Do site da Crescer
"É difícil reconhecer essas situações. Mais difícil é não julgar. Amamentar é um direito da mãe e da criança, não uma obrigação", diz o pediatra
por Dr. Moises Chencinski - colunista
30/03/2022
“Quem não gosta de samba
bom sujeito não é.
É ruim da cabeça
Ou doente do pé”
Você não gosta de chocolate??? Como assim???
Músicas, espanto, vida real.
Sim, tem gente que não gosta de samba ou que não adora chocolate.
Afinal, o que seria do verde, se todos gostassem do amarelo?
Nem sempre o querer, o gostar, o detestar, a indiferença, são lógicas ou racionais. Somos movidos por emoções, por memórias (afetivas ou não), por hormônios, questões sociais, culturais, por... nossa, tantas outras possibilidades.
É difícil reconhecer essas situações. Mais difícil é não julgar.
Amamentar é um direito da mãe e da criança, não uma obrigação.
A recomendação continua sendo aleitamento materno desde a sala de parto, até dois anos ou mais (desmame oportuno ou natural ou gentil, vamos ainda falar sobre isso), exclusivo até o sexto mês. Já sabemos os benefícios da amamentação para a criança, para a mãe, família, sociedade, economia, saúde do planeta.
Mas também sabemos (?) que amamentar não é simples, não é fácil e está até perigando deixar de ser natural. Sabemos que é preciso uma aldeia inteira para criar uma criança e que é necessário ter uma rede de apoio para proteger, promover e apoiar o aleitamento materno e a mulher que quer amamentar.
Mas será que alguém pode não querer amamentar? Sim. Essa é uma decisão da mãe, tomada após ser informada de forma ética e atualizada, sem julgamentos.
- Sei. Mas pode alguém querer amamentar e não gostar, desejar não amamentar, sentir desconforto e até repulsa pela amamentação?
D-MER, BAA, BAR, PERTURBAÇÃO DE AMAMENTAÇÃO, DEPRESSÃO PÓS-PARTO
Muitas siglas, muitas explicações, algumas diferenças, muitas semelhanças.
Mesmo que a mulher sonhe, deseje, se informe e queira amamentar, alguns desafios, sem nenhum sentido aparente, podem surgir e se tornarem até causas de desmame precoce. É sempre importante estarmos atentos aos sinais, porque nem sempre a questão será verbalizada pela mãe por dois pesadelos presentes no mundo materno-infantil: JULGAMENTO e CULPA.
D-MER
Reflexo de Ejeção de Leite Disfórico (Dysphoric Milk Ejection Reflex)
É um sentimento de aversão em resposta à sucção do recém-nascido (RN), que começa logo antes da saída do leite, pode continuar por alguns minutos, em algumas ou em muitas mamadas e pode até acontecer sem que a mãe esteja amamentando naquele momento (contato com o mamilo), mas só pelo fato de seu organismo se preparar para a mamada.
Instabilidade do humor, mal-estar, tristeza, ansiedade, irritabilidade, inquietude e até reações coléricas, podem interferir na capacidade de a mãe amamentar regularmente. Como é um reflexo, tem aparecimento incontrolável e pode durar de semanas a meses.
BAA
Aversão e Agitação da Amamentação (Breastfeding Aversion and Agitation).
Fenômeno ainda pouco pesquisado, sem causa, gatilhos e estratégias conhecidas, que ocorre em algumas mulheres que amamentam. Podem estar mais presentes no aleitamento materno durante a gravidez (lactogestação), ou naquelas que alimentam um RN e uma criança pequena (Tandem), na livre demanda, ou quando a mãe amamenta por mais tempo (prolongada?)
Alguns estudos caracterizam uma vivência de aversão e agitação durante a amamentação, que varia em momento de início, forma, gravidade e duração, com sentimentos de raiva, com sensação de arrepios na pele e um desejo de tirar o bebê que está mamando ou agitação e irritabilidade enquanto o bebê está na pega.
Muitas mães com BAA continuam a amamentar, mas com sensação de culpa (olha ela aí) e vergonha, com confusão em torno desses sentimentos (Esse quadro também se relaciona com PERTURBAÇÃO DA AMAMENTAÇÃO).
BAR
Resposta de Aversão à Amamentação (Breastfeeding Aversion Response).
Alguns poucos estudos recentes começam a focar experiências de mulheres que apresentam uma resposta de aversão à amamentação enquanto o bebê está na mama, uma sensação negativa que entra em conflito com o desejo de amamentar, com possível impacto no bem-estar materno. Essa experiência é inesperada e difícil para as mães, com riscos de efeitos prejudiciais na identidade materna, nos laços mãe-filho e nas relações familiares íntimas.
Outras situações relacionadas ou confundidas com as descritas aqui passam pelo blues puerperal, depressão pós-parto, pelos sentimentos de insatisfação gerados pela dor, que não deveria acontecer, durante essa fase (fissuras, ingurgitamento, mastites, candidíase mamária).
INFORMAÇÃO, CONSCIENTIZAÇÃO, REDE DE APOIO, DIAGNÓSTICO e ACOMPANHAMENTO PROFISSIONAL são fundamentais para que o aleitamento materno, em lactantes que desejam seguir nesse caminho, seja “somente” e “totalmente” AMAMENTAÇÃO.
Assim, se você conhecer uma mãe em uma situação parecida, ou se você estiver passando por isso, não se espante, não se afaste, não a condene. Ela pode precisar, mais do que tudo, nesse momento, de empatia, escuta ativa, sem julgamentos (ACONSELHAMENTO) e muita sensibilidade e acolhimento.
Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545