Do site da Revista Crescer
Não é fácil. São pais sem rede de apoio e crianças que já completaram o primeiro ano de vida, mas tiveram pouco contato com o mundo externo. "Ela só viu umas oito pessoas e a pelo menos 2 metros de distância", lamenta Luciana, mãe de Alice, 5 meses. Veja o que dizem especialistas
por Sabrina Ongaratto
14/05/2021
O pequeno Breno tem 1 ano e 3 meses, justamente o tempo em que os brasileiros enfrentam a pandemia de coronavírus — que teve início em março de 2020. "Estávamos começando a saber da existência do coronavírus, mas ainda sem muita informação. Quando começou mesmo, ele tinha cerca de 20 dias", lembra a mãe, Maria Ercilia Malfatti Ianhez, 37, que mora com o filho e o marido, Roberto, em Araraquara, no interior de São Paulo.
Na época, a rotina da população ainda não tinha sofrido os impactos, mas ela conta que, mesmo assim, optaram por receber poucas visitas na maternidade. "As pessoas (e nós também) estavam com medo do contato e do desconhecido", diz.
Era apenas o início de muitas mudanças, inclusive o distânciamento social. O tempo foi passando e os encontros com familiares e amigos se tornaram ainda mais raros. "Nesse um ano de vida, pouquíssimos amigos e alguns parentes conheceram o Breno pessoalmente. E a maioria dos que conheceram, só o viram logo que nasceu", diz a mãe. Conviver com um grupo tão seleto de pessoas ajuda a proteger da covid, mas também traz algumas consequências. "Ele se assustava e chorava muito quando via pessoas com quem não estava acostumado a conviver. Toda vez que íamos para São Paulo visitar os avós era uma choradeira, pois costumava ver apenas quatro pessoas: eu, meu marido e meus pais", lembra.
"Também não conseguimos fazer festa de 1 ano e nem batizá-lo. Estávamos com tudo organizado para a comemoração, mas, na semana do evento, a cidade teve um aumento significativo de casos e entrou em lockdown. Ficamos frustrados, sim, pois seria uma oportunidade para reunir a família depois de tanto tempo longe, mas entendemos a situação e a necessidade do isolamento", afirma.
A jornalista Luciana Rodriguez Cristalino, 40 anos, tentava o segundo filho quando a pandemia trouxe incerteza para os planos. "Estávamos tentando engravidar desde 2019 e, quando o coronavírus chegou, meu marido e eu conversamos. Até pensamos em adiar, mas levando em conta minha idade — estava com 39 anos — resolvemos tentar e encarar a situação. E, no ao passado, quando descobri que estava grávida, tive três sentimentos muito fortes: tensão, frustração e alegria. Tensão porque, naquele momento, as informações sobre a covid ainda eram muito inconsistentes. Então, por precaução, passei toda a gestação dentro de casa. Só saia para consultas do pré-natal e não tinha contato com ninguém. Por isso a frustração! Não saí para fazer o enxoval ou escolher e montar o quarto — aquela fase que toda gestante adora. Também não fizemos chá de bebê, não fui 'paparicada' por familiares e, no fim das contas, apenas cinco pessoas me viram grávida", lamenta.
"É claro, que, em meio a tudo isso, senti uma grande alegria, pois Alice foi muito desejada. Tenho um filho de 9 anos que também queria muito uma irmã. O lado positivo é que meu marido estava trabalhando de casa e meu filho também estava pertinho, com aula virtual. Então, apesar de tudo, curtimos muito nós três", comenta. Luciana comprou todo os itens para a caçula pela internet e a gravidez foi tranquila. No entanto, Alice surpreendeu os pais ao chegar antes do tempo. "Ela resolveu nascer prematura, com 34 semanas, e esse foi o momento mais complicado para a gente. Pois, além da preocupação, percebemos o quanto precisávamos de outras pessoas para nos dar suporte. Foi muito complicado. Foram dez dias com ela na UTI. Eu passava até quinze horas no hopsital e voltava correndo para fazer o básico em casa e já voltava para o hospital. Então, fiquei esgotada", lembra. "Depois da alta, os primeiros três meses em casa também foram difíceis, pois ela teve muita cólica e chorava muito. Foi desgastante conciliar os cuidados com um recém-nascido e o mais velho, que estava o tempo todo em casa", diz.
Hoje, Alice tem 5 meses e, segundo a mãe, a rotina está mais tranquila. No entanto, a caçula só interagiu com alguns parentes mais próximos e de longe. "Ela só viu umas oito pessoas e a pelo menos 2 metros de distância. A minha mãe chora muito pela frustração de não ter pegado a neta no colo ainda. Procuro fazer vídeos chamadas diariamente para, pelo menos, ela conhecer a voz dos avós. Mas tenho receio de como vai ser a reação da Alice com o meio externo quando voltar tudo ao normal", questiona-se a mãe.
Maria, mãe de Breno conta que, com a reabertura presencial das escolas, ela e o marido optaram por matricular o filho em uma creche, pensando justamente na socialização. "Desde então, ele mudou completamente. Ficou muito mais sociável e nitidamente feliz. Ele ama ver crianças e interage super bem com outras pessoas", afirma. Para os pediatras, essa interação com o mundo externo — que vai além do convívio familiar — é fundamental para o desenvolvimento das crianças. "Um ano inteiro com as escolas fechadas representa um atraso de dez anos na educação infantil. A interação é importante para a criança desenvolver seus sistemas, ela precisa da mãe natureza, ver pessoas, ouvir, interagir, tocar, respirar ar diferente e, em casa, isolada, tudo isso fica faltando. O mundo se torna restrito com a pandemia", afirma o pediatra Moisés Chencinski, colunista da CRESCER e presidente do Departamento de Aleitamento Materno da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP). "Isso sem falar no desenolvimento coginitivo. Muitos desses ganhos estão relacionados à convivência escolar", completa.
O pediatra explica que os primeiros dois anos de vida formam uma das fases de maior aprendizado da criança. "Se você não estimula adequadamente, diminui as probabilidades dessa criança em termos de futuro. Um dos maiores riscos é o de saúde mental. Nesse caso, estamos falando de depressão, medo, ansiedade e insegurança. Esse é o panorama que existe para os adultos que estão dentro de casa isolados e, consequentemnete, é transmitido para as crianças. Se já é difícil para os pais, imagine para os pequenos que não tem as ferramentas para trabalhar todos esses sentimentos e emoções?", questiona.
Para Meyre Laias, psicóloga perinatal e da parentalidade, para que as crianças sofram menos impactos com o distanciamento social é necessário, primeiro, que os adultos cuidem da própria saúde mental. "Esses pais precisam estar bem e prontos para dar segurança aos filhos. No entanto, sabemos que, principalmente as mães perderam — da a gravidez ao puerpério — o acolhimento, o suporte, a rede de apoio, o que aumenta a prevalência de depressão e ansierdade. Os estudos ainda estão em construção, mas já sinalizam esse aumento. Elas estão cansadas, com transtornos emocionais importantes e isso reflete nas crianças que poderão ter, sim, um prejuízo no desenvolvimento cognitivo, com pouco estímulo", alerta.
No entanto, a especialista lembra que a pandemia impactou de maneiras completamente diferentes as famílias. "Alguns encontratam mais tempo para ficar com os filhos e dar mais atenção - e isso conforta. Mas também há aqueles que estão sofrendo com o acúmulo de tarefas e de trabalho em dobro", pontuou.
Segundo os especialistas, o distânciamento social tende a trazer mais consequências para as crianças acima dos 2 anos a curto prazo. "Espera-se um pouco de atraso no processo de socialização. Essas crianças terão mais dificuldades de relacionamento com outras pessoas e de dividir, principalmente porque estão sendo ensinadas a não se aproximar muito. Mas a boa notícia é que o ser humano se organiza frente ao estresse, readapta-se e enfrenta", diz Meyre. "As crianças aprendem muito rápido, mas precisam ser estimuladas para que se desenvolvam. Se a gente pensar em estímulos, eu acho que a escola e os pais, juntos, precisam tentar, de alguma forma, entregar esse ambiente para elas", completa.
"Fora das escolas, as crianças demandam mais atenção, mas muitos pais não podem dar e isso leva a uma diminuição da tolerância dos adultos. Consequentemente, isso gera uma experiência negativa para a criança. Além disso, a pandemia trouxe tudo o que a gente não recomenda: não podemos 'abandonar' a criança para que ela desenvolva por conta própria. Crianças precisam precisam de apoio, estrutura de base", alertou. "Outro problema gerado pela pandemia é o uso da máscara - que, neste momento, aqui no Brasil, continua sendo uma prioridade como prevenção da covid-19. Na rua, todos estão com o rosto parcialmente escondido. Estudos científicos já mostaram que com máscara, a comunicação fica prejudicada. As crianças perdem a leitura labial, justamente na fase em que estão captando 'o falar'. Os pequenos interagem esperando uma reação, e essa reação é notada pela criança nos gestos e expressões faciais", afirma.
A longo prazo, segundo Moisés Chencinski, não há previsões clínicas do quanto a covid trará de prejuízos. "Antes, pensávamos que só não contrair o vírus já era o suficiente. Hoje, estamos descobrindo sequelas de curto, médio e longo prazo de ter pego a covid. A cada dia, descobrimos uma coisa nova, uma evolução diferente, tanto clínica quanto emocional. Então, vamos ter a consequência exata dos prejuízos provavelmente em um ou dois anos. Vamos saber o quanto essas vivências atuais foram suficientes para esses pequenos somente quando essas crianças tiverem 3 ou 4 anos", finalizou o pediatra.
Segundo Moisés, os pais devem buscar o auxílio dos pediatras e da escola. "Busque tipos diferentes de atividades, jogos que simulem situações. Também não deixe de conversar com o seu filho sobre o tempo que você necessita para o trabalho e, se estiverem todos bem, saiam para parques e locais abertos sem aglomerações, usando máscaras. Isso é fundamental", orientou.
Meyre completa: "Estimule a criança ao máximo, inserindo, com cautela, ao ambiente externo. Faça com que ela interaja com esse ambiente. Idas aos parques, brincadeiras ao ar livre e sem muito 'peso' do medo de 'não encostar em nada'. Ensine a criança a se cuidar de forma leve, brincando", finalizou.
Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545