O pediatra Moises Chencinski faz uma crítica ao algoritmo e a censura nas redes sociais: crianças e adolescentes são expostos sensualizando, mas mães amamentando são excluídas?
Dr. Moises Chencinski - colunista
25/10/2021
Você não tem ideia do que seja isso?
Vou tentar explicar (às vezes nem eu entendo, mas...), sem abordar amamentação.
Você entra na internet buscando um sapato para comprar. Pesquisa no Google. Viaja pelos vários sites. Aí não encontra o que quer e não compra ou encontra e compra. Tanto faz. Daí você vai pra tua página do Facebook ou teu perfil no Instagram e...
SURPRESAAAAAAAAA (ou não).
Aparecem não só os sites que você pesquisou, mas também outros dos mesmos produtos ou relacionados (meias, roupas, etc.).
Isso não acontece por acaso. Quando entramos com nossos dados na nuvem, eles ficam disponibilizados para quem quiser ter acesso. Assim, quem participa das redes sociais, posta, lê, curte e assina deve saber que perdeu sua PRIVACIDADE. PARA SEMPRE.
Isso pode ser bom? Depende.
Pode ser ruim, prejudicial, perigoso, arriscado? Com certeza.
Então esse tal de ALGORITMO junta todos esses dados e, através de fórmulas e regras estabelecidas por cada rede social, entrega um conteúdo que mais se encaixa com o perfil de um ou de um grupo de usuários. E isso invade nossas vidas e pode nos influenciar.
Quem toma as decisões nas redes sociais?
Até agora não falei nada sobre amamentação, né?
Você já deve ter ouvido falar ou já pode até ter sido vítima de uma “censura” de um post seu nas redes. Ainda não? Aguarde. Você pode ser o próximo.
Tudo depende do conteúdo postado e de quem ou de como se analisa o conteúdo.
Os perfis podem ser pessoais ou profissionais. Quantas vezes vocês viram, nas suas redes, as dancinhas do TIK TOK ou do Reels? No Brasil, elas são feitas com músicas de letras muito questionáveis (não vou nem citar aqui, mas é muito fácil achar) com movimentos sensuais muitos deles mais do que explícitos, simulando atos sexuais ou atos de violência, por exemplo. Eles sofrem censuras? Eles estão destinados a um público acima de 16 ou 18 anos? Aliás, alguns deles são até performados por menores de idade. Aliás, “bem menores de idade”.
Muitas vezes, são crianças que não deveriam ser expostas (por favor, leiam o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, pelo menos uma vez na vida). Uma criança dançando dessa forma não deveria ser encarada como engraçadinha, ou alegre, ou inocente. É dever dos pais proteger a infância.
Voltando ao tema da “censura”. E a exposição do corpo, dos seios? Como ela tem sido encarada nas redes? Se existe alguma censura, pelo que ainda aparece, imagino o que já foi excluído ou limitado a um público especial.
Sim. É dever dos pais proteger seus filhos da exposição a esse tipo de conteúdo. Mas sejamos sinceros e realistas. Para uma criança com celular, hoje em dia, esse controle é bem difícil. Então, pensemos bem antes de liberarmos um celular nas mãos de uma criança ou adolescente. Quantas vezes, de forma inocente, predadores estão na internet para se aproveitar dessa brecha?
Dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, de 2.020, apontam que a exposição de crianças e adolescentes na internet ocupava a 5ª posição no ranking do Disque 100. Onde estão os censores das redes nessa hora? Eles são corresponsáveis por essa situação.
A Sociedade Brasileira de Pediatria, através de seu Grupo de Trabalho Saúde na Era Digital, disponibiliza documentos para consulta dos profissionais de saúde e para a população a respeito do tema (#MENOS TELAS #MAIS SAÚDE, #Sem Abusos #Mais Saúde).
Então vamos ao aleitamento materno e à amamentação.
Não sei quem são as pessoas que, por trás do Facebook e do Instagram (para citar as redes mais utilizadas), programam o que deve e o que não deve aparecer como conteúdo aberto, para que qualquer ser humano, de qualquer idade, em qualquer lugar do mundo, possa ter acesso, sem nenhum limite. Mas é só procurar e verificar que imagens e vídeos explícitos, sensuais, estão aí, disponíveis, para quem quiser ver.
Olha o “golpe”. Esses mesmos controladores censuram e excluem imagens e vídeos de mães que estão amamentando, com intenção de divulgar e naturalizar o aleitamento materno e compartilhar suas experiências exitosas. Ou será que alguém acredita mesmo que, nessa ação, essas mulheres, mães, querem sensualizar para atrair olhares masculinos ou femininos para obterem algum outro benefício?
Mas, acredite. Tem coisa pior. Lembra DO ALGORITMO, lá do começo do texto? Então, sabe o que ele faz? Ele entende esse conteúdo como erótico, distribui entre homens e gera assédios a essas mães. Isso não é invenção. Recebi hoje um pedido de ajuda de uma dessas mães que não sabia o que fazer. Conversamos muito. Expliquei um pouco a ela sobre O ALGORITMO.
Sabe qual a sensação dessa mãe e de muitas outras que eu e muitos outros profissionais de saúde que conheço já tiveram contato?
“Se for isso eu vou me culpar eternamente. É estar expondo meu filho a isso.”
Então, um ato ABSOLUTAMENTE NORMAL E NATURAL que é AMAMENTAR gera censura, assédio, e a culpa, com a conivência ou, no mínimo, o abandono das redes sociais.
Aí eu penso (sim, eu faço isso de vez em quando...)
- Se fosse “UMA ALGORITMA” a programação da forma do “pensar” seria a mesma?
- Quanto tempo “UMA ALGORITMA” levaria para programar o direcionamento de qualquer imagem ou vídeo em que uma mãe amamenta seu filho a grupos de mulheres, em idade fértil, gestantes ou não, lactantes ou não, para que essa informação fosse divulgada e colaborasse para aumentar as taxas de aleitamento materno no Brasil?
- Será que por trás da programação DO ALGORITMO e na equipe que controla o conteúdo das redes sociais estão apenas homens?
- Não seria, no mínimo lógico e justo, que mulheres participassem ativamente desse processo, representando “seu lugar de fala”, em algo que não pode nunca ser orientado apenas ou principalmente por homens?
Pronto. Falei. Ufa. Estava entalado.
Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545