Do site da Crescer
Pediatra discute casos em que mulheres foram proibidas de amamentar em público e destaca como está a regulamentação no Brasil, para que as mães alimentem seus filhos sem serem constrangidas
por Dr. Moises Chencinski - colunista
25/10/2022
“Bem, se você não vai usar as instalações, vou pedir para você sair daqui porque, como você pode ver, existem lojas como Louis Vuitton e Gucci, então você terá que amamentar em outro lugar”.
Esse final de semana foi especialmente desafiador em relação ao que escrever a respeito de aleitamento materno. Como sempre, começo pelas notícias nacionais e internacionais. Então vamos a alguns flagrantes da vida real.
Nessa semana, uma mãe se sentiu humilhada quando foi proibida de amamentar seu filho de 3 meses no Museu Universitário de Zoologia, em Cambridge, porque, segundo foi informada e admoestada por uma funcionária (mulher), “não era permitido comer ou beber (se alimentar) ali”.
Após a péssima repercussão, a direção do museu (ou do Shopping, ou da Disney, você pode escolher onde) se manifestou, “lamentou profundamente essa situação”, e reafirmou sua política de acolhimento a mães que amamentam e a mães que oferecem mamadeira no local.
Essa não foi a primeira e nem será a última vez em que isso aconteceu, acontece ou acontecerá (escolha o tempo do verbo que você quiser), no museu, em uma grande rede de fast food, ou sendo expulsa de uma loja de departamentos por um funcionário ou de um ônibus pelo motorista (Inglaterra), por seguranças na Disney ou agredida fisicamente por uma mulher em uma fila (ambas em Paris), em um Shopping (na Austrália), ou em outra loja por um funcionário do caixa (Escócia)... escolha o local e o país que quiser imaginar...
Como sempre, além do pedido de desculpas (não, não há nenhuma justificativa para esse tipo de atitude), todos afirmam que esse não é o padrão de conduta do local, ou sugerem que houve uma “interpretação errônea” do fato, e oferecem descontos ou alguma vantagem (tentativa de suborno à consciência?) para compensar o “erro do funcionário”.
Mas, muitas perguntas que não querem calar
- Foi só o funcionário quem errou?
- Que outras providências foram tomadas?
- Essa ação, que não foi recomendada por ninguém do estabelecimento em questão, aconteceu do nada?
- Quando um funcionário é admitido, onde quer que seja, ele não recebe nenhuma orientação geral ou treinamento quanto à conduta da empresa, em especial quando existe envolvimento de público?
- Amamentar em público é bem-vindo nesse local e nenhuma mãe deve ser constrangida e sim acolhida nessa situação. Essa simples frase não consta de nenhum código ou regulamento em nenhuma dessas empresas?
- O ser humano, pelo visto independentemente de gênero, está tão doente que consegue se indignar com uma mãe amamentando seu bebê, com fome, em público, mas está normalizando guerras, violência, morte, falta de civilidade, desonestidade, mentiras, desrespeito, humilhação?
Quero imaginar e acreditar que proibir e coibir a amamentação em público não esteja mesmo na orientação de admissão de funcionários ou em qualquer regulamentação interna do museu (supermercado, loja de roupas, shopping, cinemas, restaurante... você também pode escolher o lugar onde isso aconteceu, acontece ou acontecerá de novo). Mas a restrição de alimentação em determinados lugares existe (certamente não nos shoppings) por questão de higiene ou cuidados com o estabelecimento. Será que ninguém orienta um funcionário ou um ser humano que esse dado não inclui a amamentação?
Parte “chata”, mas necessária e fundamental
Enquanto isso, ainda aguardamos no Brasil a lei que permite que mães que desejem ou necessitem amamentar em público o façam, sem que sejam constrangidas.
O PL 1654/2019 que “dispõe sobre o direito à amamentação em público, tipificando criminalmente a sua violação” e que “assegura o direito das mães de amamentar em local público ou privado aberto ao público ou de uso coletivo sem sofrer qualquer impedimento, independentemente da existência de espaços, equipamentos ou instalações reservados a essa finalidade” segue seu calvário, ou, para usarmos termos jurídicos, sua “tramitação”, desde sua apresentação em 20/03/2019.
Segue o resumo do resumo do “fluxo”:
25/04/2019 - COMISSÃO DE DEFESA DOS DIREITOS DA MULHER (CMULHER) e aprovada com alterações em 10/06/2021.
11/06/2021 - COMISSÃO DE SEGURIDADE SOCIAL E FAMÍLIA (CSSF) e aprovada com alterações em 18/08/2021.
18/08/2021 - COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE CIDADANIA (CCJC).
19/08/2021 - COORDENAÇÃO DE COMISSÕES PERMANENTES (CCP) - encaminhada à publicação. Parecer da Comissão de Seguridade Social e Família Publicado no DCD de 20/08/21 PAG 427, Letra B.
02/09/2021 - COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE CIDADANIA (CCJC) - Designada Relatora. Desde então, mais nenhum andamento identificado.
E estamos em 25/10/2022. Já são 3 anos e 6 meses em que um Projeto de Lei, que só tem como intenção proteger as mães que queiram amamentar em público, seja aprovado.
Quantos desmames aconteceram durante e por conta dessa “tramitação”?
P.S.: Esses dados são públicos. Quem se interessar pode entrar em contato e tanto acompanhar como pedir esclarecimentos sobre qualquer projeto na Câmara dos Deputados e sua tramitação. Eu fiz isso.
Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545