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Aleitamento materno cresce no Brasil, mas lucros da indústria do leite crescem ainda mais

Do BLOG SER MÃE - Estadão

Todo o mês de agosto é uma festa, e cada vez mais. Abrimos nossas redes sociais e nos deparamos com fotos de mulheres amamentando seus filhos e celebrando a SMAM, a Semana Mundial de Aleitamento Materno.

por Rita Lisauskas

11/08/2021

No Brasil, as ações se estendem por todo o mês, batizado de ‘agosto dourado’ em referência à cor do leite materno, nem sempre branquinho como os mais desavisados podem crer, e à idea de que esse alimento produzido pelo corpo da mulher ‘vale ouro’.

A Sociedade Brasileira de Pediatria sempre escolhe um recorte local que complementa o tema decidido pela WABA, sigla em inglês para Aliança Mundial para Ação de Aleitamento Materno. E se lá fora o mote é ‘Proteger a amamentação: uma responsabilidade de todos’, por aqui o apelo é feito aos pediatras, com o slogan ‘Aleitamento materno: pediatra, faça a diferença’.

E se tem um pediatra que ‘faz a diferença’ quando o assunto é defender o aleitamento materno esse médico é Moisés Chencinski, membro do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), criador de diversas campanhas para encorajar a amamentação, como a #EuApoioLeiteMaterno, e colunista da Revista Crescer. Moisés conversou com o blog sobre os aumentos nos índices de aleitamento materno no Brasil (ainda infinitamente menores que os aumentos das vendas da indústria de substitutos de leite materno, aponta), sobre a responsabilidade coletiva para que a mulher consiga amamentar e também sobre vacinação de lactantes e a covid.

Já temos colhido frutos dessa Semana Mundial da Amamentação, criada no final do século passado, e desse agosto dourado brasileiro, criado em 2017? Já é observado um aumento nos índices nacionais de aleitamento materno nestes últimos anos?

Se nós formos levar em consideração desde 1986, sim, nós tivemos um grande aumento das taxas; na época, o aleitamento materno exclusivo até o sexto mês era de apenas 3%. Houve um estudo que ainda está com seus resultados preliminares, o ENANI, Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil, feito entre 2019 e 2020, e que já trouxe algumas informações interessantes. De 2006 a 2019, são 13 anos, houve um aumento de taxas de aleitamento materno em crianças abaixo dos 4 meses e em crianças abaixo de 6 meses. Aos quatro meses, nós tivemos um aumento de 15% nestes últimos treze anos. Se levarmos em consideração os bebês de seis meses, houve um aumento de 8,6%.

Esse aumento é uma boa notícia, mas quais são as metas que vocês acreditam que dê para alcançar?

A recomendação da Organização Mundial de Saúde e que até 2025 nós tenhamos pelo menos 50% das crianças abaixo de 6 meses em aleitamento materno exclusivo. Aqui no Brasil nós estamos em 45,7%. Sem dúvida, qualquer aumento é uma boa notícia. Porém, se formos avaliar que em 13 anos nós tivemos 8% de aumento nas taxas de aleitamento materno e que as indústrias de substituto de leite materno tiveram aumento no seu volume de venda de 103% e de 122,4% em seus lucros, a gente vê que estamos ainda numa luta muito desigual.

Amamentar não é uma coisa fácil. Muitas vezes as mães se preparam para o parto e às vezes tomam um susto quando vão amamentar porque não se prepararam para aquilo, não sabiam que era tão difícil.

Amamentar não é simples, amamentar não é fácil, e a gente precisa tomar cuidado porque está deixando de ser natural. Nós temos um aumento da busca das indústrias de substitutos de leite materno por esse público e isso também interfere de forma significativa na questão da amamentação. A recomendação é que as crianças sejam amamentadas até dois anos ou mais, de forma exclusiva até o sexto mês e em livre demanda desde a sala de parto. Nós temos estatísticas da PNAD do quarto trimestre de 2020 mostrando que a taxa de desemprego no Brasil é de 14,5% e entre os trabalhadores do setor informal está perto de 40%. Desse número, 52,5% são mulheres. Uma mulher que trabalha no setor informal não consegue usufruir de licença maternidade, ela tem que voltar ao seu trabalho uma semana ou quinze dias depois de dar à luz.

A licença maternidade costuma ser algo que protege a amamentação, mas nem todas têm acesso.

A licença maternidade é de 120 dias para a imensa maioria das mulheres do país, são apenas quatro meses. Mas quando esta mulher trabalha numa Empresa Cidadã tem acesso a 180 dias da licença maternidade e os os pais têm direito a 20 dias da paternidade em troca de benefícios fiscais, aí ela tem essa vantagem. Órgãos federais têm essa disponibilidade também. Algumas prefeituras e alguns governos estaduais também propiciam isso a seus funcionários. Mas na imensa maioria do país nós temos 120 dias de licença maternidade e cinco dias de licença paternidade, então salas de apoio à amamentação nas empresas são necessárias, um local onde a mulher quando voltar ao trabalho tenha condições de extrair seu leite e acondicioná-lo de forma adequada para poder levar para a casa para o seu filho receber esse leite. Mas esses locais não são obrigatórios.

Mesmo assim existem instituições e empresas que promovem essa ação, o que gera uma satisfação maior às funcionárias em relação à empresa, estudos já mostraram isso. E o aleitamento materno protege a saúde das crianças, se as crianças não estão em aleitamento materno têm chances maiores de adoecer. E quando essa criança adoece aumenta o absenteísmo dessa mãe. Se a gente tivesse esses padrões de aleitamento materno preconizados haveria uma queda de 20 mil mortes de mulheres, 823 mil mortes de crianças abaixo de cinco anos e uma economia mundial de 302 bilhões de dólares, tudo isso em um ano.

Para que essa mulher consiga amamentar, então, é necessário um compromisso de toda a sociedade.

Exato. E não é só daquela rede de apoio que ela tem em casa, o marido, a família, mas também sociedade.

Eu queria que você falasse dessa rede de apoio dentro de casa. O que o marido pode fazer, o que a sogra, a mãe, o que a família próxima pode fazer para ajudar essa mulher a conseguir amamentar?

Olha, você sabe que quando a gente fala que ‘a responsabilidade é de todos’ a gente precisa tomar muito cuidado. A responsabilidade é de cada um e de todos. Os ‘cada um’ fazem parte desse ‘todos’, porque quando a gente avalia que a responsabilidade é de todos eu imagino que se eu não fiz a minha parte o outro vai fazer. Não, cada um de nós é responsável, cada um de nós como cidadão, cada um de nós como indivíduo, cada um de nós como membro de família, membro de uma sociedade, cada um de nós que trabalha, os empresários, cada um de nós órgãos governamentais, cada um de nós como mídia, redes sociais, instituições de ensino, profissionais de saúde, ou seja, esse é o pacote ‘todos’.

O home office, inicialmente, poderia ajudar a essa mãe a amamentar.

Nós imaginamos que o home office poderia ser uma forma de apoio a essa mãe, mas ela tem que trabalhar naquele período. E muitas delas, apesar de estarem em casa, estão optando por ter crianças em escolinhas e creches agora que elas estão sendo reabertas, porque a criança em casa pode interferir nesta programação. O aleitamento materno é um direito da mãe e da criança, mas não é uma obrigação. Então o acolhimento tem que ser feito às mães que amamentam sim, mas o mesmo acolhimento tem que ser feito às mães que por alguma razão não conseguiram amamentar, não podiam amamentar ou mesmo aquela que optaram por não amamentar.

Quando falamos de saúde, nós falamos de saúde materno-infantil. O centro dessa questão é sempre a mãe e todas as vezes que formos abordá-la, três pontos precisam estar sempre no nosso foco. Primeiro, uma escuta ativa dessa mãe, ouvir o que essa mãe tem a dizer. Segundo: empatia. Nos colocarmos no lugar da mãe para poder compreender aquela dinâmica. E a terceira questão é ausência de julgamento. Todas as mães buscam, com toda a certeza, o melhor para seus filhos. Se naquele momento e com a informação adequada ela pôde ou não incluir o aleitamento materno exclusivo em sua rotina essa é uma questão que diz respeito exclusivamente a ela. Cabe a nós dar o apoio e à informação adequados para que a gente consiga que essa mãe consiga atingir o melhor dos seus objetivos.

O que a gente sabe, depois de um ano e meio de pandemia, sobre aleitamento materno e covid? Se eu estiver com covid e com um bebezinho, eu posso continuar amamentando meu filho?

Desde o início da pandemia quase tudo mudou. A única informação que se mantém constante desde o início da pandemia é que não existe transmissão de covid através do leite materno. Isso não acontece. Isso significa que uma mãe, mesmo com covid, se ela quiser e estiver em condições ela pode amamentar seu filho, logicamente tomando os cuidados adequados em relação ao uso de máscara, a lavagem de mão com álcool gel. Se ela estiver com covid no momento do parto, antes de ela ter o contato pele a pele com o bebê e amamentar é dado um banho de leito nela na própria maternidade. E isso leva pouco tempo, dez, quinze minutos e logo a seguir se fazer o contato pele a pele com o bebê, a amamentação e inclusive o alojamento conjunto dentro da maternidade pode ser mantido. Se ela está com covid e por isso não está confortável em amamentar, mas quer oferecer o seu leite, ela pode extrair esse leite e deixar que outra pessoa dê para o seu bebê. Agora, se ela quiser doar leite terá que esperar, quem está com covid não pode doar leite.

Quem está amamentando pode tomar a vacina da covid?

Lactantes não tem nenhuma restrição à vacina da covid. As puérperas, aquelas que deram à luz nos últimos 45 dias, a recomendação é que não recebam a vacina da AstraZeneca e possivelmente a da Janssen. As outras vacinas podem ser aplicadas, não existe nenhum problema. Inclusive, estudos mostram que a mãe produz anticorpos contra a covid que ela passa através do leite para seu bebê. Quando ela toma a primeira dose da vacina esse nível é maior, e quando ela toma duas doses da vacina esse nível é ainda maior de transmissão de quantidade e produção de anticorpos. Ah, então quer dizer que esta criança está imunizada? Não, ela não está imunizada, mas ela está protegida. Ainda não existem estudos que mostrem a ação dos anticorpos na criança. Na vacina de Influenza nós temos esse estudo, então sabemos se uma mãe toma vacina da gripe esse bebê fica protegido até o sexto mês. E aí a partir dos seis meses o bebê toma a vacina e a partir daí, sim, ele está imunizado.

Independentemente de elas serem vacinadas, essas mães precisam manter, ainda da mesma forma, o uso de máscaras, distanciamento social evitando aglomerações, lavar a mão com álcool em gel, e os cuidados necessários para evitar contaminação pela covid.

Transcrição e apoio: Lucca Cerf Costa.

Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545