Do site da Crescer
Pediatra levanta desafios e controvérsias sobre a amamentação e reforça a presença da legislação brasileira a respeito: "Não poderia deixar passar essa oportunidade para trazer dados para que cada um de vocês possa analisar e tirar suas conclusões"
por Dr. Moises Chencinski - colunista
22/08/2022
Provérbio chinês:
“Todos os fatos têm três versões: a sua, a minha e a verdadeira.”
De 1 a 7 de agosto, celebrou-se a 31ª Semana Mundial de Aleitamento Materno (SMAM) com o tema FORTALECER A AMAMENTAÇÃO. EDUCANDO E APOIANDO.
No Brasil, celebramos o 6º AGOSTO DOURADO e o tema do Ministério da Saúde para a SMAM é APOIAR A AMAMENTAÇÃO É CUIDAR DO FUTURO.
Nessa semana e nesse mês, a informação, as ações, os cursos, os desafios e as controvérsias relacionadas à amamentação tomam conta do Brasil e do mundo, e a mídia acaba sendo “invadida” por milhares de depoimentos nem sempre tão claros ou concordantes.
Não tenho a pretensão de ser a palavra definitiva sobre o tema, mas não poderia deixar passar essa oportunidade para trazer dados para que cada um de vocês possa analisar e tirar suas conclusões.
“Contra fatos não há argumentos”.
Não sei quem disse isso, mas... Será mesmo?
Um fato isolado, sem que se conheça as circunstâncias que o rodeiam, vem carregado de interpretações e cada uma delas vem embasada em questões individuais e daí... julgamento e veredito. Se fosse simples, em um julgamento, não seria necessário um advogado de defesa, um promotor, um júri e um juiz, não é mesmo?
Origem (ou Fatos)
Em janeiro de 2.020, foi publicada uma pesquisa na Revista de Saúde Pública (RSP) que identificou que 88% entre 352 estabelecimentos comerciais (240 farmácias, 88 supermercados e 24 lojas de departamento) comercializavam produtos cuja promoção é proibida pela NBCAL. A conclusão foi que “mais de um quinto dos estabelecimentos comerciais faziam promoção comercial de fórmulas infantis para lactentes, mamadeiras e bicos, apesar de essa prática ser proibida no Brasil há trinta anos. É necessária a capacitação dos seus responsáveis. Os órgãos governamentais devem realizar fiscalização dos estabelecimentos comerciais para coibir estratégias de persuasão e indução à vendas desses produtos, garantindo às mães autonomia na decisão sobre a alimentação de seus filhos.”
Em entrevista exclusiva cedida à Agência Brasil, estudo feito pelo Observatório de Saúde da Infância (Observa Infância – com o mesmo grupo de pesquisadores), com o “objetivo de gerar evidências científicas para apoiar políticas públicas mais eficazes para a proteção e a promoção do aleitamento materno”, traz dados que ainda serão publicados, mostrando que, após 2 anos, a NBCAL continua sendo desrespeitada por farmácias e supermercados nas 7 cidades.
Em julho de 2.022, foi publicada uma nova pesquisa, por uma equipe de pesquisadores muito semelhante à primeira, na mesma RSP, realizada com 217 profissionais de saúde, principalmente pediatras (48,8%), além de nutricionistas, fonoaudiólogos e um membro da chefia. A conclusão foi que “as indústrias de alimentos infantis infringem a NBCAL ao assediar profissionais de saúde em congressos científicos, oferecendo patrocínios materiais e financeiros diversos.”
A NBCAL (Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes e Crianças de Primeira Infância, Bicos, Chupetas e Mamadeiras – Lei 11.265 e Decreto 9.579) “regulamenta a comercialização de alimentos para lactentes e crianças de primeira infância e também a de produtos de puericultura correlatos.” O objetivo da NBCAL é assegurar o uso apropriado desses produtos de forma que não haja interferência na prática do aleitamento materno.
A lei existe. Por falta de uma... tem um decreto. E nele vem especificado bem claramente as possibilidades e as restrições das empresas no patrocínio, que pode ser dado apenas a instituições e sociedades, mas nunca a pessoas físicas.
Consequências e interpretações
A lei existe. A lei é muito clara nesses aspectos. Tanto na pesquisa de 2.020 quanto na de 2.022, publicadas na mesma revista, como na entrevista (estudo aguardando publicação) ficou demonstrado que existe transgressão à lei.
Ambos os estudos detectaram que uma grande porcentagem dos entrevistados refere desconhecer a lei (2.020 – 50,8% dos estabelecimentos / 2.022 – 45,6% dos profissionais), que já existe desde 2.006 e é motivo de constante debate e divulgação na mídia. A lei existe. O Código Penal Brasileiro, em seu artigo 21, deixa claro que ninguém pode deixar de ser punido em razão de desconhecer a lei.
Quando abordamos estudos científicos e pesquisas como essas, é fundamental que se conheça tanto a metodologia utilizada, quanto a população abordada, assim como seus resultados e as limitações, para que não se tirem conclusões precipitadas ou generalizações sejam feitas, sem que essa tenha sido a intenção da pesquisa.
E, em estudos sérios como esses, esses dados estão disponibilizados. Um recorte específico, sem uma análise cuidadosa, pode trazer interpretações com repercussões que não refletem nem o interesse real da pesquisa e não trazem objetividade para uma ação efetiva para o real cumprimento da lei.
O estudo de 2.022 reconhece que uma limitação é a quantidade pequena da amostra, que não permite uma generalização e que não identifica se existe uma relação direta entre receber benefício e prescrever fórmula infantil. Mas comprova o assédio da indústria aos profissionais de saúde. E a lei é clara e não estabelece valores ou tamanhos dos brindes ou patrocínios.
A indústria de substitutos de leite materno não pode fazer essa abordagem nem nas empresas e nem aos profissionais de saúde. Isso está na lei.
Por outro lado, nenhuma empresa (farmácia, supermercado entre outros) pode fazer promoção de determinados produtos que interferem na amamentação e os profissionais de saúde materno-infantil não podem receber nenhum presente ou patrocínio da indústria de substitutos de leite materno. Isso está na lei.
Quem é culpado?
Quem é inocente?
Quem fiscaliza?
Quem denuncia?
Quem julga?
Quem decide?
Com esses dados em mãos...
“E aí, qual vai ser. Agora tu vai ter que escolher...”
Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545