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O pau que dá em Chico dá em Francisco?

Do BLOG da Editora Timo

Já ouviu essa expressão? Sabe o que ela quer dizer?

por Dr. Moises Chencinski - colunista

05/04/2023

Explicação do Dicionário Informal:

A expressão releva a necessidade de igualdade/isonomia. A expressão faz alusão à ideia de que "Chico" é uma pessoa qualquer, sem posição social relevante, enquanto "Francisco" é uma pessoa relevante, com posição social de destaque. Mas, no final, todos são iguais, pois todo Francisco é Chico e todo Chico é Francisco, razão pela qual não há que se diferenciar na aplicação de uma norma.

Segundo o Artigo da Constituição Federal do Brasil:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...

Sem entrar no mérito da lei, quero aqui que essa ideia fique na cabeça do leitor, enquanto percorrer o texto.

Conferência sobre obesidade abandona Nestlé como patrocinadora após protestos

Essa matéria foi publicada no British Medical Journal (31/03/2023).

O Congresso Europeu sobre Obesidade removeu a Nestlé como patrocinadora, após condenação generalizada nas redes sociais.

Agora, uma carta aberta, publicada no The BMJ, pede que a organização vá além e remova todo patrocínio corporativo e presença em seus eventos científicos.

Segundo Christoffer van Tulleken, professor associado da University College London, “o patrocínio da Nestlé a um congresso sobre obesidade é exatamente o mesmo que uma empresa de tabaco patrocinar um congresso sobre doenças relacionadas ao tabagismo. O negócio deles depende do aumento das vendas globais de alimentos associados à obesidade. Eles não podem ser parte da solução.”

As instituições não podem ter interesse financeiro e causar um problema ao mesmo tempo em que afirmam ter interesse em soluções efetivas; constitui um conflito. E sabemos por uma grande quantidade de pesquisas em setores industriais – mas especificamente na indústria farmacêutica – que, quando a indústria se envolve em pesquisas, causa viés, também conhecido como corrupção.”

Esse fato ocorreu antes do Congresso Europeu de Obesidade de 2.023 (ECO2023) que acontecerá de 17 a 20 de maio em Dublin, organizado pela Associação Europeia para o Estudo da Obesidade (EASO). Após várias reclamações no Twitter, o logotipo da Nestlé foi retirado da lista de patrocinadores e a marca da subsidiária PronoKal (uma marca de perda de peso de propriedade da Nestlé) desapareceu no mesmo dia. O patrocínio valia £ 40.000 (250 mil reais).

Na mesma matéria, uma das justificativas para essa atitude é que as empresas “são grandes produtores de alimentos ultraprocessados ​​e outros produtos cujo consumo acarreta problemas de saúde, inclusive aumento do risco de obesidade. Portanto, é incoerente para a conferência tê-los como patrocinadores... existem outros problemas éticos associados à Nestlé, como o marketing agressivo de fórmulas infantis em países em desenvolvimento.”

Essa colocação se torna mais relevante quando a própria indústria citada admite que mais da metade de seus produtos (54%) não são saudáveis, de acordo com o Health Star Rating (HSR) que mede a qualidade dos produtos levando em consideração gordura saturada, açúcar e sal, bem como "nutrientes positivos", como fibras, frutas e vegetais em sua escala nutricional. Apesar de a empresa já ter alguns progressos na redução de sal, açúcar e gorduras saturadas de alguns produtos, em outras categorias como a confeitaria não existe a menor condição de atuação para torná-las saudáveis. Segundo informações, em 2.022, o grupo teve um faturamento de pouco mais de 95 milhões de euros, incluindo esse tipo de produção.

E na mesma revista foi publicada uma carta aberta de opinião, referenciando o Congresso Europeu sobre Obesidade como “uma das principais conferências globais para médicos, nutricionistas, cirurgiões e pesquisadores no campo da obesidade”.

Nessa carta foram propostas estratégias a serem adotadas, entre as quais quero ressaltar:

- Os profissionais de saúde precisam de educação e treinamento sobre esses assuntos. É encorajador ver sessões na ECO2023 dedicadas à influência da indústria e aos determinantes comerciais da saúde;
- Em última análise, os comitês organizadores de eventos científicos e de saúde devem considerar o fim de todos os patrocínios de empresas. Outras organizações adotaram essa política. O Congresso Mundial de Nutrição em Saúde Pública, o Congresso Mundial de Aleitamento Materno e o Congresso da Sociedade Latino-Americana de Nutrição, para citar alguns exemplos, são financiados de forma independente e não contam com a presença de empresas.

E como recomendação final da carta: “É hora de retirar o patrocínio corporativo e a presença em eventos científicos e de saúde”.


Enquanto isso...

 

Em 2.015, a Sociedad Latinoamericana de Nutrición (SLAN) recebeu um abaixo-assinado por vários pesquisadores em nutrição e saúde pública das Américas, entre eles Carlos Monteiro, Cesar Victora, e ainda Fábio Gomes e Joaquim Molina, ao fim do 12º Congresso da Sociedade Latinoamericana de Nutrição.

Nesse abaixo-assinado, foi definido que indústrias de alimentos e bebidas (Coca Cola, Unilever, Nestlé, entre elas) não seriam mais aceitas como patrocinadoras de conferências de alimentação e nutrição, incluindo a Reunião SLAN, visto que estas indústrias contribuem com a atual epidemia de doenças crônicas no mundo.

Essa era a meta sobre conflito de interesses que continua em vigor até hoje, e será atualizada e revisada na Assembleia em 2.023 que acontecerá em Cuenca (Equador).
Adotar uma norma de conflitos de interesses e orientações em relação à organização de eventos científicos e outras atividades.”

Já abordei conflitos de interesses por aqui algumas vezes nesses anos (“A indústria dos "substitutos do seio materno", “Lobo em Pele de cordeiro” e “Tentativa de Golpe no aleitamento materno”, entre outros). Mas, parece que o conceito ainda não é claro por aqui, mesmo com essa manifestação e recomendação da SLAN, da qual o Brasil faz parte.

Porém, vários eventos (lives, congressos, jornadas) sobre nutrição, inclusive infantil, apresentam o logo e patrocínio das indústrias de substitutos de leite materno, inclusive com espaço dedicado na programação a Simpósios Satélites, abordando intervenções nutricionais e benefícios em nome de uma nova puericultura, ou da gestação até a fase pré-escolar.

Publicações relevantes de atualizações sobre nutrição infantil, lançados também por associações representativas da classe pediátrica, mostram uma “parceria” com indústria da área alimentícia, com agradecimentos à empresa logo nas primeiras páginas e não se baseiam nas recomendações de estudos sérios e reconhecidos, publicados pelo Ministério da Saúde como o Guia Alimentar para a População Brasileira (2.014) ou o Guia Alimentar para Crianças Brasileiras Menores de Dois Anos (2.019).

Existem leis no Brasil que regulamentam todas as áreas da alimentação (produção, distribuição, rotulagem, marketing entre outras) como a NBCAL (Lei 11.625 – 2.006) e a Lei de Segurança Alimentar e Nutricional (Lei 11.346 – 2.006).


Reflexões

Os europeus e os latino-americanos se preocupam com a saúde de sua população.
As instituições brasileiras se preocupam com a saúde de sua população.

Existe um consenso de que alimentos ultraprocessados não são saudáveis.
As avaliações de sobrepeso e obesidade seguem os mesmos critérios no mundo.
A própria indústria admite que mais da metade de seus produtos não é e nunca será saudável.

Então:

Por que as propostas não são coerentes e semelhantes?
Por que a compreensão sobre conflito de interesse não é a mesma se o conflito é igual?
Por que se aceita que alimentos ultraprocessados sejam produzidos e distribuídos tão livremente, sem controle?

E, para concluir:

Chicos ou Franciscos? Qual é nosso futuro?

Dr. Moises Chencinski - CRM-SP 36.349 - PEDIATRIA - RQE Nº 37546 / HOMEOPATIA - RQE Nº 37545