Do site da Crescer
Um ato tão sublime da maternidade não deveria ser um compromisso, mas um desejo da mulher. Essa foi uma das questões abordadas em mais um bate-papo da CRESCER. Confira!
por Monica Kato
06/08/2021
A primeira vista, amamentar parece simples, afinal, somos mamíferos. O bebê nasce e, imediatamente, o instinto funciona: a mãe oferece o peito, ele mama e pronto, tudo resolvido. Só que a expectativa, infelizmente, fica bem longe da realidade. Por mais que seja um processo natural, a amamentação requer conhecimento, treino, rede de apoio, persistência e tantas outras ferramentas que a gente mal consegue imaginar.
Acima de tudo, amamentar deve ser um direito da mulher, e não apenas um desejo. “Apesar do instinto e da intuição, é preciso lutar muito para atingir a meta que cada mãe quer. É necessário, ainda, lembrar que a amamentação é um direito da mulher, não uma obrigação”, disse o pediatra Moises Chencinski, membro do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria.
Conduzido por Ana Paula Pontes, editora-chefe da CRESCER, o encontro virtual ainda contou com a participação da atriz Milena Toscano, mãe de João Pedro, 2 anos, e Francisco, 1 mês, e de Lívia Polichiso, mãe de Catherine, 4 anos, Valentim, 2 anos, e Joaquim, 3 meses, que compartilharam histórias mostrando como, de fato, a amamentação é um ato de persistência e resistência.
Nada mais natural, segundo o pediatra Chencinski: “Amamentar é um aprendizado da mãe e do bebê. Ele estava no útero, não precisava mamar, recebia o alimento pelo cordão umbilical.” Para a mãe construir esse conhecimento, precisa de algo fundamental, que é a informação de qualidade. O pediatra destacou que já a partir da 32ª semana, a gestante deve consultar o pediatra para começar a se informar e tirar dúvidas. “Ela deve receber os esclarecimentos que deseja, não necessariamente os que o médico quer passar”, afirmou. Por isso, segundo o especialista, cada vez mais, os profissionais de saúde que dão suporte às gestantes deveriam desenvolver capacidades que muitas vezes deixam escondidas, como empatia e escuta ativa, sem julgamentos.
Lívia Polichiso percebeu muito bem a importância de contar com boa informação e apoio profissional: “No primeiro filho, por mais que a gente se prepare, nada te prepara. Por mais que tenha apoio, é preciso que todo mundo fale a mesma língua, porque informações divergentes atrapalham”, disse. Com a primogênita Catherine, ela acreditava que ia dar conta, que amamentar seria algo natural, instintivo. “Achava que seria a musa da amamentação e me tornei a musa da estropiação”, brincou.
Lívia enfrentou grandes dificuldades para dar de mamar, teve mastite e precisou até fazer punção nas mamas: “Foram 52 dias contando cada grama que Catherine ganhava, observando o volume de xixi que ela fazia, extraindo leite, enfrentando inseguranças. Eu tremia quando meu marido trazia a bebê para mamar, tinha medo até de tocá-la. E pensava ‘não é possível que alguém ache que isso é bom’”, disse.
No fim das contas, deu tudo certo, ela amamentou a filha até 1 ano. “Foi possível, porque tive ajuda de uma consultora em aleitamento. Quando minha cabeça bugou, entrei em pânico e, felizmente, ela me pegou pela mão e me orientou”, contou. E a experiência da profissional também foi importantíssima na amamentação do Valentim, que nasceu prematuro, e Lívia teve de enfrentar outros desafios.
“Encontre um pediatra para chamar de seu”, disse Moises Chencinski. Esse e outros especialistas podem colocar o trem nos trilhos e ajudar a minimizar o peso que cai sobre os ombros da lactante. A experiência da Lívia mostrou claramente isso. Porque, por questões óbvias, a responsabilidade realmente atinge cem por cento a mãe. “Você deixa de ser você para ser outra pessoa”, resumiu Milena Toscano.
Mas nem tudo são espinhos. Quando mãe e bebê encontram seu ritmo, amamentar ganha outro sentido. “Depois que entende os processos pelos quais vai passar – ou está passando –, entende as fases, o aleitamento deixa de ser um bicho-de-sete-cabeças, e fica uma delícia! O leite vai mudando, seu corpo, idem, e a conexão com o filho vai se tornando mais e mais maravilhosa”, afirmou Milena.
Mais uma vez, o principal ingrediente para tudo dar certo é informação. “Não precisa preparar o seio para amamentar, esfregar bucha, tomar sol no mamilo. O mais importante de tudo é saber o que pode acontecer”, disse Chencinski. “Cada mulher vai ter a sua experiência e ela precisa ser respeitada, acolhida, acompanhada”, afirmou.
O médico destacou, ainda, que a média do aleitamento materno exclusivo no Brasil é de apenas 54 dias. As mães desistem porque não têm informação eficiente. “Nenhum bebê deveria sair da maternidade ou da primeira consulta com o pediatra sem ter uma mamada completa observada por um profissional. Caso contrário, o foco vai ser só na balança, saber quantos gramas ele ganhou. Mas e a fonte desse alimento?”, provocou Moises. A protagonista do aleitamento é a mãe, é fundamental saber como ela está. “Em um momento em que todo mundo só quer saber do bebê, quando pergunto a uma mãe no meu consultório se ela está relaxada, calma, se os seios estão em ordem, a reação imediata dela é se assustar e chorar. Porque é a primeira vez em dias que alguém nota que ela existe!”, contou Chencinski.
“A gente não fica sozinha. Fica solitária. E isso é diferente”, disse Milena Toscano. Muitas vezes, a mulher tem alguma ajuda, mas as pessoas no entorno são “passantes”. Quem está 24 horas por dia exclusivamente para o bebê é a mãe. E além dos cuidados com o pequeno, ainda tem todo o resto, a casa, a rotina. Porque o pai volta ao trabalho, todos retornam aos seus compromissos.
Por isso, é tão importante construir uma boa rede de apoio. “Rede apoio não é só alguém para ajudar a trocar fralda. É alguém que te escute, que fique ali conversando, enquanto você amamenta, que faça um chá, diga que você está bonita, mesmo que esteja toda descabelada”, afirmou Milena.
Palpites por todo lado
Sim, as palavras têm poder. Se por um lado, Milena Toscano defende a importância de ouvir frases gentis, de outro, sofreu com comentários e palpites desnecessários. Muitas vezes, eles são feitos sem maldade, mas as mães alertam: é preciso filtro e cuidado para falar com as mulheres que estão amamentando, sobretudo nos primeiros dias. Ela está exausta, os hormônios, a mil, e sempre tem quem já chegue dando o veredicto, sem titubear, ao se deparar com a criança chorando: “O bebê está com fome!”. Quando ele pode estar com calor, frio, sono... Ninguém precisa desse tipo de pitaco.
Fonte de vida
Com tantas dificuldades, seja de ordem fisiológica, seja de ordem emocional, é realmente o caso de tirar o chapéu para as mulheres que amamentam – sem desmerecer em hipótese alguma quem desiste. Sabemos da importância do leite materno para a vida do bebê. Não fosse tão essencial, o corpo humano, essa máquina maravilhosa, não faria tantos ajustes para disponibilizar esse alimento. Para os prematuros, por exemplo, ele é produzido com maior teor de calorias e gordura. Ou seja, se adapta de acordo com a necessidade da criança.
Lívia Polichiso sabe bem disso – já enfrentou o drama da prematuridade. Hoje, ela amamenta ao mesmo tempo Joaquim, 3 mês, e Valentim, 2 anos. “Nos acertamos perfeitamente! Claro que no início tive de priorizar um pouco mais o Joaquim, porque sei da importância do colostro para o recém-nascido. Mas agora os dois estão mamando, cada um a seu tempo”, contou.
E aqui vai uma pequena dose de apoio: “Se é da sua vontade amamentar seu filho, muita força, foco e fé! É delicioso, traz uma conexão incrível de um amor que, literalmente, transborda dos seus seios. Amamentar é uma das melhores coisas da maternidade. Se você está passando por dificuldades, não está sozinha. Todo mundo enfrenta alguns momentos complicados. Vai passar!”, disse Milena Toscano.
O leite materno é tão essencial a que mesmo a mãe com covid-19 pode e deve amamentar. “Se ela estiver com vontade e em condições, não há problema algum. Basta tomar todos os cuidados de praxe, como lavar bem as mãos e usar máscara durante o aleitamento, e deixar que alguém cuide do bebê logo depois de alimentá-lo”, diz Moises Chencinski. Para a mãe que não consegue ou não quer, é possível tirar o leite para outra pessoa oferecer ao bebê. Vale lembrar que o novo coronavírus não é transmitido pelo leite. Mãe com covid que amamenta e/ou que tomou a vacina, passa anticorpos para o filho. Não significa que ele fique imunizado, mas fica mais protegido.
Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545