Do site da Crescer
Mães com mais de um filho pequeno em casa podem escolher amamentá-los ao mesmo tempo. Especialistas explicam os principais pontos sobre esta forma de aleitamento e garantem que é seguro para a mulher e o bebê. Saiba mais!
por Amada Moraes
04/08/2022
Apesar de todos os desafios que envolve, o aleitamento materno é um momento único entre mãe e bebê e, para quem tem mais de um filho pequeno, pode ser ainda mais singular. Isso porque existe a possibilidade de alimentar mais de uma criança, de idades diferentes, ao mesmo tempo: é a chamada amamentação em tandem.
A palavra “tandem” pode apresentar diversas interpretações e significados, como explica Moises Chencinski, colunista da CRESCER, pediatra e membro da Câmara Técnica de Aleitamento Materno do Ministério da Saúde. “No caso da amamentação, pode ter origem na ideia da bicicleta de dois lugares, usada em esportes, corridas ou lazer, na qual os dois pedalam. Isso significa sequência. Então, a amamentação em tandem é quando uma mãe tem um filho, fica grávida, normalmente amamenta durante a gestação — o que é chamado de lactogestação — e, depois do parto, continua amamentando seus dois filhos, o mais velho e o recém-nascido”, diz o especialista, que também é coordenador do livro Aleitamento Materno na Era Moderna. Vencendo Desafios", da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP).
Embora seja uma boa forma de manter a amamentação após a chegada do caçula, muitos ainda não sabem do que se trata. “Temos de trabalhar bastante para educar e apoiar o aleitamento materno. Se uma mãe estiver conseguindo fazer uma amamentação em tandem de forma tranquila, é importante quebrar o tabu e reforçar que é uma prática que pode ser realizada”, aponta Clery Gallacci, pediatra e neonatologista do Hospital e Maternidade Santa Joana.
A mãe, é claro, deve se sentir confortável e a escolha dela em relação ao aleitamento deve ser respeitada. Alimentar duas crianças de idades diferentes ao mesmo tempo pode ser desafiador e nem todas as mulheres podem querer seguir dessa maneira — e não há problema nenhum nisso. “É importante ressaltar que, assim como a amamentação é um direito e uma decisão da mãe, o tandem segue o mesmo propósito. Não é uma obrigação. Cabe aos profissionais de saúde materno-infantil informar e propiciar às mães as condições e a segurança para que elas possam atingir suas metas”, destaca Chencinski.
Para aquelas que desejam adotar a prática, podem surgir algumas dúvidas. É seguro? Terei leite suficiente para as duas crianças? Precisa reservar um seio específico para cada criança? A CRESCER conversou com especialistas para responder às principais perguntas sobre amamentação em tandem.
Confira:
Estudos não demonstram aumento de riscos na lactogestação ou na amamentação em tandem, nem para a mãe nem para as crianças, segundo Moises Chencinski. Os profissionais da saúde que acompanham a mãe devem estar cientes dos planos dela em relação à amamentação apenas para tirar dúvidas ou avaliar eventuais preocupações que possam surgir.
Clery Gallacci ressalta a importância do recém-nascido ser priorizado nesse jornada de amamentação dupla. "Quem precisa do leite materno neste momento é o bebê que acabou de nascer, porque ele não vai ter a oportunidade de receber outros alimentos. Já a criança que já está na faixa etária um pouco mais velha pode — e deve — receber outras fontes de alimentos para que ela tenha um bom crescimento e desenvolvimento", afirma a pediatra.
Também é preciso levar em consideração o lado emocional do aleitamento em tandem. “Se a mãe consegue fazer este procedimento de uma forma tranquila, se ela não está esgotada, se ela se sente confortável e se emocionalmente consegue administrar todas as crianças — porque às vezes um fica chorando, gritando e o outro fica bravo — não tem problema. Enfim, é uma situação complexa e depende muito de uma atuação individualizada de cada mãe com os seus filhos”, esclarece.
De acordo com Chencinski, não é preciso se alarmar se um filho estiver doente e o outro não, pois não há maior chance de ocorrerem infecções quando os pequenos são amamentados ao mesmo tempo, inclusive, a prática pode trazer benefícios para a saúde deles. “Existem estudos que mostram que uma criança que mama (lactente) com algum processo infeccioso, no contato direto com o mamilo ou pela transmissão respiratória, transmite ‘informações’ de sua infecção para a mãe, que produz anticorpos que passam pelo leite. Assim, os dois ficam protegidos”, explica.
“Será que dá para os dois? Nenhum vai passar fome? Será que a mãe aguenta? Essas são algumas das preocupações mais comuns e frequentes”, aponta Moises Chencinski. Mas, segundo o especialista, nenhum dos filhos ficará mal alimentado, a mulher é capaz de fornecer alimento suficiente para sustentá-los. “Se estimulada em livre demanda, uma mãe pode produzir leite para duas crianças. Gêmeos podem ser amamentados exclusivamente até o sexto mês, sem prejuízo à saúde de nenhum deles e nem à da mãe”, diz o médico, que reforça como a livre demanda é o maior estímulo para a produção de leite materno. “O fato de o mais velho ainda mamar favorece a fase inicial (os primeiros dias), tanto na produção quanto na transição de colostro para o leite maduro”, acrescenta.
Chencinski afirma que o leite produzido para os dois seios é o mesmo. Portanto, não faz diferença qual peito o lactente mais velho ou o recém-nascido mamam. “Por uma questão de estímulos dos bebês e lateralidade, é interessante a troca de seios por mamada, sem reservar um seio para cada um. O fator decisivo será sempre a proposta materna e seu desejo”, salienta o especialista.
"Mama quem pedir. Não faz diferença a ordem. Falamos sempre em livre demanda. Mas é importante que os dois mamem os dois seios", diz Moises Chencinski. No entanto, de acordo com o pediatra, caso a mãe precise escolher apenas um na hora de mamar, a prioridade é do recém-nascido, uma vez que a criança maior tem outros meios de alimentação além do leite materno, como citado anteriormente.
De acordo com Clery Gallacci, o corpo da mãe passa por várias mudanças hormonais durante a gestação, o que também leva a mudanças no leite materno. “A natureza toma conta aqui também. Quando nasce um novo bebê, o leite materno retoma as características iniciais e tudo recomeça como colostro”, completa Chencinski.
“Além disso, quando você amamenta mais de um filho ao mesmo tempo, há um maior estímulo de produção de leite, porque você vai ter duas sucções ao mesmo tempo, com maior frequência”, acrescenta a neonatologista do Hospital e Maternidade Santa Joana.
Não há referências quanto à questão de idade da mãe interferindo na amamentação em tandem, explica o colunista da CRESCER. “Desde que a mãe esteja em boas condições de saúde, não tem idade em que não é recomendada”, reforça Clery Gallacci.
Para as crianças, uma das principais vantagens está relacionada à imunidade. “A proteção por anticorpos da própria mãe passa para os dois filhos e ela recebe a ‘informação’ para produção a mais de cada um dos bebês”, reforça Chencinski. Já para as mães, a duração do aleitamento materno é que entra na conta. “Quando falamos em benefícios e proteção à saúde materno-infantil, estudos mostram que quanto maior o tempo de amamentação, mesmo que não consecutivo, aumentam as proteções à saúde da mãe — contra câncer de mama, ovário, diabetes, depressão — e da criança”, diz Chencinski.
Além das questões de saúde, ainda há vantagens comportamentais. Afinal, a amamentação em tandem ainda pode contribuir para estreitar o vínculo entre as crianças, tornando a chegada do caçula mais fácil [leia mais abaixo], e entre a mãe e seus pequenos.
Cada mãe encontrará a melhor forma de iniciar a amamentação em tandem. “O aleitamento materno é recomendado desde a sala de parto até os 2 anos de idade ou mais, exclusivo e em livre demanda até o sexto mês. Assim, quem pede recebe. Pode ser um de cada vez ou os dois ao mesmo tempo. O momento definirá o que vai acontecer”, ressalta Moises Chencinski.
A rotina também desempenha um papel importante. “Hoje tem vários trabalhos científicos que mostram que a composição do leite humano se modifica ao decorrer do dia, tem momentos que tem mais proteína, outros que tem mais carboidratos ou mais substâncias condutoras do sono. A natureza é muito sábia”, diz Gallacci. Por isso, segundo a neonatologista, o ideal seria que as crianças mamassem no mesmo momento. “Para isso, a mãe precisa conciliar a rotina da criança mais velha com a do bebê”, explica.
Quem tem mais de um filho em casa sabe que a chegada de um irmãozinho pode provocar ciúmes. “Em grande parte das vezes, um recém-nascido requer mais atenção e tempo da mãe do que as crianças maiores e muito disso se deve à questão da amamentação, especialmente em livre demanda”, afirma Moises Chencinski.
Apesar disso, os especialistas dizem que a amamentação em tandem pode ajudar nesta questão. “A criança mais velha pode lidar com a chegada desse bebê de forma mais tranquila, não sentindo que ela está perdendo a mãe ou aquele momento de pele a pele”, aponta Clery Gallacci. Assim, a conexão entre os irmãos pode ser estabelecida com mais facilidade. “No tandem, abre-se o espaço e o tempo para as duas crianças terem seu contato com a mãe e até para a interação do maior com o menor. Não são raras as situações em que, até pela mamada em conjunto, os irmãos interagem e criam um vínculo positivo entre si e com a mãe”, destaca Chencinski.
Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545