Do site da Crescer
É comum os pequenos nos surpreenderem. De repente, inventam algo que nos deixa confusos e aflitos, que, do mesmo jeito que surge, desaparece. Conheça algumas dessas atitudes e como agir sem enlouquecer
por Rita Lisauskas
19/12/2021
Quando o bebê nasce, a gente sabe praticamente nada sobre ele. À medida que vai crescendo e se desenvolvendo, ganhamos algumas pistas do seu temperamento e da sua personalidade. Mas, mesmo assim, sabemos que essa criança é um “projeto em andamento”. Ainda vai levar um bom tempo para podermos reconhecer nela características que provavelmente farão parte de sua vida adolescente e adulta.
Nesse meio-tempo, há várias atitudes, que variam de criança para criança, que podem deixar alguns pais confusos, principalmente quando os filhos começam a fazer coisas inusitadas e até esquisitas. Bater a cabeça de propósito e com força no berço, lamber tudo o que veem pela frente, tirar a roupa em público ou abordar e apontar as pessoas com perguntas embaraçosas são alguns desses comportamentos que os pequenos podem ter.
Pais e mães abriram o coração e contaram à CRESCER algumas histórias insólitas dos seus filhos. Especialistas nos ajudam a interpretar e entender essas atitudes das crianças, e dão dicas de maneiras gentis e certeiras de lidar com elas. Veja a seguir.
A espécie humana começou a usar roupas há mais de 100 mil anos para se proteger do frio, enquanto migrava para regiões mais longínquas em busca de alimento. No mundo contemporâneo, as peças que serviram para nos cobrir também foram incorporadas pelas diferentes culturas e pela moda. É claro que a maioria das crianças não tem consciência disso e muitas, simplesmente, se recusam a permanecer vestidas em público.
A pequena Heloísa, 6, destruiu o “look” logo que chegou à casa de bisavós que não encontrava havia anos – ela arrancou o laço do cabelo, a calça, a meia e os sapatos, ficando apenas de casaco e cueca (ela não suporta calcinha), conta sua mãe, a gestora ambiental Aline Shemesh, 32. Já Pedro, 6, filho da fonoaudióloga Julia Delibero, 40, costumava tirar a sunga ao final da aula de natação e sair peladão da água, para desespero dela, que estava sempre com a toalha a postos para cobrir as partes íntimas do filho.
Segundo a psicóloga Daniela Câmara, do Hospital São Luiz (SP), cenas como essas são comuns na infância para crianças pequenas (não há uma idade específica), e os pais devem primeiro tentar entender o porquê de a criança estar arrancando a roupa. “Ela pode estar com calor, incomodada com a etiqueta ou ter outros motivos que, muitas vezes, escapam à compreensão do adulto”, indica. E quando a criança tira, inclusive, a fralda, pode ser sinal de que está pronta para o desfralde, lembra a psicopedagoga Melina Blanco Amarins, do Hospital Israelita Albert Einstein (SP).
As especialistas sugerem que os pais levem os episódios com bom humor e, aos poucos, ensinem aos filhos a importância de se manterem vestidos em público, sempre de acordo com a cultura em que a família está inserida.
Os bebês menores não sabem nomear o que sentem e, por isso, algumas vezes usam o “que têm à mão” para demonstrar que estão cansados, frustrados ou com sono. Pedro, 1, costuma se dar tapas no rosto quando está esgotado. “Ele fica até com a cara vermelha”, conta a mãe, a jornalista Denise Godinho, 33. Segundo a coordenadora do Serviço de Psicologia Hospitalar do Sabará Hospital Infantil (SP), Cristina Borsari, o comportamento tem explicação. “As crianças agem dessa forma, sobretudo entre 1 e 3 anos, quando se sentem esgotadas fisicamente, e não conseguem relaxar e adormecer”, explica. Além de bater no próprio rosto, como no caso de Pedro, algumas crianças batem a cabeça no berço pelos mesmos motivos. Depois de muito observar, Denise entendeu que Pedro age assim quando está com sono e procura pegá-lo no colo, para evitar que se machuque.
É sinal de alerta quando a cena se repete com muita frequência (independente do cansaço). Conte ao pediatra, porque toda ação exacerbada pode trazer riscos. Além disso, há alguns transtornos do desenvolvimento infantil que incluem padrões repetitivos, daí a necessidade de monitorar.
Lia, a filha mais velha da professora Melissa Ufer, 37, teve uma crise de choro tão intensa quando tinha 10 meses que parou de respirar e desmaiou. “Corremos para o pronto-socorro, e foi o pior momento da minha vida”, conta.
Depois de uma série de exames, descobriu-se que a menina, hoje com 6 anos, não estava doente e nem prendeu a respiração de propósito, como muitos podem acreditar. Ela teve a chamada crise de perda de fôlego, algo que acontece com até 5% das crianças saudáveis durante o primeiro e segundo anos de vida, de acordo com uma pesquisa conduzida pela Universidade norte-americana de Rochester.
“Esse comportamento é totalmente involuntário e é desencadeado pelas emoções e sentimentos, ou seja, geralmente ocorre depois de uma experiência dolorosa, como uma queda ou um susto”, explica a psicóloga Cristina Borsari. Segundo ela, esses episódios duram, em média, 20 segundos e são inofensivos, ou seja, não causam danos ao cérebro da criança, embora assustem os pais.
Se isso acontecer com o seu filho, mantenha a calma e tranquilize-o. A crise da perda de fôlego é relativamente rápida (embora pareça durar uma eternidade) e se resolve sozinha. Jogar água fria ou tentar fazer respiração boca a boca são medidas que devem ser evitadas.
“O primeiro contato do bebê com o mundo se dá pela boca, durante a amamentação. E é também pela boca que a criança descobre tudo o que está ao seu redor”, explica o pediatra Moises Chencinski, membro do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria e colunista da CRESCER. “Mesmo antes de ter consciência corporal e controle de seus movimentos, a criança leva tudo à boca para experimentar”, explica. E em tempos de pandemia, essa realidade é um terror para os pais.
Como o filho está no modo “explorador-turbo”, a jornalista Caroline Martin, 37, tem evitado sair com o pequeno Fabrício, 2 anos. Mas, depois de meses de confinamento por conta do novo coronavírus, decidiu arriscar e levar o pequeno para brincar em um parque ao ar livre. Distraiu-se por alguns segundos quando notou que o menino lambia o chão da área infantil. “Acho que o piso era fofinho e ele quis experimentar”, conta, rindo. “Fiquei sem saber se passava a mão na boca dele, se assoprava. Estamos em uma pandemia, qualquer coisa que eu fizesse podia ser ainda pior”, afirma.
Segundo o pediatra Moises Chencinski, os pais têm de observar o comportamento da criança depois da “travessura” e considerar desde uma simples lavagem da boca até uma ida ao pronto-socorro. “Tudo depende do que foi lambido ou colocado na boca. Na dúvida se é motivo para preocupação ou não, a orientação é ligar para o médico”, afirma.
Nessa constante aventura desbravadora infantil, algumas crianças, como Lucas, 7, e Bella, 4, filhos do profissional de mídias sociais Gustavo Mello, 36, adoram beber água do chuveiro. A caçula também já bebeu água da piscina, mesmo com o pai explicando que pode fazer mal. “Eu acho que ela está na fase de experimentar novos sabores e sensações”, arrisca. O pediatra Moises Chencinski concorda, mas faz um alerta: embora seja pouco provável que as crianças fiquem doentes por beber água do banho ou da piscina, são grandes as chances de contraírem uma doença se tomarem água da privada. “Bactérias e protozoários podem ser ‘moradores’ do vaso sanitário e causar infecções gastrointestinais, como diarreias, dores abdominais, náuseas e vômitos”, diz.
Além do risco de ficarem doentes, também há perigo de afogamento. Crianças de até 4 anos podem cair de cabeça dentro do vaso sanitário e não ter força suficiente para se levantarem sozinhas, alerta. Por isso é importante manter a tampa sempre abaixada e, se possível, lacrada com um dispositivo de segurança.
A cena é clássica e acontece nas melhores famílias: a criança ganha um presente lindo, que geralmente vem em uma embalagem gigante envolvida em papel colorido. Depois de abrir o pacote, deixa o conteúdo de lado e vai brincar com a caixa. Isso sempre foi cena frequente na casa do radialista Marcelo Galinari, 45, quando Alice, hoje com 9 anos, era menor. “Teve um Natal em que ela ganhou uma boneca, um notebook infantil e um tapete de dança. Mas o que ela gostou mesmo foi de brincar de robô com as caixas, acho que porque conseguiu ‘entrar’ no brinquedo que ela mesma fez”, supõe.
Para a psicóloga Daniela Câmara, isso é completamente normal e até saudável. “A criança precisa de brinquedos simples, de objetos com os quais ela possa criar, usar a imaginação, encaixar, empilhar, colocar dentro do recipiente e tirar, deixar cair do alto, fazer seu próprio barulho. Não precisa necessariamente de brinquedos prontos, mas de objetos que deem asas à sua imaginação”, explica. E acrescenta: os pais não devem interferir e ficar empurrando o brinquedo para o pequeno, só para alegrar quem deu o presente. “Deixo-o desbravar o pacote de forma espontânea e apenas observe. Você vai aprender muito sobre o verdadeiro sentido de brincar!”
A introdução alimentar é um período de grandes desafios para os pais. Enquanto muitos pequenos aceitam sem resistência frutas, verduras e legumes que lhes são apresentados e oferecidos, outros simplesmente “dão trabalho” quando o assunto é comer, fazendo com que a hora do almoço e do jantar se torne um tormento para toda a família.
“É um momento de grande novidade para a criança, e é preciso não criar uma situação de conflito e tensão relacionada à refeição. Ela aprende naturalmente a comer os alimentos que a família come. Os pais e cuidadores são fortes exemplos, desde que não haja pressão, algo que pode gerar consequências no comportamento alimentar da criança e prováveis prejuízos em sua relação com a comida”, afirma a nutricionista Marcela Kotait, coordenadora do ambulatório de anorexia nervosa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
Um conselho da nutricionista aos pais dessas crianças mais seletivas é: tenham paciência e sejam gentis. Se o seu filho recusar um alimento, você pode e deve oferecê-lo várias outras vezes e em oportunidades distintas. “A repetição faz com que as crianças se habituem aos sabores”, explica Marcela Kotait. “Muitas vezes, é necessário até dez tentativas antes de decretar que seu filho realmente não gosta de determinado alimento”, afirma. E se algo for recusado de forma definitiva, relaxe: sempre há como substituir alguns alimentos por outros e, ainda assim, garantir que seu filho receba todos os nutrientes necessários para um crescimento saudável.
Se de um lado pode ser difícil convencer seu filho a experimentar alguns alimentos, de outro, às vezes, ele pode ser flagrado comendo o que não é indicado, como a ração do gato ou do cachorro que fica “dando sopa” no pote dos pets. Embora esses alimentos fabricados para os animais não façam mal à saúde das crianças, há ameaças, principalmente para os menores, explica o pediatra Moises Chencinski. “Por mais que os pets sejam limpos, vacinados e vermifugados, sempre existe o risco de ter saliva ou pelos desses animais no recipiente, e isso pode oferecer perigos aos bebês, especialmente os menores, que ainda têm seu sistema imunológico em formação.” Portanto, os pais devem higienizar sempre as vasilhas em que os pets comem e, claro, evitar que as crianças tenham acesso a elas.
As crianças são ótimas exploradoras não só do ambiente que as cerca, mas também do próprio corpo. Por isso, é comum que enfiem pequenos objetos no nariz e nos ouvidos ou que os engulam – o que pode ser ainda mais perigoso, já que suas vias aéreas superiores são pequenas e, dependendo do tamanho do objeto, elas podem sufocar.
“Feijões, rodas de carrinhos, moedas, botões, baterias de relógio, tudo o que estiver ao alcance da criança pode ser usado para essa ‘experiência’. E o mais desafiador para os pais é que, enquanto a criança não reclamar de dor, coceira ou de algum incômodo, não há como saber o que aconteceu”, explica Chencinski.
Estar sempre por perto, fazer uma inspeção do que está acessível à criança e guardar itens que ofereçam risco é um bom começo. Em caso de brinquedos, compre apenas os aprovados pelo INMETRO e verifique com frequência se não estão quebrados ou com peças faltando. Descobriu que seu filho engoliu algum objeto ou enfiou algo no nariz ou nos ouvidos? Entre em contato com o pediatra ou procure o pronto-socorro mais próximo. Moises Chencinski afirma que os pais não devem tentar retirar um corpo estranho sem a ajuda de um especialista, o que evita possíveis consequências mais graves.
Crianças adoram assistir ao mesmo filme de novo e de novo e de novo e, não raro, elegem apenas um livro para que os pais leiam e releiam todas as noites, mesmo já conhecendo todos os diálogos e detalhes da história. Parece familiar para você? Segundo a psicóloga Cristina Borsari, do Sabará Hospital Infantil (SP), os pequenos gostam dessa repetição porque se sentem seguros com previsibilidade. “Essa rotina oferece algo que eles anseiam, que é o controle. Eles criam esquemas que os ajudam a antecipar os acontecimentos”, esclarece. É comum para desde os mais novos até para os que já sabem ler sozinhos. E como as crianças não se entediam? Acredite: porque sempre descobrem algo novo, percebem outras nuances e aprendem palavras e expressões quando revisitam uma história.
Fique atento somente se o pequeno não aceitar de jeito nenhum experimentar novos filmes ou livros, explica o psiquiatra da infância e adolescência Fernando Sumiya, do Ambulatório de Diagnóstico do Instituto Jô Clemente (SP). “Existe algo que se chama interesse restrito específico, que ocorre quando a criança tem uma grande dificuldade de se interessar por algo diferente, a ponto de os pais não conseguirem distraí-la com outras coisas”, diz. Nesse caso, os pais devem reportar esse comportamento ao pediatra.
Quando tinha 5 anos, Henrique, filho da estudante de pedagogia Greice Toth, 43, entrou no elevador com a mãe e não pensou nem meia vez antes de perguntar ao vizinho se ele estava... grávido! O homem gargalhou, e Greice ficou constrangida com o comentário do menino, hoje com 12 anos. “Foram os sete andares mais demorados da minha vida”, lembra.
Já a filha de 2 anos da psicóloga Nívia Gonçalves, 45, começou a apontar e falar alto ‘olha a buxa, mamãe, olha a buxa!’ quando viu uma mulher com chapéu e um vestido longo e roxo logo à frente delas na fila do supermercado. “Eu tentei me esconder no meio do carrinho de compras, oscilando entre o desespero e uma crise de riso. A sorte é que a senhora não entendeu o que a Luiza dizia”, conta.
Quem nunca passou vergonha com o “sincericídio” dos filhos pode se considerar sortudo, porque as crianças, principalmente as menores, são extremamente espontâneas e sem filtro, ou seja, verbalizam tudo o que pensam e sentem, explica a psicóloga Daniela Câmara, do Hospital São Luiz. “Elas ainda não têm noção de que o outro possa se sentir constrangido com seu comentário”, afirma. A psicopedagoga Melina Blanco Amarins sugere aos pais explicarem para os pequenos, aos poucos, que as pessoas são diferentes umas das outras, e que podem ficar chateadas com algumas colocações. “As habilidades sociais, que fazem com que a criança consiga perceber o momento de dizer algo ou não, são adquiridas por meio de experiências e ensinamentos dos pais”, explica. E exemplos, sempre!
Por isso, o ideal é conversar naturalmente com o seu filho, respondendo às perguntas, e sem condenar sua curiosidade. Está aí uma oportunidade e tanto de contar a ele que as pessoas devem ser respeitadas do jeito que são.
Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545