Do BLOG da Editora Timo
por Dr. Moises Chencinski - colunista
22/03/2023
Entre as coisas que a vida me mostrou, uma delas é a importância de saber quando avançar, quando parar e quando recuar. E, nesse movimento, alternar as condições de acordo com o momento e com os objetivos.
O mundo moderno quase que nos obriga a ir sempre em frente, nos cobra a performance, nos valoriza pelas vitórias e pelo sucesso. Novas ideias, startups, descobertas são muito valorizadas em todos os campos.
E com a velocidade da internet, das redes sociais, dos celulares, com o aqui e o agora sempre em foco, a sensação de que se a gente diminuir o ritmo ou a velocidade vai ser atropelado, deixado para trás, esquecido, abandonado.
A pressa. O tempo...
Isso me lembra tanto o “Coelho Branco” de “Alice no País das Maravilhas”, quando aparece pela primeira vez na história. Ele lembra tanta gente (às vezes até eu kkkk), vestindo roupas humanas, carregando um relógio enorme, correndo de um lado para o outro, sempre nervoso e confuso, como se
estivesse preso nesse ritmo frenético, obcecado e repetindo:
- “Estou atrasado, estou atrasado...”
E Alice? Foi atrás do Coelho, sem pensar.
As novidades. As buscas...
Minha sogra, Regina Cracovski (Z’l*), quando chegava a época das eleições, dizia que a gente não deveria votar em quem prometia fazer coisas novas ou apresentava só novos planos, e sim em quem se comprometesse a consertar o que está feito, mas não está funcionando bem, ou a completar o que ficou pela metade.
As pausas... O ócio... A falta...
Recebi do amigo Luciano Borges Santiago, pediatra que foi presidente do Departamento Científico de Aleitamento Materno, um texto bem interessante, da autoria de Becky S. Korich (advogada, dramaturga e cronista), publicado em julho de 2.022 como Opinião na Folha de São Paulo: “A nova fobia coletiva - Falta um pouco de não saber; sobram certezas”, que começa assim:
“A vida não dá trégua. São tarefas ininterruptas, uma colada na outra, que parecem não caber nas 24 horas do dia. "É muita demanda", "falta tempo". É o que cansamos de dizer. Mentira: o que falta são pausas, silêncios, vazios. O que falta é a falta.”
E um pouco mais adiante, algumas frases...
- “Com tantas metas,perde-se o objetivo. Com tantos caminhos, perde-se a direção”;
- “Falta muita coisa porque sobra muita coisa”;
- “Sobram informações, tarefas, estímulos, referências. Só que o excesso de informações desinforma; o excesso de tarefas é improdutivo; o excesso de estímulos aliena; o excesso de referências enlouquece”.
E o texto termina assim:
- “Mais do que isso: alguns espaços existem justamente para não serem preenchidos.”
A teoria na prática é outra...
Outro texto, esse de 2.007, que aborda a educação, traz mais reflexões.
“Vivemos em um tempo em que grande parte dos problemas já foram diagnosticados e sobre os quais ainda estamos muito a dever em termos de soluções”.
“Uma coisa é conhecer pela teoria, outra bastante distinta é conhecer pela experiência... Assim, é preciso ir da prática à teoria e desta àquela...”
E você imaginou que eu não iria falar sobre amamentação?
Eu poderia começar mais pra trás no tempo, mas acho que a Revolução Industrial (século XVIII, por volta de 1760) é um bom ponto de partida. A partir dessa época, a história conta sobre um aumento da produtividade, mudanças no modo de vida e nos padrões de consumo da sociedade, alterações na relação entre o homem e a natureza, com avanços em diversos campos do conhecimento, e muito mais. E, a partir de então, o verdadeiro patrão de todos passou a ser o tempo e quem o controlasse e o dominasse teria o poder. E como competir, desde então, com o poder da indústria?
É o que temos tentado atingir incansavelmente, o tempo todo, em várias áreas, de muitas formas, no que diz respeito à amamentação.
Competir com a indústria.
Competir com o marketing da indústria.
Competir com o dinheiro da indústria.
Competir com a influência da indústria.
Competir com o alcance da indústria.
O que conseguimos no Brasil?
Entre 2006 e 2019 (13 anos) um aumento de 8% nas nossas taxas de aleitamento materno exclusivo em crianças abaixo de 6 meses (nem vou repetir as recomendações da OMS e sua proposta para 2025 e para 2030). E tem gente feliz com isso.
E entre 2006 e 2019, nos mesmo 13 anos, a indústria de substitutos de leite materno conseguiu um aumento de 103,5 % na sua produção e de 122% nos seus lucros. E eles não estão satisfeitos com isso.
Duas táticas da indústria:
- Criar dificuldades para vender facilidades. E assim foi lançado o leite do sono, do fim das cólicas, da inteligência, do intestino... E o leite materno tem tudo isso em um “produto só”.
- Dividir para conquistar. Isso é tática de guerra. E a indústria divide os profissionais de saúde, através de promoções e tentações. E a indústria divide as mães em grupos (as que amamentam e as que não amamentam, as que fazem cama compartilhada e as que não fazem...)
E, divididos, cada grupo de mães e de profissionais tenta “enxergar o seu lado” e buscar “uma única solução para o todo”. E assim, a indústria cresce e lucra. De todos os lados.
E corremos tanto, fazemos tantas novas programações, testamos tantos novos métodos diferentes, abordamos tantos novos assuntos relacionados ao aleitamento materno, buscamos tantas novas pesquisas sobre o leite humano...
Que tal seria um sabático no aleitamento materno?
Antes de tudo, entender o que é um sabático.
No Torá, o livro sagrado dos judeus, ano sabático é descrito como a fase de repouso da terra, onde não se podia cultivar. Segundo as normas da bíblia judaica, o ano sabático ocorre de sete em sete anos, sendo seis anos de cultivo e um para o descanso e recuperação. Esse ano sabático não é para férias. É um momento de reflexão sobre o que você realmente deseja fazer da vida.
O intuito não é largar tudo sem pensar, mas para pensar em como resolver os paradigmas da vida. Ao tirar um ano sabático e aprender diversas coisas, é possível tomar melhores decisões, comunicar-se de maneira mais adequada.
Pelo menos parte da nossa força-tarefa do aleitamento deveria parar, pensar, refletir, analisar, avaliar tudo o que já foi feito em prol da amamentação. Sem projetos.
O que foi feito? O que deu certo? O que não atingiu os objetivos? Por que isso aconteceu? O que ou quem contribuiu para esse insucesso? Mas, principalmente, “conversar” com as mães.
Como é que se pode pensar em qualquer análise e planejamento sobre aleitamento materno, sem ouvir, olhar, sentir as mães? Quem são, o que precisam, querem, conseguem?
E o tempo desse sabático? O necessário. Simples assim. Enquanto um grupo ainda trabalha no que já existe, tenta seguir os projetos já em andamento, outro grupo para, pensa, observa, analisa e conclui. Ao final do tempo que for necessário, reúnem-se os grupos e, a partir daí, juntos, preparam uma nova programação.
Precisamos acabar com a “Síndrome do Pensamento Rápido” e com a “Síndrome das Pernas Inquietas” (podem pesquisar que elas existem).
E, quando os “coelhos brancos” da vida passarem afoitos e acelerados, deixe-os ir. Não os siga!
E para terminar, uma frase de Albert Einstein que acabei de receber (agora mesmo) do meu filho, Renato.
"A formulação de um problema costuma ser mais essencial do que sua solução, que pode ser apenas uma questão de habilidade matemática ou experimental. Levantar novas questões, novas possibilidades, encarar velhos problemas de um novo ângulo requer imaginação criativa e marca avanços reais na ciência”.
* Abreviatura em hebraico da expressão “zicaron lebrachá”, que significa “bendita a sua memória”, utilizada, para pessoas já falecidas.
Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545