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Grupos de pais contra as vacinas: quais são os riscos?

Do site da Revista Crescer

Por medo da reação das vacinas ou descrentes da eficácia delas, famílias decidem por não imunizar as crianças. Entenda o perigo dessa prática

por Vitória Batistoti com Vanessa Lima

20/11/2020

Nos primeiros dias de vida, Bianca, hoje com 2 meses, era acometida por cólicas controladas, mas recorrentes. O incômodo abdominal, felizmente, não durou muito – para a alegria da mãe, a veterinária Ticiana Librelotto, 35, ao completar vinte dias, a menina já estava livre do problema. “Mas, há três semanas, ela tomou a vacina do rotavírus no posto de saúde e, no mesmo dia, teve febre. Desde então, tem crises de cólica muito fortes, difíceis de controlar com massagem e medicação. Tem dias que apresenta fezes líquidas e, em outros, fica sem defecar”, diz a mãe.

A preocupação acometeu Ticiana, que decidiu pesquisar na internet sobre as reações da vacina e encontrou casos ainda piores. “Agora estou morrendo de medo de dar a segunda dose e, provavelmente, nem darei. Inclusive, meu filho mais velho, João Pedro, 4, também tomou essa vacina e teve tanta diarreia que até prescreveram antibiótico para ele, mas, na época, não tinha associado à vacina”, acrescenta Ticiana, que se diz a favor da vacinação, mas pensa em conversar com o pediatra da filha sobre desistir da segunda dose da vacina do rotavírus.

A veterinária é um dos mais de 5 mil membros de um grupo contrário a essa vacina no Facebook. Além dessa comunidade online de que Ticiana participa, há outras que reúnem pessoas descrentes da eficácia da vacina. É o caso da revendedora de cosméticos Mariléia Amaral, 35, membro de outro grupo. Mãe de Marcela, 11, Gabriela, 9 e Isabella, 3, ela se arrepende de ter completado a carteira de vacinação das três. “Infelizmente, só soube dos efeitos das vacinas depois. Inclusive, a mais velha tomou a da febre amarela e desenvolveu autismo, embora existam diversos estudos comprovando que a imunização não tem relação com a condição. Claro que não tenho como provar, mas, no meu coração, acho que tem a ver, sim, com as vacinas”, relata Léia, que também associa a mesma vacina às crises de dor de cabeça sem sentido.

Desinformação e desconfiança

As incertezas e renúncias em relação às vacinas existem há bastante tempo e remontam à época do surgimento da primeira imunização, a da varíola, entre os séculos 19 e 20. “Quando a vacina surgiu, algumas lideranças religiosas diziam que era um mal. Aos poucos, as religiões passaram a aprovar”, explica o infectologista Guido Levi, membro da Sociedade Brasileira de Imunização (SBIm) e autor do livro Recusa de Vacinas – Causas e Consequências.

No entanto, a questão voltou à tona e ganhou força após um episódio em particular. “Toda essa história começou por conta de um estudo enganoso do gastroenterologista Andrew Wakefield, publicado em 1998 na conceituada revista de pediatria inglesa, Lancet. Ele divulgou uma pesquisa dizendo que, por conta da vacina de sarampo, os casos de autismo na Inglaterra aumentaram”, diz o pediatra Moises Chencinski, membro do Departamento de Pediatria Ambulatrorial e Cuidados Primários da Sociedade de Pediatria de São Paulo. O caso assustou muitos pais, mas, posteriormente, um jornalista provou que Wakefield havia fraudado os dados da pesquisa após ter sido contratado por advogados que queriam processar a companhia farmacêutica responsável pela produção da vacina em questão.

Após a descoberta, o médico teve sua licença médica cassada e a revista Lancet fez uma retratação, mas o estrago já estava feito: o número de crianças imunizadas caiu e os casos de sarampo cresceram.

Mesmo assim, o fato ainda circula como verdadeiro. “Quando histórias como essas surgem em determinado país, vão se formando nichos que acreditam nos estudos falsos e criam-se grupos de pessoas suscetíveis à epidemia”, analisa Levi, que acredita que a desinformação e estudos sem comprovação estatística científica pela comunidade internacional criam o cenário perfeito para a propagação de teorias como essa, desenvolvida por Wakefield.

Reações adversas

Outro fator que também influencia na não adesão das pessoas à imunização é o medo das reações adversas – como é o caso de Ticiana e Roberta. “Não podemos dizer que as vacinas não possuem eventos adversos em alguns casos. Sim, eles existem, mas é muito difícil serem graves. Além disso, são muito menos importantes do que as doenças que previnem”, ressalta Guido. O pediatra Chencinski concorda: “A vacina não mata, a doença, sim. Pode haver efeitos colaterais, como dores, febres, mal estar. Mas isso é melhor do que ficar doente”. Ainda assim, o especialista ressalta que, em qualquer caso de reação adversa à vacina, a solução é recorrer ao pediatra para medicar a criança de maneira correta.

Enquanto isso, os pais que se recusam em vacinar as crianças costumam recorrer a tratamentos alternativos seguindo linhas naturais. “Mas a própria Associação Médica Homeopática Brasileira recomenda que se siga o calendário de vacinas. Nenhum tratamento homeopático substitui a vacina”, explica Chencinski, que, além de pediatra, também é homeopata.

O que diz o Ministério da Saúde

Atualmente, o índice de pessoas que não tomam vacinas no mundo é de 5%. No Brasil, segundo nota do Ministério da Saúde, não há quedas significativas. “Existe uma oscilação nas taxas de cobertura de um ano para o outro, mas, no geral, não se caracteriza uma tendência de queda e, sim, um índice dentro ou próximo à meta” explica o porta-voz. Para a pasta, o movimento contrário à vacinação é pequeno no país e os pais podem ser responsabilizados civil e penalmente ao tomar a decisão de não imunizar as crianças.

Além disso, vale ressaltar que o Brasil tem uma das melhores coberturas vacinais do mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), já que, por aqui, doenças como a rubéola, rubéola congênita, varíola, sarampo e pólio foram erradicadas graças à vacinação. Ainda segundo a OMS, são evitadas entre duas e três milhões de mortes por ano por conta da imunização, como as vacinas de tétano, sarampo, rubéola e difteria.

Questão social

Os especialistas ressaltam que a decisão dos pais por não vacinar seus filhos não é individual, já que ela impacta toda a sociedade ao redor. “Quando uma mãe ou pai assume que não vai vacinar sua criança – e isso é um direito deles – eles não estão colocando em risco só a vida do filho, mas de outras crianças também, de toda uma população”, analisa Chencinski. 

Outro ponto ressaltado pelo pediatra é o fato de pais ‘antivacinas’ sempre comemorarem ao relatar que seus filhos são mais saudáveis do que outras crianças vacinadas. “Isso faz parte do efeito rebanho: se todos a nossa volta estão vacinados, a chance de alguém adoecer é baixa”. Isso quer dizer estamos protegidos quando os outros estão também”.

Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545