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E quando o marketing não vende o que promete? Qual o nome disso?

Do site da >Editora Timo

Aconselhamento (escuta ativa, empatia, sem julgamentos) deve ser dedicado a mães que amamentam e a mães que, por qualquer razão, não amamentam.

por Dr. Moises Chencinski - colunista

24/11/2021

O profissional de saúde materno-infantil deve estar ao lado da mãe e oferecer, independentemente da sua escolha, o melhor em termos de informação e orientação para que a díade (mãe-bebê) evolua e se desenvolva sem riscos.

Primum non nocere, secundum cavere, tertium sanare

Primeiro, não prejudicar.

Segundo: ser “cauteloso” ao avaliar exatamente o que está acontecendo com seu paciente.

Terceiro: curar.

O aleitamento materno é o padrão-ouro da alimentação infantil. Os substitutos de leite materno (SLM) têm indicações precisas, quando o leite humano, por qualquer razão, não pode ser oferecido de forma plena.  SLM também podem ser uma reivindicação das mães que, informadas de todos as possibilidades e riscos, opta por essa forma de alimentar seu bebê, sem julgamento por parte da equipe de saúde.

SLM são extremamente importantes e tão vitais, quando necessários, que deveriam ser prescritos apenas por nutricionistas e pediatras (profissionais habilitados e capacitados para isso), em receituário próprio, em duas vias, com data, assinatura e identificação do conselho de classe (CRM e CRN). Os substitutos de leite materno deveriam ser vendidos apenas em farmácias, com retenção de uma via (assim como é feito para antibióticos – seguindo a RDC 44, de 26 de outubro de 2010 da Anvisa).

Assim, como é necessário estar informado, atualizado para orientação a respeito de aleitamento materno, o profissional de saúde materno-infantil deve conhecer e estudar os substitutos de leite materno e estar apto a saber se ele é necessário, qual o momento de sua indicação e como introduzir, para “Primum non nocere, secundum cavere, tertium sanare” (já sabemos o que é isso, né?).

Como indicar sem prejudicar?

Erro médico: pode ser classificado em três tipos: negligência (quando resultam de falta de atenção e cuidado), imperícia (quando o médico não é totalmente capacitado para realizar o tratamento que gerou o erro) e imprudência (médico opta, precipitadamente, por procedimento não indicado e não comprovado cientificamente).

Então, muita atenção

Estudos recentes nos trazem, no mínimo, um alerta sobre o que a indústria pode usar como marketing e, muitas vezes, propaganda enganosa para iludir e convencer mães a respeito de seus produtos. O marketing de fórmulas infantis é citado pela Organização Mundial da Saúde como a principal barreira para a promoção e proteção da amamentação e para atingir as metas de crianças abaixo de 6 meses de idade em aleitamento materno exclusivo (pelo menos 50% até 2.025 e pelo menos 70% até 2.030)

Uma revisão realizada por uma equipe internacional, coordenada pelo Imperial College de Londres, analisou 125 ensaios com fórmulas infantis publicados desde 2015. O conjunto destes estudos envolveu 23.757 crianças.

Este estudo aponta que os ensaios não são confiáveis, sugerindo que muitas das informações recentes geradas sobre produtos de fórmula podem ser enganosas, sem transparência sobre os objetivos dos ensaios e conclusões quase universalmente favoráveis, com potencial objetivo de marketing e nenhuma meta científica robusta.

Outra publicação mais recente sobre estudos realizados em 5 hospitais na Inglaterra, de 11 de agosto de 1993 a 29 de outubro de 2001, e escolas na Inglaterra, de setembro de 2002 a agosto de 2016, contou com a participação de 1763 adolescentes (425 nascidos prematuros, 299 nascidos a termo e pequenos para a idade gestacional, 1039 nascidos a termo) que participaram de um dos sete ensaios clínicos randomizados de fórmulas infantis.

O objetivo era comparar as diferenças no desempenho acadêmico entre adolescentes que foram triados aleatoriamente na infância para consumirem fórmula infantil padrão ou modificada (mais “completas” e mais caras).

Qual a conclusão desses estudos?

A conclusão desse grupo de pesquisadores foi que “nenhum benefício cognitivo, conforme medido pelo desempenho acadêmico, foi encontrado para qualquer uma das fórmulas modificadas (enriquecido com nutrientes, ácido graxo poliinsaturado de cadeia longa suplementado, fórmula de continuação fortificada com ferro, sn-2 palmitato suplementado e nucleotídeo suplementado), consistente com o ensaios originais e a literatura externa.”

O mais interessante é que esse estudo teve o apoio, inclusive financeiro, entre outros, das próprias indústrias (Abbot, Farleys, Milupa, Nestle, Wyeth, Nutricia e Heinzmulas) o que poderia caracterizar (e caracteriza) até conflito de interesses. E, mesmo assim, os resultados comprovaram que o marketing não condizia com a informação.

Segundo esse estudo, a fórmula infantil é consumida globalmente por mais de 60% das crianças com idade abaixo de 6 meses.

Essas descobertas apoiam a necessidade de uma mudança substancial na conduta e relatórios de testes de fórmulas para proteger adequadamente os participantes de danos e proteger os consumidores de informações enganosas.

Afinal, a ideia é acabar com a indústria?

A proposta não é acabar com a indústria, ou com os empregos ou com o produto (substitutos do leite materno) e sim limitar o alcance do marketing dessas empresas que interferem, de forma marcante, na evolução das taxas de aleitamento materno.

Nossa recomendação permanece sendo o aleitamento materno desde a sala de parto até dois anos ou mais, exclusivo e em livre-demanda até o 6º mês, quando deve ser iniciada a introdução de alimentação complementar saudável de acordo com o Guia alimentar para crianças brasileiras menores de dois anos (Ministério da Saúde – 2019).

Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545