Do BLOG da Editora Timo
No caminho do AGOSTO DOURADO para o OUTUBRO ROSA.
por Dr. Moises Chencinski - colunista
21/09/2022
Em teu seio, Ó liberdade
"Nossa vida" no teu seio "mais amores".
Nessas frases do Hino Nacional, “seio” representa, em sentido figurado, a alma, o coração, o âmago.
As aspas originais em "Nossa vida" e "mais amores" marcam trechos emprestados do poema Canção do Exílio, de Gonçalves Dias.
Quantas vezes ouvimos que o Brasil é um país de dimensões continentais, que acolhe a vida de muitos povos, muitas raças?
Dados da PNAD contínua do 2º trimestre de 2.022 mostra que o Brasil tem 213.940.000 habitantes, sendo que 109.381.000 (51,12%) são mulheres.
Em análise do IBGE, entre 2.012 a 2021, houve um aumento da população que se autodeclara parda (45,6% para 47%) e preta (7,4% para 9,1%), e um recuo da população branca (46,3% para 43%), segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD de julho de 2.021). Assim, estimativas mostram que a população no país cresceu 7,6% entre 2012 e 2021 e, nesse mesmo período, a população declarada de cor preta cresceu 32,4% e a parda 10,8%, ao passo que a população que se declarava de cor branca não apresentou variação relevante.
Indígenas, africanos, orientais, europeus compõem a nossa história, moldando nossa cultura e influenciando nossos hábitos. E assim, desde 1.500 até os dias de hoje, com tanta miscigenação, uma pergunta se faz necessária e básica:
Qual a “cor” do seio do Brasil?
“A história é uma ferramenta de construção de identidade”.
Frase atribuída a Laurentino Gomes - jornalista e escritor.
Assim, para compreender nossa identidade atual, é preciso resgatar a verdade, ou pelo menos, analisar as diferentes visões da nossa história, desde a descoberta até os dias de hoje.
A data é 22 de abril de 1.500, quando a comitiva portuguesa desembarca no Brasil e encontra uma população indígena de quase 4 milhões de habitantes. No início, desde o descobrimento, as mulheres indígenas tinham, em sua tradição, a amamentação como base da alimentação infantil, foram as primeiras amas de leite da nossa história. Rejeição cultural e rebeldia levaram as damas europeias a buscarem outra fonte de leite materno para seus filhos.
Na obra Amamentação: um híbrido natureza-cultura (Editora FIOCRUZ), João Aprígio Guerra de Almeida, coordenador da Rede de Banco de Leite Humano do Brasil (rede BLH-Br), traz dados e traça, entre outros temas, a evolução do AM no Brasil, com trechos históricos tão atuais, como:
- “Em resumo, no Brasil, o aleitamento materno entre os índios tupinambás era a regra geral até a chegada dos europeus, que trouxeram em sua bagagem cultural o hábito do desmame”.
- “O trabalho materno não consistia em fator de desmame entre as índias tupinambás, embora a sociedade indígena imputasse uma carga de trabalho para a mulher superior à do homem. Com auxílio da tipoia, a índia conseguia harmonizar seu duplo papel: de mãe-nutriz e mulher-trabalhadora”.
- “Portugal transmitiu ao Brasil o costume das mães ricas de não amamentarem seus filhos e, consequentemente, a necessidade de se instituir a figura da saloia. As índias cunhas constituíram a primeira versão de saloias brasileiras; porém, em razão da rejeição cultural que apresentavam, foram substituídas pelas escravas africanas”.
Das indígenas para as africanas, as amas de leite alimentavam as crianças da nossa história às custas da saúde e até das vidas de suas próprias crianças. Houve épocas em que o “negócio das amas-de-leite” era mais rentável do que outras atividades, como plantação de café, por exemplo.
- “Cabe sublinhar ainda que os relatos sobre desnutrição e mortalidade entre lactentes indígenas brasileiros só passaram existir a partir do momento em que se ampliou a convivência com o branco...”
E veio a Independência do Brasil (1822). Conta uma versão da história que, nessa época, 99% da população era composta de analfabetos, predominantemente negra, a maioria imensa muito pobre e, dos 4 milhões de indígenas da época do descobrimento, apenas 800.000 sobreviveram. A escravidão foi abolida apenas em 1888 (66 anos depois), pela Lei Áurea e já no ano seguinte (1889), como era temido e esperado, chega ao final a Monarquia, com a Proclamação da República.
“Seio indígena. Seio africano. Desmame europeu.”
Para classificação de raças na pesquisa, os dados foram obtidos por autodeclaração. O Relatório 1 traz as seguintes “cores ou raças” das crianças:
Branca [41,2%], Parda - mulata, cabocla, cafuza, mameluca ou mestiça [51,6%], Preta [6,5%], Amarela (origem japonesa, chinesa, coreana etc.), indígena.
E os dados de amamentação recolhidos no ENANI nos mostram uma distribuição percentual, no mínimo, reveladora:
- AM na 1ª hora de vida: Parda 63,4 / Branca 61,7 / Preta 58,4
- AME em menores de 4 meses: Parda 61,9 / Preta 58,5 / Branca 57,3
- AME entre 4 e 5 meses: Preta 45,8 / Branca 22,3 / Parda 21,1
- AME em menores de 6 meses: Preta 52,6 / Parda 47,1 / Branca 43,8
- AM em menores de 2 anos: Preta 63,9 / Parda 61,6 / Branca 58,3
- AM continuado entre 12 e 15 meses: Preta 60,6 / Parda 53,1 / Branca 49,8
- AM continuado entre 16 e 19 meses: Preta 59,8 / Parda 44,7 / Branca 39,0
- AM continuado entre 20 e 23 meses: Preta 41,2 / Branca 37,9 / Parda 32,1
- AM continuado entre 12 e 23 meses: Preta 53,0 / Parda 43,2 / Branca 42,4
- Mamadeiras em menores de 2 anos: Branca 53,3 / Parda 51,5 / Preta 46,6
- Chupetas em menores de 2 anos: Branca 44,3 / Parda 43,8,5 / Preta 42,2
“Qual a cor do desmame no Brasil?”
De acordo com a 6ª edição revisada e atualizada da cartilha “Câncer de mama: vamos falar sobre isso”, do INCA (2021), depois do câncer de pele não melanoma, o câncer de mama é o tipo mais comum no Brasil e o que causa mais mortes por câncer em mulheres.
A previsão para cada ano do triênio 2.020 – 2.022 é de 66.280 casos novos de câncer de mama no país. Em 2.019, de acordo com o Atlas de Mortalidade por Câncer, ocorreram 18.295 mortes (18.068 mulheres e 227 homens) com esse diagnóstico.
Adotar hábitos saudáveis, como atividade física regular, controlar o peso, evitar consumo de bebidas alcoólicas e não fumar podem contribuir para a prevenção do câncer de mama. pode evitar 30% dos casos de câncer de mama
Estudo publicado na revista Lancet comprovou que o risco relativo de câncer de mama diminuiu 4,3% para cada 12 meses de amamentação (somados todos os períodos de amamentação), além de uma redução de 7,0% para cada nascimento (cumulativos).
Outra forma fundamental de prevenção é o autoexame de mamas, com diagnóstico precoce confirmado pela mamografia (recomendado entre 50 e 69 anos a cada 2 anos).
Matéria recente no Oncoguia mostra pesquisa realizada em Campinas e publicada no BMC Cancer, com dados sobre um aumento da tendência de mortes de mulheres pretas e pardas e redução nas mulheres brancas por câncer de mama, no período de 2.000 a 2.017, em São Paulo. Os autores atribuem esses resultados a “uma desigualdade no acesso às políticas de controle de câncer em função da raça”.
E complementa afirmando que a dificuldade de acesso a diagnóstico, com consultas e mamografias, traz um "desequilíbrio que é reflexo do racismo institucional que tentamos combater. Além de imoral, essas desigualdades geram um custo importante para a sociedade, pois cuidar de câncer é uma atividade muito complexa."
- A história traz uma consciência da evolução da amamentação no Brasil, através das amas de leite (indígenas e negras).
- Dados do IBGE mostram um aumento da população parda e negra no Brasil.
- As taxas de aleitamento materno no Brasil, segundo o ENANI-2019, mostram que crianças pardas e pretas apresentam índices maiores de AM nos pontos abordados e menores usos de chupeta e mamadeiras do que as crianças brancas.
- O acesso aos serviços de saúde (pelo menos nas questões de câncer de mama) não são isonômicos, conforme mostram estatísticas do INCA, Oncoguia e os estudos recentes.
E as perguntas:
- Você já viu algum livro de imagens ou textos para estudos de seios negros, pardos, amarelos ou indígenas?
- Eles são, anatômica e estruturalmente, iguais aos seios da mulher branca?
- De agosto, que é dourado, a outubro que é rosa, qual a cor do seio do Brasil?
Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545