Gerar (SP), especializado em atendimento e pesquisa sobre perinatalidade e parentalidade: “A vontade de se isolar é comum para algumas grávidas. Ela começa a construir um espaço para o bebê na vida dela. Então, inevitavelmente, tira o ‘investimento’ que faz nas outras coisas do mundo, vai se recolhendo e pensando na mãe que quer ser, que família quer ter”.

DESDE A GRAVIDEZ, SIM!

A atitude, no entanto, embora esperada, não deveria excluir o pai, diz a psicóloga e escritora Elizabeth Monteiro, autora do livro Cadê o Pai dessa Criança? (Summus Editorial). Para ela, mesmo a gestação parecendo ser um período quase exclusivo da mulher, o homem tem que ser chamado para todos os preparativos que envolvem a chegada do filho, para que não tenha dificuldade de “entrar no papel de pai”. “Ele tem que participar. Muitas vezes, se abstém porque aprendeu que sua presença não é importante e a mulher prefere a companhia da própria mãe na gestação, por exemplo. Mas ele deve ser trazido para perto porque o vínculo com o bebê começa a ser construído ainda na gravidez”, garante.

Incluir o pai em todas as etapas da gestação, segundo o pediatra Moisés Chencinski, presidente do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SP), faz com que o homem entenda uma das máximas da paternidade: a de que o pai não ajuda. Cria junto. “O homem precisa entender desde cedo que vai compartilhar todas as tarefas e também as decisões sobre esse bebê que vai nascer. Que não é provedor. E sim corresponsável por essa criança”, afirma.

E não são apenas as mulheres que, muitas vezes, entendem a gestação como um período que só diz respeito a elas. Os futuros pais são vistos como coadjuvantes inclusive pelo sistema de saúde. A enfermeira obstétrica e doutora em Ciências pela USP, Adriana Manganiello, que trabalhou por muitos anos no SUS, observava como era baixa a adesão deles às consultas de pré-natal. “Ao abordar essa questão com as gestantes e seus parceiros, a alegação que me davam era que gravidez era ‘coisa de mulher’”, conta. Diante dessa realidade, ela e outras colegas enfermeiras criaram uma cartilha educativa direcionada aos homens, focada nas reais necessidades dos pais que vivenciam o processo da gravidez, parto, puerpério e cuidados com o bebê. Nasceu assim a Orgulho de Pai, disponível gratuitamente pela internet. “A inserção do homem na gestação é uma recomendação antiga da Organização Mundial da Saúde (OMS). É importante que o pai não seja visto como um elemento acessório, mas, sim, como um dos protagonistas desse processo. Assim, terá melhores condições em compreender seu novo papel, as alterações físicas e emocionais de sua parceira, as mudanças na vida conjugal e na dinâmica familiar”, completa.

Justamente com o intuito de incluir ainda mais o pai na gestação, a equipe do ginecologista e obstetra Caio Prado criou o “pré-natal do pai”, no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (SP), onde o especialista faz atendimentos. Os homens são convidados a participar de todos os ultrassons e consultas da companheira. Também realizam exames, como as gestantes, para que estejam com a saúde em dia para quando o bebê chegar. Mas o objetivo, segundo o obstetra, não é somente cuidar da saúde dele e sim engajá-lo e prepará-lo para o nascimento do filho. “Eles acabam se sentindo parte da gravidez, tiram suas próprias dúvidas e até ajudam as gestantes a seguir o pré-natal corretamente. Com o pai inserido e participativo, ambos se sentem seguros e preparados para o parto”, afirma Prado.

SEMPRE PERTO

Se ao longo dos nove meses ter o futuro pai por perto é tão importante para ele mesmo, para o bebê e para a mãe, depois seu papel torna-se ainda mais relevante. Apesar de, nos primeiros meses, o bebê parecer só interessado nos peitos cheios de leite da mãe, até para que tudo corra bem na amamentação, a presença do companheiro faz toda a diferença, como mostrou um estudo conduzido pela Cleveland Clinic Foundation (EUA). A autora da pesquisa, a pediatra norte-americana Heidi Littman, ouviu cerca de 115 mães durante o puerpério e descobriu que 98,1% das que amamentavam tinham maridos presentes e que apoiavam a amamentação, enquanto apenas 26,9% das mulheres cujos maridos não apoiavam a prática ou eram indiferentes amamentavam os filhos. De acordo com Chencinski, o pai é de fato peça-chave para que a amamentação “engrene”. “Estar junto da mulher que amamenta, ajudando-a com todas as tarefas, é fundamental para o sucesso desse processo”, diz.

Prova disso é a médica e cantora Júlia Rocha, 34. Ela conta que a parceria e a dedicação do marido, o administrador Átila Barbosa, 32, tem sido essencial para conseguir amamentar a filha, Gabriela, 5 meses. “Ele mesmo encontrou uma solução para que eu possa descansar mais. Coloca a Gabi no berço e passa a noite com ela, dormindo na cama ao lado. E só me traz a bebê quando ela quer mamar. Assim, consigo descansar à noite”, diz. Além de uma esposa mais disposta, com menos olheiras e mais feliz, o pai ganhou uma filha superconectada com ele. “Algumas vezes, ela só para de chorar no colo do pai”, diz Júlia, orgulhosa, dizendo que, embora a cantora da casa seja ela, as músicas de ninar de Átila são as preferidas de Gabi. E isso tem comprovação: “Estudos mostram que a voz mais grave do pai acalma a criança. Então ele deve cantar, embalar e conversar com o filho”, afirma Elizabeth Monteiro.

Para reforçar a influência paterna no desenvolvimento das crianças, pesquisadores da Imperial College London, King’s College London e Universidade de Oxford (Reino Unido) acompanharam a interação entre 128 pais e seus filhos em dois momentos: quando as crianças tinham 3 meses e após completarem 2 anos. No primeiro caso, os pais ficaram com os bebês sem brinquedos ou qualquer outra distração em cima de um tapete. Na segunda ocasião, leram para eles. O comportamento dos homens foi analisado de acordo com a qualidade da interação que tiveram com as crianças. O resultado do estudo mostrou que filhos de pais mais envolvidos se saíram melhor em testes cognitivos, nos quais precisavam reconhecer formas e cores.

Mas mesmo o pai reconhecendo o quão fundamental é seu papel e a vontade dele em fazer tudo pelo filho, nem tudo são flores. O servidor público federal Rogério Macedo, 46, pediu um mês de férias quando a licença-maternidade da esposa, a comissária de bordo Michelle Grandi, 41, chegou ao fim. Ele queria que a mulher voltasse tranquila ao trabalho, sabendo que Guilherme, que hoje já tem 11 anos, estava sendo cuidado pelo pai. “Depois de uns três dias cuidando do bebê, encontrei-o desesperado, repetindo: ‘Isso não é trabalho de homem! Isso não é trabalho de homem!’”, lembra Michelle. Rogério confessa que não tinha noção de quanto uma criança demandava. “Eu nunca fui preparado para ser pai”, desabafa. Aos poucos, foi aprendendo a dividir as tarefas com a esposa e, quando a caçula do casal, Laura, 6, nasceu, todo o estranhamento sobre suas funções de pai tinham passado. “Quando a Laura chegou, a ‘chavinha’ já tinha virado”, brinca.

A doutora em Ciências Sociais, Tatiana Amendola Sanches, professora da ESPM e da Faap (SP), lembra que não existe “trabalho de homem” ou “trabalho de mulher” também quando o assunto é cuidar de filhos. Segundo ela, a confusão sobre esses papéis começa ainda na infância, com a separação entre brincadeiras de menino e de menina. “Os brinquedos para eles são aqueles relacionados à violência, velocidade e aventura. Os de menina, às tarefas do lar. Desde criança, ela é estimulada a acreditar que esse é o papel dela, e não dele. E isso não é natural”, afirma.

DO JEITO DELE

Enquanto alguns homens não têm naturalidade com a divisão de tarefas, ou até o fazem com estranhamento, há aqueles que desejam (e muito!) exercer seu papel de pai e “dono de casa”, mas se sentem repelidos pelas companheiras que, direta ou indiretamente, afirmam que “levam mais jeito” do que eles. “Algumas mulheres sentem ciúme ou são muito perfeccionistas, dizem que o homem não sabe fazer nada direito e o afastam”, afirma a psicóloga Elizabeth. “Ouço muito essa reclamação em consultório e sempre aconselho às mulheres a deixar esse pai fazer as coisas da maneira dele. Não existe ‘jeito certo’ ou ‘errado’ de cuidar de um filho ou de uma casa, como muitos acreditam”, completa.

A advogada Luciana Santos, 37, mãe de Catharina, 3 anos e 11 meses, e Helena, 1 ano e 11 meses, confessa que dava pouco espaço para o pai das meninas por acreditar que ele não executava as coisas da maneira correta. “Meu marido sempre reclamava que eu não aceitava como ele cuidava delas. Depois de muitas brigas vi que, de fato, ele tinha razão”, conta. Ao dividir as tarefas com ele, Luciana teve tempo, inclusive, para voltar à ginástica, uma de suas paixões. E confessa que as filhas estão mais felizes agora que estão também aos cuidados do pai.

Para a psicóloga Elizabeth, o melhor a ser feito para evitar conflitos por causa da divisão de tarefas (além de entender que cada um tem seu jeito para executá-las), é o casal combinar, no dia a dia, quem vai fazer o quê. “Quem vai dar banho hoje? E quem vai fazer a comida? É preciso entrar em acordo, para que não fique pesado para ninguém”, recomenda. A psicanalista Thaís Garrafa complementa afirmando que o importante é que pais e mães escolham as tarefas que dão mais prazer e não o que a sociedade espera que façam. “Assim estarão mais à vontade”, afirma. Tudo bem ele ficar responsável pelas refeições da família, se a mulher não tem tanta habilidade na cozinha, e ela auxiliar as crianças nas tarefas de casa, por exemplo. Se as demandas forem divididas sem que as questões de gênero atrapalhem, a criança vai aprender, de quebra, que meninos e meninas podem fazer de tudo um pouco e um pouco de tudo.

Exemplo disso é o advogado Fernando Gurjão Sampaio, 39. Não é incomum encontrá-lo na cozinha fazendo almoço, na reunião da escola de um dos quatro filhos ou, simplesmente brincando com a caçula, Íris, 1 ano e 1 mês. Como não era pai de primeira viagem quando a única filha dele com a produtora cultural Lívia Condurú, 32, nasceu, arregaçou as mangas e foi o responsável pelos primeiros banhos, pelas trocas de fraldas e até por cortar as unhas da bebê, um dos grandes temores de Lívia – ela, sim, uma novata quando o assunto eram os cuidados com a filha. A conexão de Fernando com a bebê nunca deixou Lívia enciumada, pelo contrário. “Eu acho fantástica a parceria que eles têm”, conta. “Sofri muito com a ausência do meu pai biológico e tenho certeza de que ela não vai, nem de longe, viver o sentimento de rejeição que me acompanhou durante a primeira infância. Na minha presença, ou na minha ausência, minha filha sempre sentirá que tem um cara que a admira”, diz.

EM TEMPO INTEGRAL

Com essa mudança de perspectivas sobre a paternidade, cada vez mais os homens têm ido além e abraçado fortemente os cuidados com os filhos optando, inclusive, por mudar seu estilo de vida por eles. A enfermeira Maria Eugênia Mao, 36, conta que o ex-marido, o advogado Edgard Suenaga, 39, a surpreendeu positivamente como parceiro e como pai. Além de adotar sua filha mais velha, Maria Fernanda, 16, ele sempre assumia todas as tarefas com ela e a caçula, Maria Eduarda, 11, filha dos dois, enquanto ela fazia plantões puxados no hospital. Suenaga conta que era comum vê-lo nos fóruns, onde sempre ia para checar o andamento de processos dos clientes, com as meninas a tiracolo. “Como sempre tive horários flexíveis era eu quem as levava para a escola e as buscava. Ia trabalhar de terno e aquela bolsa de bebê cheia de fraldas e mamadeira”. E, mesmo com a separação do casal, ele ainda é protagonista na vida das filhas. “Sou o cara que encomenda bolo para as festas da escola e que corre para o supermercado quando falta algum item na lancheira”, conta, orgulhoso.

Já Eduardo Silva, 41, decidiu largar tudo para ser pai em tempo integral. Quando a esposa, a analista de mídias sociais Glauciane Monteiro Nunes, 35, engravidou, ele falou dessa vontade de deixar de lado um trabalho na indústria metalúrgica que, há tempos, não o fazia mais feliz. O que era desejo virou certeza quando Joaquim, hoje com 8 meses, nasceu. “Quando eu vi a carinha dele percebi que não poderia deixar passar a chance de cuidar do meu filho o tempo todo”, conta.

Desde então, Eduardo faz almoço, faxina, cuida das roupas da família, vai ao mercado, leva os enteados (os dois filhos do primeiro casamento de Glauciane) para a escola e para o futebol e, claro, dedica-se ao caçula, que vai para o colo da mãe, que trabalha em casa, apenas para mamar. A hora do arroto, da fralda, da cólica, do banho é com ele. O que responde quando perguntam sobre sua profissão? “Digo que sou pai em tempo integral. Muitos homens do meu convívio assumem que têm vontade de fazer o mesmo”, conta.

Mas nem sempre foi assim. Eduardo confessa que, no início, falava que trabalhava em home office. Depois, relaxou, e assumiu para todos que desistiu da profissão para cuidar do filho. Glauciane diz que sente muito orgulho do marido, mas que chegou até a procurar terapia para entender a nova organização familiar. “Foi difícil no começo aceitar que ele não tinha renda e que eu era responsável por tudo. A gente tem em mente que o papel do homem é o de provedor, mas entendi que não importa de onde vem o dinheiro, e sim que ele venha”, diz.

Desconstruir papéis tão tradicionais – como o do homem como o principal responsável pelo sustento da casa e o da mulher que até trabalha fora mas é a principal responsável pela casa e o cuidado com os filhos – não é tarefa fácil. “Às vezes não é simples perceber que estamos construindo uma sociedade onde os homens não estão mais no lugar de garantir a segurança máxima da casa e as mulheres não estão sozinhas no cuidar. Temos uma geração que está vivendo algo bem diferente em relação às expectativas gerais, fazendo uma transição importante do papel do pai. Os homens de hoje têm espaço para serem diferentes do que os próprios pais foram. Ainda bem”, diz Thaís Garrafa. Com esse movimento, todos ganham: mães, pais, filhos e sociedade.

O BOM DE SER DIFERENTE

Nas redes sociais, vários memes mostram crianças bem arrumadas, comportadas e bem alimentadas sob os cuidados da mãe e com roupas descombinadas, comendo besteiras e correndo perigo quando estão com o pai. Apesar de a brincadeira ser alimentada pelo senso comum, é sabido que a situação não é bem assim e que “existem homens mais sensíveis e mães distraídas e despreocupadas”, como diz a psicóloga e neuropsicóloga Edyleine Benczik, coordenadora do curso de Psicologia da Faculdade São Roque (SP).

Estereótipo derrubado, engana-se quem pensa que essa eventual diferença entre pais e mães é ruim. A dupla está fazendo, mesmo inconscientemente, um ótimo trabalho ao mostrar para o filho que cada pessoa tem um jeito de ser. Segundo a psicóloga Elizabeth Monteiro, crianças que percebem que não existe uma forma só de se vestir, de comer, de brincar, tornam-se mais sociáveis, adaptáveis e criativas, daquelas que sabem trabalhar em equipe. Já a psicanalista Thaís Garrafa lembra que, ao poder deixar uma mãe e seu jeito mais “certinho” em segundo plano abrindo-se para o jeito do pai, a criança amadurece para ser alguém diferente dos dois. “Isso dá lugar para ela se tornar alguém que não vai ser nem como a mãe, nem como o pai. Ela constrói um jeito autêntico, só dela. É como se pensasse: ‘Se existem dois jeitos de ser, podem existir três. Ou quatro’. Ela cresce com uma vida afetiva mais rica”, afirma.

A longo prazo, essa diferença vivenciada pela criança a fará se sentir segura para explorar o ambiente, escolher uma profissão e os caminhos que pretende seguir na vida, sem medo do fracasso ou de julgamentos.

Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545