Do BLOG da Editora Timo
por Dr. Moises Chencinski - colunista
25/05/2022
Em 2.007, eu escrevi essa matéria para o Guia do Bebê. A repercussão foi imensa na época, e chegou a ser publicado em várias mídias, ano após ano, até 2.011, quando parei de ir atrás dela. O tempo passou e aquela “criança miniatura” de 2.007 já é adolescente (já tem 15 anos). E mesmo assim, a cada dia mais, essa proposta de reflexão é atual, se renova e se faz necessária.
Segue uma parte dele.
Isso tooooodo mundo sabe. Será que sabe mesmo?
Este é um conceito fácil de ser aceito, mas difícil de ser posto em prática. Crianças não chegam com manual de instruções (que pena, não é mesmo?).
Você sabia que a criança:
- Tem o campo de visão mais estreito do que o do adulto e confunde "ver" com "ser visto" (a criança cobre seu rosto e acha que ninguém a vê)?
- Não detecta facilmente de onde provêm os sons e se distrai facilmente com eles (parando, inclusive, de mamar para prestar atenção no que a rodeia)?
- Procura sempre satisfazer, antes de tudo, suas necessidades? Atrás de uma bola vem sempre uma criança ... que não dá atenção a mais nada, dominada por impulsos irresistíveis que a fazem esquecer de tudo, especialmente dos riscos.
- Procura imitar sempre os adultos, não importando se são coisas "boas ou ruins", porque se espelha neles (especialmente em seus pais) para aprender como deve agir?
E isso vale, não só para as características comportamentais, como também, para questões de seu desenvolvimento físico. Crianças apresentam doenças próprias da infância. Isso deveria ser lógico, mas... temos cada vez mais crianças apresentando doenças de adultos (obesidade, hipertensão, diabetes, problemas de colesterol, triglicérides e outros). Até nesse campo, a criança está "imitando" o adulto.
Cada criança é única. E é aí que reside toda a graça e toda a magia da criança. E cada uma delas contém em si um universo próprio, também único. Não há como dissociar cada parte do desenvolvimento de uma criança. Quando está bem, a criança se desenvolve como um todo. Mas quando ela adoece, também adoece como um todo.”
Para minha tristeza e decepção, leio o texto e sinto que, apesar de esse ser um conceito básico e parecer tão primário, e de ser repetido por tanta gente, ainda não se estabeleceu, de verdade, que a criança não é um adulto em miniatura.
Vou só por três exemplos que deveriam dispensar explicações, só que não...
Você está assistindo um filme ou um jogo de futebol, ou está no meio de uma reunião de trabalho ou a caminho de um compromisso e bate aquela fome. Mesmo assim, você espera tudo isso passar e até pula essa refeição, se o que você estiver fazendo for “prioritário” para você. É uma decisão baseada na sua lógica. Ou então, você come “qualquer coisinha”, mesmo que não seja saudável, e se responsabiliza pelos seus atos, consciente de que não é o ideal, mas “é o que tem pra hoje”.
Um bebê com fome não sabe esperar. A prioridade máxima de um bebê que chora de fome, é se alimentar. E quando essa “refeição” não vem no momento que ele precisa, ele chora mais, até que se dê a ele o que ele precisa. Ele não tem noção de tempo, de esperar um pouco, de comer depois. E isso não muda durante meses ou anos de sua vida. Livre-demanda é atender o bebê na sua fome, até antes de ele chorar, quando ele já dá sinais de que precisa se alimentar (acorda e fica mais agitado, se mexe mais, por exemplo). Ele depende de você. Ele confia em você.
Você está assistindo um filme ou um jogo de futebol, ou está no meio de uma reunião de trabalho ou a caminho de um compromisso e bate aquele soninho. Você se levanta, toma água, um café, se estica, anda um pouco e adia seu sono. Mais tarde, você se deita e tenta novamente dormir. Ou então, amanhã você tem que acordar muito cedo e trata de achar formas de se deitar, sem ser sua hora de dormir, e lê, ou ouve uma música, ou até toma um medicamento indutor de sono e modifica seu ciclo ou suas janelas de dormir.
Um bebê dorme de dia, mamando ou, se já maiorzinho, comendo na sua frente. Ele dorme à noite (ou não). Seus ciclos e janelas de sono estão em constante desenvolvimento e transformação. O bebê depende de muitos fatores para dormir, mas o mais importante deles, que não pode faltar, que deveria ser natural a todos nós, é, por incrível que pareça, ter sono. Dá pra acreditar nesse serzinho? Sem sono ele não dorme. Impressionante. E se ele dorme é porque tem sono, não porque tomou algum medicamento ou porque foi “treinado” para isso. Existem fatores importantes para que ele durma. Ele precisa estar alimentado, sem fome. É desejável que o ambiente seja favorável. Luz, calor, frio, barulho podem interferir no sono de um bebê. Ele depende de você. Ele confia em você.
Você está chegando em casa depois de um dia exaustivo. Um trânsitoooo. Uma chuuuuuuva. E, de repente, não mais que de repente, vem aquela vontade de ir ao banheiro (1 ou 2. Ou os 2, não importa). Você controla. Segura. Dor na barriga. Suor frio. E todos os pensamentos para que você consiga se controlar para não passar pela situação de entrar no elevador o seu prédio “estragado”. Você tem a sua vaga na garagem no 2º subsolo, mora no 12º andar e, como sempre acontece nessa hora, um elevador está quebrado e o outro está subindo. O controle segue até que você consegue abrir a porta da sua casa, joga as coisas no chão, corre desesperadamente para o 1º banheiro que você encontra e se joga... com uma sensação de alívio e do dever cumprido. Não houve acidentes.
Um bebê usa fraldas desde que nasce. Seu desenvolvimento é crânio-caudal (da cabeça, para os pés) e de dentro para fora (de órgãos mais nobres para os “menos nobres”). Tudo acontece ao seu tempo. A criança é um ser “em desenvolvimento”.
O desfralde deve acontecer de dentro para fora. Você não retira as fraldas para a criança não fazer mais xixi ou cocô. Você espera que ela dê sinais de que controla o xixi e o cocô para tirar as fraldas.
Pouca coisa nos desespera mais do que receber um aviso da escolinha:
“Caros pais. Vamos iniciar o processo de desfralde de seu filho (que tem 2 anos e meio e está em uma sala de crianças de 2 a 3 anos). Mande umas 4 ou 5 roupinhas a mais para o caso de escapes. Obrigado”.
A vergonha da criança, a exposição, a sensação que o uso das fraldas buscou evitar durante todo esse tempo não são levados em conta nessa hora? E o desenvolvimento de cada criança? Ela depende de você. Ela confia em você.
Não entenda um choro de criança como algo premeditado para chantagear pais, para atingir objetivos, especialmente se estamos falando sobre lactentes e da primeiríssima infância. Não a deixe chorando para aprender.
Se uma criança chora, sem o acolhimento de um adulto, sem segurança, sem ser vista, ouvida e respeitada, ela não deixa de chorar por aprender. Ela deixa de chorar por não acreditar.
Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545