Do site Amazonas Notícias
Precisamos ir além da definição de limite de tempo. Os pais merecem um mergulho mais profundo na questão. Querem orientações sobre como lidar com o problema de maneira prática dentro de casa
por Márcia Wirth
19/03/2019
O “tempo de tela” tornou-se um dos desafios parentais nos dias de hoje. Desde outubro de 2016, a Academia Americana de Pediatria recomenda que as crianças com menos de 18 meses participem apenas de conversas por vídeo, que crianças entre 18 e 24 meses devem assistir somente à programação de alta qualidade na presença dos pais e que crianças de 2 a 5 anos tenham acesso limitado a uma hora dessa programação por dia. Para as crianças mais velhas, a organização sugere “limites consistentes no tempo gasto com mídia” e incentiva os pais a experimentarem a tecnologia (shows, jogos, etc.) junto com seus filhos, a fim de abrir uma discussão sobre o que eles veem.
O chefe da área de saúde do Reino Unido, Dame Sally Davies, emitiu, neste ano, diretrizes sobre a regulamentação do tempo de tela para crianças. As diretrizes vieram depois de um relatório recente sobre como a quantidade de tempo gasto em uma tela, que inclui jogar videogames, estar em um computador, usar um celular, afeta as crianças. Embora o uso dos dispositivos em si ainda esteja sendo revisado, as autoridades de saúde estão se reunindo com os gigantes da mídia social, como o Instagram, para discutir conteúdos prejudiciais como os pró-anorexia e os relativos a suicídio em suas plataformas.
A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) divulgou um Documento Científico, em outubro de 2016, sobre “Saúde de Crianças e Adolescentes na Era Digital”, com recomendações sobre o tema para pediatras, para educadores e escolas, para os pais e para as crianças e os adolescentes. Em julho de 2017, a SBP, através do Grupo de Trabalho em Atividade Física, publicou um Manual de Orientação para Promoção da Atividade Física na Infância e Adolescência, em que até os dois anos de vida recomenda-se que o tempo de tela (TV, tablet, celular, jogos eletrônicos) seja ZERO.
“Talvez precisemos ir além da definição de limites de tempo. Muitos pais querem um mergulho mais profundo na questão, com orientações sobre como lidar com o problema de maneira prática dentro de casa”, afirma o pediatra e homeopata Moises Chencinski.
E esse movimento é mundial. Nos Estados Unidos, dois acionistas da Apple escreveram uma carta aberta solicitando que a empresa investigasse e abordasse o impacto da tecnologia nas crianças. No último ano, ex-funcionários do Google e do Facebook compartilharam campanha, em conjunto com a Common Sense Media, para ensinar às crianças como a tecnologia e a mídia social podem afetá-las.
“Estamos produzindo estudos sobre como o tempo de tela afeta as crianças durante o seu desenvolvimento. Por enquanto, o conhecimento científico acumulado nos indica que é preciso cautela e moderação no uso das múltiplas telas”, destaca o médico.
Estudo publicado recentemente no JAMA Pediatrics revelou que níveis mais altos de tempo de tela aos 24 e 36 meses foram significativamente associados a pior desempenho em testes de desenvolvimento aos 36 meses. As recomendações dos autores incluem o incentivo aos planos de mídia da família, bem como o gerenciamento do tempo de tela, para compensar as possíveis consequências do uso excessivo.
Outro estudo mostra que o uso noturno das telas é associado a um sono ruim – tanto a dificuldade em adormecer quanto acordar cedo demais. Telefones celulares e televisores foram associados a 60% mais chances de acordar tarde. Crianças que usaram telas na hora de dormir consistentemente pontuaram menos nos testes de qualidade de vida. Usar telas em um quarto escuro foi associado a piores resultados do sono do que usá-los com as luzes acesas.
Pesquisas australianas recentes, publicadas no Obesity Research & Clinical Practice, demonstraram que sentar e assistir televisão pode aumentar o risco de obesidade de uma criança mais do que outros comportamentos sedentários, como jogar jogos de computador. Estes dados confirmam que a limitação do tempo de televisão é um alvo importante para intervenções na obesidade infantil.
Mesmo assim, todos esses estudos e a comprovação de suas consequências danosas, aparentemente, ainda não sensibilizaram a população dos pais, como foi relatado nesse estudo, realizado entre 1997 e 2014, que demostrou que o tempo de tela para crianças menores de 2 anos mais do que dobrou, nesse período. Os dados mostraram que para crianças menores de 2 anos, o tempo de tela diário passou de 1,32 horas em 1997 para 3,05 horas em 2014, com a televisão respondendo por mais de duas horas e meia de tempo de tela em 2014, comparado a meia hora em 1997. Para crianças de 3 a 5 anos, o tempo de tela não mudou nesse período, mas a TV também passou a representar a maior parte do tempo na tela, passando de pouco mais de uma hora em 1997 para mais de duas horas em 2014.
Os autores explicaram que, em 1997, o tempo de tela foi definido como tempo de TV, videogames e computadores. Em 2014, no entanto, o tempo de tela também incluiu telefones celulares, tablets, leitores eletrônicos e dispositivos de aprendizagem. Esse tempo excessivo de tela, no início da vida, tem sido associado a atrasos cognitivos, de linguagem, sociais e emocionais, provavelmente porque o tempo de tela diminui o tempo que as crianças passam interagindo com os pais.
“Além de definirem limites de tempo para a tecnologia, é vital que os pais também sigam essas regras. Para encorajar os filhos a ler por uma hora e se exercitar todos os dias, eles devem fazer exatamente isso. Seus filhos veem como você age. Sua melhor ferramenta de ensino é ser modelo com seu próprio comportamento”, observa o médico.
Também como um contraponto ao tempo excessivo de tela, em 2015, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal e a Fundação Itaú Social lançaram uma campanha para os pediatras com um livro:
Receite um livro: Fortalecendo o desenvolvimento e o vínculo
A importância de recomendar a leitura para crianças de 0 a 6 anos
“A iniciativa, como o próprio título aponta, busca fortalecer o vínculo familiar através da leitura desde a gestação, promovendo, assim, maior chance de contato dos pais e cuidadores com a criança, propiciando condições de um melhor desenvolvimento físico, diminuindo riscos de obesidade infantil, e cognitivo-afetivo, favorecendo a saúde bio-psico-físico-social na infância, gerando adolescentes e adultos mais saudáveis em todos os aspectos de suas vidas”, destaca o pediatra Moises Chencinski.
Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545