Do site da Crescer
Na desafiadora gincana de conciliar maternidade e vida profissional, a primeira prova é esta: o retorno ao trabalho após o afastamento. São muitos os obstáculos no percurso, como manter o emprego e se adaptar à nova logística. Mas no fim dá tudo certo — mesmo que você precise fazer mudanças de rota e, inclusive, buscar outras oportunidades
por Camila Saccomori
05/02/2022
Não bastasse toda a corrida, ainda é preciso adicionar o atual “fator pandemia”. E ele traz duas perspectivas bem distintas. De um lado, o aumento do desemprego de forma geral e mais concentrado nas mulheres. Segundo dados do IBGE do mês passado, a taxa de desocupação de mão de obra feminina é de 17,1%, enquanto a masculina é de 11,7%. Por outro, permitiu modelos mais flexíveis de trabalho, especialmente para quem tem um bebê em casa. “Este é meu terceiro retorno de licença-maternidade, e o mais tranquilo. Por ser algo já conhecido e pelo privilégio de estar em home office com o apoio da empresa, com uma equipe empática que reconhece as pessoas e suas necessidades. Faz toda a diferença”, relata a coordenadora de RH Chiara Itaborahy, 36 anos. Mãe de Samuel, 8 anos, Henrique, 4, e Gabriela, 7 meses, Chiara está mantendo a amamentação, e permanece em trabalho remoto pelo menos até dezembro. Seus gestores criaram uma agenda de reintegração e horários com colegas de setor para deixá-la a par de assuntos internos na sua ausência.
Infelizmente, a história de Chiara não é padrão no Brasil: 55% das empresas não oferecem nenhum tipo de ação dedicada à jornada materna (como preparar a mãe para o retorno ou ajudá-la na readaptação), de acordo com levantamento da consultoria Filhos no Currículo e do Grupo Talenses. No entanto, segundo o Maternidade nas Empresas, programa que promove equidade de gênero no ambiente profissional, o momento que vivemos, com tudo o que a pandemia nos trouxe, está ajudando a promover uma cultura organizacional mais inclusiva.
Em 2017, quando criaram o Maternidade nas Empresas, as sócias Luciana Cattony e Susana Zaman precisavam justificar quais seriam os benefícios da equidade de gênero no mercado. “Hoje, não há dúvidas sobre a relevância do tema”, conta Susana. “Mostrar ao mundo que somos seres integrais foi um efeito colateral do home office na pandemia. Não é preciso separar os papéis da vida profissional e pessoal – e isso é positivo! As instituições estão acompanhando esse movimento.”
Ou seja: a empresa pode e deve ser parte da rede de apoio de quem contribui diariamente com o negócio. Do ano passado até agora, a consultoria Bloom Famílias viu aumentar em 300% a procura pelos serviços de estratégias para novas culturas organizacionais. Esses benefícios também contribuem para a retenção de talentos; afinal, se não encontra suporte, a tendência da mãe é procurar outras possibilidades que funcionem melhor para ela. “Há um senso de urgência para as empresas ocuparem seu lugar como parte ativa da rede de cuidados”, explica a CEO da Bloom, Roberta Sotomaior. De volta à metáfora da gincana: a jornada pode ser mais fácil em equipe.
Porém, se você, como muitas outras mães, trabalha em uma empresa que não olha para essas questões, é importante “criar um time” para buscar um canal de diálogo. Começa com a união de funcionários que tenham o interesse em comum. Às vezes, a companhia não se pronuncia simplesmente porque ninguém reivindica com veemência.
O retorno após a licença-maternidade costuma ser povoado de dúvidas e preocupações. É compreensível. “Seria pouquíssimo provável uma mãe que tenha se dedicado ao bebê por meses conseguir, de um dia para o outro, ficar longe dele sem nenhum impacto emocional”, analisa a psicóloga perinatal e parental Ananda Figueiredo, de Criciúma (SC).
É nesse ponto que a oportunidade do trabalho remoto ou híbrido, como muitas empresas adotaram nos últimos tempos, acaba sendo decisiva. “Fiquei aflita pensando no momento de voltar, cheguei a cogitar pedir demissão, mas, quando retornei da licença, estava tudo online. Resolvi dar uma chance para o home office e funcionou”, diz a analista de pessoas e cultura Shadya Hayek, 35 anos.
Conciliar as atividades em casa com a amamentação era algo que Shadya não sonhava em 30 de dezembro de 2019, quando Maya nasceu, pouco antes da chegada da pandemia. Como imaginar que seria possível dar o peito em livre demanda durante o expediente? E foi o que aconteceu. Ela transferiu o computador para a casa da mãe e todo dia “saía para trabalhar” com a bebê. Na hora de mamar, se estivesse em reunião, bastava desligar a câmera e seguir no compromisso. “Foi essencial para o aleitamento exclusivo”, conta.
A empresa onde trabalha, aliás, criou uma cartilha de boas práticas aos funcionários: nada de reunião com mais de 45 minutos e nem fora do horário comercial. A experiência para Shadya foi tão positiva que logo encomendou outro bebê: Gael nasceu em julho.
Se a sua situação é a volta presencial ou híbrida, antes dos seis meses de aleitamento exclusivo, fique tranquila. É possível amamentar e ofertar o seu leite (sem perder as propriedades nutricionais) para o bebê no período em que não está com ele.
Deixe os palpites de lado e acredite nas suas decisões. Uma delas é saber que a forma ideal de extração do leite é a que você se adaptar melhor: com as mãos, com máquinas de tirar leite manual, elétrica, dupla... Só procure fazer esse “treino” com antecedência, como explica o pediatra Moises Chencinski, presidente do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade de Pediatria de São Paulo. “Seja qual for o método, comece a praticar a extração em casa durante a licença, assim que se sentir em condições. Gosto de sugerir que a mãe pense em doar seu leite para um banco, assim, estará ajudando outros bebês e treinando a extração”, diz. “ Se não houver banco de leite na sua cidade, estabeleça esse ritual pelo menos um mês antes da volta, para efeito de treino. Como o prazo de congelamento é de 15 dias, a mãe passará a guardar o leite a partir desse período, para ser oferecido na sua ausência, prioritariamente no copinho, como orienta o Núcleo de Aleitamento Materno da SBP”, afirma Chencinski.
É bom saber que dá para misturar leites de diferentes horários e dias no mesmo recipiente até acumular o volume desejado. Não esqueça de etiquetá-los com a data de retirada para controlar a validade (deve ser oferecido num prazo de até 15 dias da primeira coleta). Para descongelar, use o banho-maria: ferva a água, desligue o fogo e mergulhe o frasco. Nada de micro-ondas – que altera as propriedades nutricionais do alimento. Mexa-o levemente para deixar o leite mais homogêneo.
Para além da amamentação, planejar a logística de cuidados com o bebê após o retorno é outro passo para a volta ao trabalho ser mais serena. As alternativas, em geral, recaem sobre contratar uma babá, ter um familiar de confiança ou matricular na creche – às vezes, todas as opções anteriores combinadas.
“Não existe certo ou errado: cada mãe precisa entender o que se encaixa para ela naquele momento. E pode ser que isso depois mude, em função da rotina, de questões financeiras ou do que vai deixá-la mais segura. Esse é um bom indicador, pois a segurança será transmitida ao bebê”, diz a psicóloga Arieli Groff, de Porto Alegre (RS). No entanto, não deixe a decisão para a última hora. Pese os prós e contras de cada alternativa com calma. E não custa lembrar: não se estresse se, com o passar dos dias, perceber que muito do que planejou não está funcionando como deveria (e até se questionar sobre um novo rumo na sua vida, carreira). A dinâmica com os filhos é imprevisível mesmo...
Após passar a gravidez em home office, a diretora da área de Pessoas e Estratégia Anny Chueh, 35 anos, sabe que em algum momento de 2022 terá escala híbrida no retorno ao dia a dia profissional. Mas as inúmeras viagens a trabalho de antes não serão mais tão frequentes. “Resolvemos por videoconferências, o que me dá tranquilidade, agora que sou mãe”, diz. Para ter apoio com os gêmeos Gabriel e Pedro, 3 meses, avalia a possibilidade de os bebês frequentarem um turno de escola e talvez uma babá nas demais horas. O marido trabalha em casa em alguns dias, o que também soma na rotina de cuidados.
A servidora pública Marianna Muccini, 33 anos, adotou um esquema misto para atender os filhos. Ela mora em Passo Fundo, RS, mas trabalha em Carazinho, a 50 km da sua cidade. Voltou a trabalhar no mês passado (juntou licença-maternidade, férias e licenças-prêmio), e fica muitas horas fora de casa. Segue o plano que deu certo com o filho mais velho, Davi, 3 anos: babá para ele e Júlia, 9 meses, nas manhãs. À tarde, ele vai para a escola e a bebê fica com as avós, que se revezam. O “test-drive” da adaptação com as cuidadoras começou um mês antes de Marianna voltar à ativa, inclusive o preparo das comidas da bebê para deixar congeladas.
Mas por que, mesmo com tanta organização e dedicação, a culpa ainda é tão presente para muitas mães? “Nossa cultura é resistente: reconhece pouco outra pessoa além da mãe na relação originária com a criança. É por isso que várias se sentem culpadas em deixar os filhos com terceiros. Mas pense: se há terceiros, pode haver muitos ‘primeiros’ nesse relacionamento”, provoca Anne Bertoli, especialista em Segurança Psicológica de Times e cofundadora do movimento De Pessoa Pra Pessoa. Na esteira da culpa tem, ainda, o fator sobrecarga mental. Mesmo com mães trabalhando em casa, ficou escancarado o desequilíbrio das funções assumidas entre o casal, e não apenas com os filhos.
Por isso, quanto maior for a divisão do cuidado entre os “primeiros”, mais possível é um retorno menos traumático – e menos sobrecarregado – quando o fim da licença-maternidade acontecer e forem acionados os tais “terceiros”. Uma sugestão para ir pavimentando o caminho é entender o funcionamento da sua própria rede de apoio e tomar conhecimento (ou autoconhecimento) dos motivos que levaram você a voltar ao trabalho. A psicóloga Arieli Groff dá um exemplo: “O que você responderia se a criança perguntasse: ‘Mamãe, por que você tem de trabalhar?’ Seria mais fácil eu dizer que preciso pagar as contas, comprar coisas. Mas essa não é a minha verdade. Trabalho porque sou feliz trabalhando, filha”, diz.
Os meninos João Pedro, 4 anos, e Bernardo, de 1 ano e 5 meses, ouvem respostas como essa da mãe, a médica Débora Todeschini Coral, 37 anos. Ela voltou da licença em outubro do ano passado para plantões de até 12 horas. “Gosto muito do que eu faço, de trazer bebês ao mundo, de ter tempo para mim, e quero que meus filhos vejam que sou realizada no meu trabalho, mesmo sentindo saudade deles. Sou a mãe e também sou a Débora profissional”, diz. A jornalista Andréia Sadi, 34 anos, mãe de João e Pedro, 6 meses, também compartilha da mesma crença, como você pode ver na entrevista da página 42. Ela, que está curtindo os últimos dias de licença-maternidade, diz que vai ficar muito satisfeita com o retorno ao trabalho. “Se estou feliz, os meninos também estarão”, afirma.
Para focar na felicidade e remover de vez o obstáculo “culpa”, mire-se neste estudo da Universidade Harvard (EUA): ele aponta que o fato de a mãe trabalhar fora não prejudica a felicidade dos filhos. É esta a conclusão da pesquisa feita com 100 mil homens e mulheres, em 29 países, mostrando que filhos de mulheres com uma carreira não têm seu desenvolvimento afetado pela jornada da mãe. “Eles tendem a escolher esposas que trabalham e têm atitudes de gênero significativamente mais igualitárias”, diz a pesquisadora KethLeen McGinn, que liderou o estudo.
Finalizando, vale a analogia de colocar a máscara de oxigênio primeiro no adulto, depois na criança. Reservar momentos de autocuidado é necessário após a licença. “A mulher também precisa ‘desmamar’ emocionalmente da função exclusiva de mãe que vinha exercendo”, reforça a psicóloga Ananda Figueiredo. “Ajuda a elaborar o fato de que está retornando a outro papel social.”
É histórico que as responsabilidades em casa ainda recaem muito mais sobre as mulheres, que, às vezes, são as únicas responsáveis pelas tarefas domésticas e os cuidados com os filhos. Mas o debate sobre a equidade de gênero começa a mudar. Pela CLT, a licença-paternidade é de cinco dias. Empresas Cidadãs oferecem 20. Para ampliar o vínculo dos profissionais com os filhos, há outros bons exemplos, de companhias como Reserva (45 dias), Boticário (120 dias), Rhodia (16 semanas) e Volvo (24 semanas). E vale também benefícios como o do escritório de advocacia MAMG (MG), que criou a licença-avós: quem tiver netos pode se afastar um mês do trabalho para ser rede de apoio.
Na Netflix, funcionários têm direito a quatro meses de licença-paternidade. O diretor jurídico da empresa, Pedro Fida (à esquerda), 34 anos, casado com a empresária Karina Arruda (à esquerda), 43 anos, conta sua experiência com os filhos Catarina, 9 anos, e Alex, 7 meses. “No nascimento da Catarina, tive só quatro dias de licença. Com Alex, foram quatro meses. Isso me deu uma visão ampla e profunda do puerpério e do apoio que a mãe precisa. Sem essa licença, os homens acabam poupados dos desafios enfrentados com a chegada de um filho e sobrecarregam a mulher. Viver de perto ampliou minha percepção sobre as necessidades não só do bebê, mas sobretudo da minha esposa e seus desafios maternos, pessoais e profissionais. Essa situação fortaleceu a relação em tempos tão complicados de pandemia.”
Como você percebeu, para viver a experiência da volta da licença-maternidade com mais tranquilidade e saúde mental, é importante a participação de todos (e aceitar essa colaboração): companheiro ou companheira e rede de apoio (tudo o que as mães-solo mais precisam), inclusive das empresas. Só assim, o que deve ser um momento de prazer e felicidade pode ser experimentado de maneira mais plena. Como toda mãe espera e merece.
Fonte: pesquisa Filhos no Currículo
Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545