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Amamentação desromantizada: até que ponto?

Do site da Crescer

Para uma mãe que amamenta, com toda sobrecarga, sem uma rede de apoio adequada, com dor física e emocional, ter a consciência de sua situação é o primeiro passo para a mudança

Dr. Moises Chencinski - colunista

14/10/2021

Romantizar: Dar à expressão ou descrição de qualquer fato a forma e a feição românticas. Amarmentar. Leite materno é o amor líquido.

Romancear: Descrever de forma envolvente. Criar coisas imaginárias e descrevê-las como reais. Bebê nasce sabendo mamar. Amamentar é natural.

Nós criamos, repetimos e divulgamos essas informações e, por muito tempo, a realidade foi “maquiada”. É preciso mudar essa situação que perdura há séculos e que, pelo menos nessa última década, tem sido confrontada pelo empoderamento da mulher, trazendo à tona emoções, verdades e desafios que foram soterrados, intencionalmente ou não, calando e “engessando” as mães que amamentam. Mas, como?

Muitos textos, posts, depoimentos povoam e viralizam na internet e nas redes sociais, escancarando o que são as dores (físicas, mentais e espirituais) da dedicação aos cuidados das crianças, em todas suas fases, da infância à adolescência.

Assim começa um dilema que, dependendo da forma que for analisada e “utilizada”, pode trazer resultados conflitantes e, nem sempre, favoráveis ao bem-estar comum. Amamentar ou não amamentar: eis a questão. Vamos ao ponto.

Leite de mãe traz muitos benefícios reconhecidos para o bebê, para a mulher, para a sociedade, para o planeta. Seu consumo protege lactante e lactente, promove saúde, defende o ambiente, carrega benefícios para a vida toda, comprovados, dia a dia, através de estudos científicos.

Agora, vamos ao contraponto. Só a mãe pode amamentar (oferecer o leite de mãe através do seio). As recomendações apontam para o aleitamento materno desde a sala de parto, exclusivo e em livre-demanda até o 6º mês, complementado e continuado até 2 anos ou mais.

Isso significa, na maioria dos lares brasileiros, que a exigência e a demanda das mães serão equivalentes às necessidades do bebê, em cada fase da sua vida, com licença-maternidade de 4 ou 6 meses (grande parte das mães que trabalham tem empregos informais, sem direitos trabalhistas), mesmo com uma rede de apoio adequada (o que depende de muitos fatores socioeconômicos, culturais, por exemplo). E quando são 2 filhos ou mais, há uma exigência exponencial, muitas vezes desproporcional, desses cuidados e dessa atenção.

Amamentar não deve doer. Se existe dor, é importante que haja uma avaliação profissional presencial, adequada e precoce, para se evitar complicações (fissuras, infecções, abscessos na mama ou oferta insuficiente de leite de mãe para seu bebê, interferindo nos intervalos e duração das mamadas).

Desromantizar, sem demonizar. Assim como amamentar não é simples, não é fácil e está deixando de ser natural, não amamentar é simples, é fácil e está se tornando natural. Parece uma luta entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, entre a verdade e a mentira. Até que ponto cada mulher é acolhida, recebe escuta ativa, empatia, sem julgamentos?

Para uma mãe que amamenta, com toda sobrecarga, sem uma rede de apoio adequada, com dor física e emocional, ter a consciência de sua situação é o primeiro passo para a mudança. Ela está vulnerável, influenciável e as informações reais e necessárias podem trazer conforto ou angústia, levando a decisões embasadas muito mais nas emoções do que na sua razão ou na sua própria vontade.

Compartilho uma frase de uma grande amiga (Simone De Carvalho): “Empodere uma mãe para o aleitamento materno e ela derrubará todas as crenças limitantes da amamentação.”

O conceito de empoderamento, de tão (e mal) aplicado, tem trazido distorções e oportunidades para muitas interpretações. Ou será que alguém pensa que a indústria “empoderada” não está atenta a cada gota de leite de mãe que cai, para tentar imitar o inimitável, e a que não cai para tentar substituir?

Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545